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O presente é tão grande…

 

 

Manu de cavalinho no Babu

 

De manhã ela me diz que eu preciso pintar o cabelo, que está ficando branco.

De tarde diz que não vai me dar presente, nem me ajudar a apagar as velinhas.

De noite, ao ir embora, me enlaça o pescoço e, chorando, diz que quer ficar comigo.

Então a mãe me conta que desde o começo da semana ela está muito comovida com meu aniversário. Não quer que eu envelheça, quer que eu fique sempre como estou e presente ao lado dela.

Existe presente tamanho?

 

Manu dedicatória

 

 

 

A lua e o idoso

 

 

Manu (Bom-Dia, Domingo)

Foto de Bell Gama

 

 

Ontem, por mera coincidência, toca-me pegar Manuela na escola, sem atinar que era “Dia do Idoso”, mesmo porque isso nada tem a ver comigo.

Quando me aproximo da sala do “Grupo 3”, ela vem ao meu encontro, saltitante e festiva, proclamando aos quatro ventos:

— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…

E assim continua, saracoteando à minha frente, pelos corredores e pelo pátio até o portão de saída, ao embalo dos risos das professoras, da diretora, dos funcionários da escola, de mães e pais de outros alunos, do porteiro, do pipoqueiro, do sorveteiro e de quem mais por lá estava.

Já na rua, enquanto caminhamos até meu carro, depois de alguns protestos débeis e infrutíferos (“Não sou idoso, sou um menino antigo”; “Idoso é a vó!”), endureço o jogo:

— Se eu sou idoso então vou morrer logo.

— Não Babu, você vai viver mil anos! Vai buscar minha filha na escola, comprar pipoca e sorvete para ela.

— Vou sim.

— E sabe o que minha filha vai dizer pra você?

— O quê?

— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…

Mais tarde, a mãe passa em casa para pegá-la e, como de hábito, levo-a no colo para o carro, trocando abraços e beijinhos.

Ao descermos as escadas da varanda, ela vê a lua crescente que desponta entrecoberta pelas nuvens:

— Olha, Babu, a lua está acendendo!

Mas é nos meus braços que a lua loura cresce e acende a vida.

 

 

 

Gama-Gomes no verão de Paris 2014

 

                Bell Gama

bell gama

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma contagem regressiva de pouco mais de 200 dias nos trouxe novamente para Paris. No ano passado, em setembro, já havíamos feito a saudável loucura de alugar um apartamento no Marais e ficar a família toda por quase 20 dias desfrutando da cidade luz. No último dia desta viagem, com um brinde de Billecart Rosé nos prometemos que voltaríamos para ficar mais tempo.

E o dia era 17 de julho. Nos encontramos em Guarulhos. Desta vez, sem a Jú, que arrumou o emprego que tanto sonhava e teve que ficar em São Paulo (ela fará falta!). E, mais uma vez sem a minha mãe que aproveita a data para tirar férias de nós. Até a hora do embarque, Carol e eu não acreditávamos ainda na viagem. Ela repetia sem parar se era possível ser tão feliz.

 

Manu alimentando o Babu no caminho do aeroporto para Saint Germain

Manu alimentando o Babu no caminho do aeroporto para Saint Germain

 

Ao pisarmos em Paris e encontrarmos o sorriso largo do Raymond que mais uma vez nos buscou no Charles de Gaulle descobrimos que é possível ser tão feliz. Desta vez, optamos por um apartamento em Saint Germain. Apartamento incrível que descobrimos ser de um dos brasileiros que mais admiro. Ainda não vou revelar o nome porque essa é uma outra história e fica o suspense.

 

Manu faz a sua primeira pose na vizinhança

Manu faz a sua primeira pose na vizinhança

 

Adaptados, era hora do tradicional Monoprix. Mais uma vez, chocamos os franceses pela quantidade de coisas que compramos. Aqui, as pessoas compram o suficiente para uma refeição e/ou um dia. E nós (mania de brasileiros) enchemos o carrinho. Obviamente com duas Veuve Clicquot e duas Moet Chandon mais um tanto de vinho, outro tanto de cerveja, queijos incríveis, frutas, pães e tudo que a gente tinha saudade. Na hora de voltar para a Rue do Bac, 40 sentimos a pressão do calor francês. O termômetro marcava 34 graus e nosso corpo pingava de suor. Já percebi que vai ser uma temporada muito diferente do que estou acostumada. Tanto que escrevo esse texto de top, shorts e Havaianas (coisa que nunca usei em Paris).

 

Família Gama Gomes no Sena

Família Gama-Gomes no Sena

  

Muito cansados do voo lotado nos forçamos a cumprir a minha tradição. Pela sétima vez começo a minha viagem pelo mesmo lugar: um brinde na torre. O Babu escolheu um vinho Pinot Noir da Bourgogne (nada mais francês).

 

O brinde da Torre

O brinde da Torre

 

Então eu a vi. Ela estava lá me esperando de novo.

Agora, podemos começar.

