Posts from janeiro, 2013

Velho jacaré

 

 

O mar estava para peixe, e para jacaré.

Maré baixa, água quentinha, vento gostoso e lindas ondas se formando, uma atrás da outra. Surfistas e outros tipos de prancheiros se esbaldavam lá longe.

Ignorando os apelos à sanidade feitos pela minha Penélope (que insistia em me lembrar do pulso esmigalhado anos atrás, no primeiro dia de férias… uma provação dos deuses!) levantei-me resoluto e qual Ulisses avancei mar adentro, levado pelo canto das sereias, sem ter a cautela de me amarrar ao mastro.

Devo confessar que professo a prática primitiva do velho e bom jacaré, precedente ao surfe e a todas as outras modalidades prancheiras.

O jacaré, para quem não sabe, consiste em pegar onda sem prancha ou outro intermediário, fazendo do próprio corpo o apetrecho deslizante. Exige prática e habilidade, mas só não desapareceu ainda porque na tenra idade as crianças, intuitivamente, começam por ele. Logo o abandonam, porém, assim que têm acesso aos aparatos cada vez mais tecnológicos, de vário feitio. De modo que não chegam a alcançar o grau de excelência no jacaré.

É vero que fiquei aquém mar dos surfistas e companhia, com água à altura do peito, um pouco mais ao fundo do que a molecadinha do bodyboard iniciante.

Estudei o vento, a formação das ondas, a correnteza e outras variáveis. Para pegar um jacaré magistral, não se pode afobar, entrar antes do momento exato na onda, no preciso instante em que ela cresce e se precipita.

Veio afinal a onda perfeita, bracejei, incorporei-me a ela e deslizei intrépida e velozmente até chegar ao rés da praia, enquanto a molecadinha afoita do bodyboard ia ficando pelo caminho.

Quando me erguia triunfante, dois meninos vieram até mim com suas pranchas para me reverenciar:

— Tio, como é que você faz isso?

Cinquenta anos de praia, respondi-lhes magnânimo, enquanto tratava de cair fora para manter a minha fama de mau.

 

 

jacaré