Posts from janeiro, 2013

De volta

 

 

“Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!”

(Bernardo Soares)

 

 

  

Acordou num quarto de hotel, sem saber onde estava e como fora parar ali.

Percebeu que anoitecia, em vez de amanhecer.

Quando procurou o relógio na mesa de cabeceira para ver as horas, encontrou um bilhete de trem, que partiria às 22h30min.

Faltava pouco para as 20h e se quisesse pegar o trem deveria se apressar.

Estava nu. Foi ao banheiro, escovou os dentes e tomou um banho usando os utensílios e produtos oferecidos como cortesia pelo hotel.

Abriu a porta do pequeno armário do quarto e encontrou as roupas e os sapatos. Havia também uma pequena valise de couro, bastante desgastada, com alguns livros. Nada mais.

Vestiu-se, apanhou a valise e desceu à recepção.

— A conta já está paga, senhor, e o táxi o espera, disse-lhe a recepcionista.

Tomou o táxi e o motorista, sem que lhe dissesse nada, levou-o à estação.

Chegou com quarenta minutos de antecedência. Teve tempo de perambular um pouco pelos corredores tentando descobrir, sem êxito, em que cidade se achava. Tomou um café e o atendente, assim como a moça do hotel, conversou com ele em inglês, mas as pessoas ao redor falavam espanhol, francês, alemão, árabe, japonês e até português.

Não teve tempo de mais nada.

 Tratou de embarcar no trem e se acomodou numa poltrona vazia, junto da janela.

Pouco depois o comboio partiu, deixando para trás a cidade misteriosa. Logo percorriam uma região campestre, com lindas paisagens que se alternavam, planícies, grandes lagos, florestas espessas, montanhas e túneis. O céu estrelado estava magnífico, e a lua cheia projetava uma luz suave e melancólica.

Além dele, havia apenas três ou quatro passageiros dispersos pelo vagão.

Tirou um dos livros da valise, com a capa de couro avermelhado e letras douradas. Era de Fernando Pessoa. Abriu-o ao acaso e deu na página do poema que se inicia com o verso “Viajar! Perder países!”. Releu este e alguns outros. Pouco a pouco a leitura e o embalo do trem deixaram-lhe os olhos pesados de sono.

Adormeceu com a sensação apaziguada de quem está voltando para casa.

Toda viagem é um regresso.

 

 

mala