Ela me espera todos os anos

Ela me espera todos os anos

 

Bell Gama

julho/2014

 

 

 

Diálogos Impossíveis

 

 

Manuela de ponta cabeça 

 

 

No carro, enquanto a levo para casa, depois da escola:

─ Babu, seu cabelo é cinza e tá ficando branco! Por que você não pinta de preto?

─ Por que, Manu, tô muito feio assim?

─ Você é lindo, mas não quero que fica velhinho.

 

***

 

Dormindo em casa, acorda de madrugada e me chama, choramingando. Encontro-a sentada na cama:

─ Babu, Babu, eu estava no castelo e aí uma abelha veio e me picou!

─ Não querida, olhe só, você está na casa da vovó e do Babu. Foi só um sonho ruim. E eu estou aqui com você.

Sorri, me dá um beijo, deita-se e logo volta a dormir, enquanto lhe faço cafuné.

Na manhã seguinte, durante o café:

─ E então, Manu, você sonhou de novo com o castelo?

─ Sonhei, Babu. Mas aí você estava comigo e não aconteceu nada ruim.

 

***

 

Com a mãe, vendo as fotos do iPhone:

─ Mãe, quero enfeitar minhas fotos com diamantes (de um aplicativo).

─ Mas você sabe o que é um diamante, Manu?

─ Toda mulher sabe o que é um diamante, mamãe!

 

***

 

[youtube]http://youtu.be/ffDfOMfB23s[/youtube]

 

 

 

De uma queda

 

 

Manu penta

 

 

                              Manuzinha de uma queda foi ao chão

                              e o queixo (que tanto beijo) se abriu

                              num sorriso rubro, sem graça.

                              Acudiram três cavalheiros,

                              todos de chapéu (e coração) na mão.

 

                              O primeiro foi seu pai,

                              o segundo, seu Babu,

                              o terceiro foi o doutor

                              que lhe costurou com cinco pontos.

 

                              Manuela levantou-se brava(mente)

                              lá da mesa do doutor,

                              chorou muito, mas depois passou

                              e o sorriso claro, com graça

                              para a boca lhe voltou.

 

                              A dor do Babu é que não passava

                              e ao doutor ele indagou 

                              se também podia costurar-lhe

                              o coração que sangrava.

 

 

“Menininha do meu coração
Eu só quero você
A três palmos do chão”

 

“Valsa para uma menininha” (Vinicius de Moraes / Toquinho), com os dois

 [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=5f-T3oUtSHI[/youtube]

 

 

 

Fadinha minha

 

fada-sininho 

 

 

Na hora do almoço, Manu chega para filar a boia, antes de ir para a escola.

Encalorada, irrompe pela saleta da TV, onde estou com o ar condicionado à toda.

Pula no meu colo:

─ Babu, quero ver Peter Pan!

Anda apaixonada pelo tal do Peter e assiste repetidamente aos filmes e desenhos dele. Sua festa de aniversário de 4 anos vai ser na Terra do Nunca.

Súbito, enquanto revemos o filme, puxa meu rosto e me dá uma lambida numa bochecha, na outra, no queixo e na testa.

Sinto-me um picolé de groselha, docemente saboreado, e derretendo…

Sem precisar de asas ou pó de pirlimpimpim, o vô avoa pela Terra do Sempre.

 

 

 “Fico assim sem você” ( Abdullah / Cacá Moraes ), com Adriana Partimpim

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=iojYDSjKK00[/youtube]

 

 

 

Croquibilu, a saga

 

 

 Eu meninoNa pedregosa Pedregulho, de terra vermelha e chão batido, com poucas ruas asfaltadas, o menino se esbaldava em total liberdade.

Próximo da casa o curral onde se buscava e bebia todas as manhãs o leite acabado de tirar. O campinho de futebol em frente, os eucaliptos, o grupo escolar um pouco acima.

Abaixo, atravessando uma vala equilibrando-se na pinguela estreita e improvisada com troncos de árvore, havia um grande pasto com um riacho, que empoçava e formava um brejo mais ao fundo . Foi ali que viu o sapão pela primeira vez. Havia outros, mas aquele era o rei, o macho alfa. Voltou várias vezes para admirá-lo. Num dia em que o sapão estava mais pachorrento do que de costume, atirou-lhe umas pedrinhas para que saltasse ou exibisse seu lingueirão repentino, mais rápido do que o saque de qualquer pistoleiro do Velho Oeste. Foi então que um dos amigos o alarmou:

─ Xiiiii, você não devia fazer isso, provocar o sapo! Agora tem de matar, senão ele vai à noite na sua cama e mija em você!

Não tinha coragem nem vontade de fazer mal algum ao pobre sapo, só queria mesmo atiçar ele um pouco. Claro que estava fora de cogitação matá-lo, mas ficou impressionado com a lorota do amigo, e passou duas ou três noites incomodado, acordando sobressaltado durante a noite. De dia, ia ver se o sapão continuava por lá. Será que de noite…?

Acabou contando sua aflição para o pai, que riu muito e lhe disse que aquilo tudo era bobagem. Foram juntos ver o sapão e na volta o pai, talvez para tranquilizá-lo de vez, contou-lhe que o avô era grande amigo dos sapos e até tivera um de estimação na fazenda que ficava ali perto, em Rifaina, na divisa com Minas Gerais, e que depois vendeu para quitar dívidas da grande crise cafeeeira.

