O anjo caído

 

 

    Selma Barcellos 

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O dia fatídico da profecia dos maias se aproxima,

mas para o cirurgião amigo da Selma, tanto faz…

 

 

 

 

Era 2012 ou nunca, buzinaram-lhe os maias. Desfilaria na Sapucaí.

Amigo querido, cirurgião renomado, incumbiu o anestesista da equipe de escolher a escola e a fantasia, frisando que “só não queria aquela que homenageava iogurte com alas de bactérias que organizam o intestino.”

Chegado o dia, ansioso, coração “batendo mais que as maracas, descompassado de amor”, partiu para se arrumar na casa do colega folião, repassar o samba, tomar um uisquinho desinibidor…

Porém, ai, porém. O anfitrião avisou que não ia beber por “questão de  segurança”. Concordou. Longe dele bancar o chato. A sunga (branca!) de seu Anjo veio trocada, tamanho P. Se puxava na frente, faltava atrás. Sentiu-se praticamente um Gabeira de cache-sex. Os pés até entraram nas sapatilhas. Mas os velhos e torturantes joanetes, não. Pisou na avenida, quebrou-lhe a asa esquerda e o maldito ferrinho da armação começou a feri-lo “à altura da escápula”. Passou o desfile  inteirinho apoiando a traquitana. Na moral. Como assim, a escola perder pontos em fantasia e adereços por causa dele?

Escola evoluindo, um componente bebum resolveu crocodilar sua mulher e “evoluir” ao redor dela. Fingiu que não viu, fazer o quê. Deselegante um arranca-rabo diante da multidão e das câmeras. Como assim, a escola perder pontos em evolução por causa dele?

Na dispersão, já a caminho da condução fretada, passou por uma área estranha com gente esquisita e ouviu dos rapazes alegres: _ Beleza de reguinho! Acelerou o passo. Bufava. Derretia.

_ Caríssima, que tal minha estreia na avenida? – pergunta traumatizado.

Tento filosofar, dizendo-lhe que são dores e delícias do carnaval como, de resto, da vida. Conto sobre nosso carro novinho abalroado por trás por um gringo bêbado, sem carteira e sem condição de descer para dialogar, o que nos obrigou a fazê-lo com sua acompanhante, uma afroMinnie gigantesca – a visão do inferno – , igualmente bêbada. A criatura só balançava o laçarote de bolinhas sobre a cabeleira progredida e dizia: “Xês – hic! – podem me telefonar que – hic! –  tudo será resolvido.”

_ Obrigado, Selminha, mas nada se compara a desfilar com os joanetes doendo, a asa quebrada e a bunda de fora. E a escola caiu, sabia?

Ô dó.

 

 

 

 

 

14 comentários

  1. Antonio Bandeira Correa
    31/10/12 at 13:00

    Genial, Selminha!
    O doutor apenas não queria a escola que homenagearia o iogurte. Hehehe!
    A charge veio a calhar para seu artigo.

    • 31/10/12 at 19:16

      Antonio Bandeira, no carnaval de 2012, houve realmente escola saudando a importância do iogurte para a civilização contemporânea. Imagino que agora venha homenageando a omoplata…

      Beijocas! 

  2. Lúcia Helena Vieira Dibo
    31/10/12 at 16:50

    Muito bom, Selma!

    Dores e delícia de um carnaval. 

    • 31/10/12 at 19:19

      Lúcia, se um dia puder desfilar (pela Mangueira, claro), faça-o. Para o bem ou para o mal, inesquecível.

      Beijocas! 

  3. Antonio Carlos A. Gama
    31/10/12 at 20:12

    Essa crônica da Selma é uma das tantas pérolas que pesquei no seu Bloghetto. Além do seu bom humor irradiante, nos dá uma pequena mostra da sua versatilidade.

    Já tivemos aqui a Selma laureada pela ABL, a Selma poeta, e agora a Selma cronista.

    Sou um pescador de pérolas, e a cada mergulho trarei outras para esta nossa Estrela.

    Aguardem.

    Beijocas, Selma.

     

  4. carolinagama
    31/10/12 at 21:14

    hahaha Selma, adorei o porém, ai, porém…poxa vc ainda por cima é Mangueirense?? entao é mesmo perfeita…bj

    • 31/10/12 at 21:47

      Sabe, Carol, em Mangueira “a poesia feito um mar se alastrou e a beleza do lugar, pra se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais…”

      Beijocas! 

  5. Antonio Carlos A. Gama
    31/10/12 at 22:14

    Meninas,
      
    Como portelense, tiro o chapéu e rendo minhas homenagens à Estação Primeira…

  6. Sophie
    02/11/12 at 9:54

     
    Adorei, Selminha! Você é uma cronista de primeira! Nunca participei da “evolução da liberdade até o dia clarear”, mas, adoraria.
     
    Beijo.

  7. Paulinho Lima
    03/11/12 at 23:33

    Essa história me fez lembrar um dos meus inúmeros desfiles. Desfilava na Em Cima Da Hora, uma homenagem a Zuzu Angel, grande modista e uma lutadora incansável na procura de seu filho desaparecido nas asas da repreensão. Nossa ala era de “anjos prisioneiros”. Reunimos no estacionamento da Cobal. Uns carregavam seus instrumentos, pertenciam a bateria da escola, e outros suas fantasias. Pontinho, um veterano em desfiles, só desfilava com sua garrafa de Samba em Berlim, uma mistura de cachaça com coca cola, enfiado na fantasia. Saímos e quando vemos Pontinho parado em seu karmanguia. Fomos ver o que aconteceu. Com o banco do carro arriado e de boca aberta. “-o que aconteceu? – Está chovendo samba. A garrafa explodiu e estou recolhendo os pingos que estão caindo do teto”.
    Seguimos e desfilamos. Um desastre. Nosso anjos se desfizeram. Uns transformaram havaianas em asas, outros dividiram os anjos em dois a pedidos de retardatários que com animação da Cobal se animaram em desfilar. Um caos. Na volta ao nosso ponto de partida a esperança que Pontinho organizasse um desfile/batucada particular enquanto esperavamos o chamado de um das desfilantes para o café da manhã na sua casa. Quando chega Zé Peixoto fazendo a pergunta definitiva. Vocês não desfilaram? o que aconteceu? Nosso Peixoto tinha saído em outra ala. Das modistas. “-Zé como você foi parar lá?. “- tinha só mulher e travesti. Muito mais animada que essa aqui e vocês sumiram.Me orgulho de ser o primeiro anjo “bicha” da historia…” 
    Continuamos na segundona. Escrevi paca.!!!!!desculpa.

  8. 04/11/12 at 11:15

    Sophie e Paulinho, a ‘evolução da liberdade’ tem seu preço…

    Beijocas, amigos queridos! 

  9. André
    05/11/12 at 17:21

    Gama, a Selma merece mesmo todas essas homenagens que estamos fazendo pra ela. Suas pérolas estão enriquecendo cada vez mais este blog e essa Estrela (com E maiúsculo) continua brilhando cada vez mais forte em todos os lugares e também dentro de nós.
    Abraço,
    André

  10. 05/11/12 at 20:00

    André, você ilustra o Bloghetto com suas informações musicais, poéticas, good vibes, Antonio me concede a honra de poder colaborar com o ‘Estrela’, eu recebo aqueles brilhos de textos que assina… Troca enriquecedora, acredite.

    Beijocas!
     

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