Tardes de maio

 

 

 

 

                        Já de algum tempo, a estação do ano que mais me agrada é o outono, em que estamos agora, segundo o calendário.

                        É que abaixo da linha do Equador, além de se permitirem todos os pecados, as estações se enroscam e confundem. Parece, às vezes, que continuamos em pleno verão, com o calorão e as águas de março jobinianas se estendendo além do fim do caminho e da enchente das goiabas do dia de São José.

                        Mesmo assim, por aqui os meses de abril e maio são para mim os mais bonitos do ano, com a luminosidade de seus límpidos céus azuis.  As temperaturas arrefecem, os dias se encurtam e nos enternecem com seus poentes e alvoreceres. Com aquele abuso de lua do sábado passado então, explode coração!

                        Da primeira minha vez em que estive na Europa, peguei o começo do outono em Paris, que é muito mais do que se diz ou possa dizer, mas o outono no Rio também é indizível.

                        O outono é considerado por muitos uma estação melancólica, com seus entretons de marrons e vermelhos, as árvores que se despem e nos acenam seus galhos secos como se dessem adeuses, até o bulício da primavera, quando reflorescerão e veramente árvores serão.

                        “Abril é o mais cruel dos meses”, diz o conhecido e sempre lembrado verso do poeta norte-americano T. S. Eliot, que foi também crítico, ensaísta e dramaturgo, e uma das maiores referências literárias para a sua própria geração e para todas as demais que se sucederam.

                        Sua obra, permeada da tradição cultural do passado, é ao mesmo tempo clássica e moderna, na busca do sentido do tempo presente, em que se encerra o porvir.

                        Assim também o outono transita do verão que se foi para o inverno que já vem, com a promessa da primavera que virá.

                        Se no hemisfério norte abril é primavera, como pode parecer o mais cruel dos meses para o poeta? Talvez por isso mesmo.

                        Não tentemos explicações racionais para os poemas, que têm uma lógica própria, ou lógica alguma.

                        O poema, como um quadro, é feito para sentir e não para ser entendido ou explicado, e talvez o sintamos de um modo inteiramente diverso do autor, como dizia Pessoa.

                        Se abril é o mais cruel dos meses para Eliot, o nosso Drummond carrega consigo uma tarde de maio, num dos mais belos versos já escritos em língua portuguesa, ou em qualquer outra língua:

 

“Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,

 assim de levo comigo, tarde de maio,”.

 

 

 

2 comentários

  1. 10/05/12 at 20:02

    Antonio, inspiradíssimo Antonio, pouso o rosto entre as mãos, ouço “Beatriz”, (re)leio sua crônica, repito os versos de “Tarde de Maio”… Faz primavera.

    Beijocas!

  2. Bom demais,
    rapaz!
    Outono…
    ou mais!

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