─ Como você é neto do Coronel Asdrúbal, não precisa ter medo de sapos. Eles fazem parte da família…

Um dia, remexendo nos escritos do pai, reencontrou a história do sapo avoengo.

 

CROQUIBILU

AnnibalCroquibilu era um sapão de mais de um palmo grande aberto, e achou de vir aos pulos balofos até à escada, subindo-lhe igualmente os degraus, e achou-se afinal no piso do alpendre. Então, foi indo, e escolheu um lugar, ali no canto, entre um caixote e um latão, e se acomodou, confortável. Logo viria, pois era noite, a lamparina de querosene, que foi posta em cima do parapeito. E as mariposas, imediatamente, começaram a rodar em torno da luz. Aquilo foi um gozo para o sapão Croquibilu, pois era só estender a língua e papear as bicihinhas. No entanto, alguém o viu ali e gritou: “Que horror, um sapão!”, pois a Mãe tinha muito medo dos sapos. Mas o Pai também veio vindo, viu Croquibilu no seu sossego, e recomendou: “Deixem o sapo em paz!” E assim se fez.

Logo que amanhecia, mal o sol despontava no horizonte, o Pai pegava a vassoura, e ia empurrando o sapão: “Vamos, amigo!”, e Croquibilu saltava uns palmos adiante – póf! Chegavam ambos até a escada, e desciam-na do mesmo jeito até alcançar, varando a porteirinha, o pasto, onde o sapão ficava, ou ia para os brejos, não longe. Ao entardecer, porém, Croquibilu retornava, galgava os degraus da escada, e ia para o seu canto habitual, a papejar as mariposas.

Longo tempo este ritual se repetiu, e Croquibilu já era um membro estimado da família.

 

 Vô Asdrúbal

Muitos anos depois, a trineta do Coronel Asdrúbal desde cedo se mostrou maravilhada pelos sapos, um dos seus bichos prediletos.

Quem sabe um deles se transforme no seu príncipe encantado? Aí eles poderão dormir e sonhar juntos.

 

Manu Sapinha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Amarcord

 

 

Eu menino

 

 

 

 

 

 

 

 

                                               RECORDO AINDA…

 

                                                           VIII

 

                                                                                                          Mário Quintana

                                                                                                          (Para Dyonelio Machado)

 

 

                                   Recordo ainda… e nada mais me importa…

                                   Aqueles dias de uma luz tão mansa

                                   Que me deixavam, sempre, de lembrança,

                                   Algum brinquedo novo à minha porta…

 

                                   Mas veio um vento de Desesperança

                                   Soprando cinzas pela noite morta!

                                   E eu pendurei na galharia torta

                                   Todos os meus brinquedos de criança…

 

                                   Estrada afora após segui… Mas, ai,

                                   Embora idade e senso eu aparente

                                   Não vos iluda o velho que aqui vai:

 

                                   Eu quero os meus brinquedos novamente!

                                   Sou um pobre menino… acreditai…

                                   Que envelheceu, um dia, de repente!

 

 

Manu e Babu (Paris)

Para aquela que me trouxe de volta a criança de mim.

 

 

 

Paris imortal

 

 

Não me lembra agora se li em algum lugar ou se me contaram, sei que me ficou na cabeça a ideia.

O pai de Gwyneth Paltrow levou-a ainda adolescente para lhe apresentar Paris, dizendo: “Queria que o primeiro homem que te levasse a Paris fosse alguém que nunca te decepcionasse”.

Carolina e Isabella conheceram Paris sem mim. E não se decepcionaram, felizmente.

Júlia veio comigo pela primeira vez. Espero que não a decepcione nunca, para que Paris lhe seja sempre uma festa, como tem sido nestes dias.

Manuela, aos três, também veio pela primeira vez.

Não veio apenas com Babu, mas veio também com Babu, que pela primeira vez vê Paris encantando-se pelos olhos dela.

De alumbramento em alumbramento, nenhum vão momento.

Como destacar apenas um?

Talvez pela minha fixação pelas palavras, escolho a descoberta de outras línguas, que não a dela.

Veio preparada para dizer as duas palavrinhas mágicas em Paris, “bonjour” e “merci”, mas num parquinho se encontra, e confronta, com outras crianças, que falam francês, inglês, japonês e alemão.

Desperta para tantas outros idiomas, mas não se aperta.

Inventa o próprio o idioma, cheio de sonoridades.

A palavra mais repetida, e divertida, desse javanês manuelino é “záyom”, que serve como uma espécie de argumento de autoridade ou comando definitivo.

A menininha lhe diz em inglês, “jump” ou “no” e ela retruca com um inquestionável e fulminante “záyom”!

Na Pont des Arts, ela ficou maravilhada com os cadeados encadeados para que as pessoas que se amam nunca se separem.

Todos colocamos um, e é ela quem joga as chaves de cada um nas águas do Sena.

Depois, sorridente, me diz: “Babu, agora mamãe, papai, você, todo mundo nunca mais vai morrer”.

Como não morrer?

 

foto

 

Manu