O tempo e o templo

 

 

cavalo a galope

 

 

                        Ao longo do ano o tempo galopara tão veloz quanto um cavalo indômito e agora se detinha brevemente, como a recobrar-se, diante do último obstáculo. Não que lhe fosse difícil transpô-lo. Apenas uma pequena fenda que ele saltaria sem muito esforço para de novo se pôr a galope pelo campo verdejante do outro lado, deixando definitivamente para trás a clareira do passado.

                        Sentia-se assim, parado na frente do templo a observar a sua fachada majestosa, o entra e sai da multidão de fiéis, todos sorridentes e em estado de graça.

                        Não era um homem sem fé, achava mesmo que não se vive sem algum tipo de crença, ainda que fosse na inutilidade da fé, o que não deixa de ser uma forma de fé.

                        Mas pouco frequentava o templo, cuja suntuosidade o inibia. Gostava dos pequenos templos do seu tempo de menino, em que se sentia agasalhado e reconhecido. Agora, eram construções gigantescas e labirínticas, sempre lotadas, em que se perdia e angustiava.

                        Com a aproximação do Natal e do fim de ano, que sempre o comoviam — antes com alegria incontida, agora com inevitável melancolia — viu-se de repente defronte do templo, para onde se dirigira quase sem se dar conta.

                        Anoitecia e a lua já despontava, ofuscada pela iluminação feérica do templo.

                        Acabou entrando, a passos lentos e reverenciosos, enquanto sofria os esbarrões do borbotão de fiéis, indo e vindo.

                        Lá dentro, a amplitude e a claridade lhe trouxeram à lembrança o impacto que havia sentido ao entrar pela primeira vez na Basílica de São Pedro. Depois de várias semanas a viajar pela Europa, visitando inúmeras igrejas barrocas, magníficas, porém massacrantes e sombrias, o esplendor renascentista da Basílica, com suas cores e luzes, fora uma experiência de redentora humanidade.

                        Neste templo, entretanto, não se sentia liberto nem humano, e sim um autômato desnorteado.

                        Perambulou pelos corredores imensos, detendo-se vez ou outra diante dos altares laterais. No centro do templo, vislumbrou um velho de barbas brancas, cercado de criancinhas.

                        Começou a se sentir tonto e asfixiado, e sem fazer oferenda alguma buscou a saída, aflito.

                        Enquanto se afastava, olhou para trás e viu a pairar sobre a abóboda do templo a Estrela de Belém piscando, com os dizeres garrafais logo abaixo:

 

O SHOPPING CENTER COMPRE FÁCIL DESEJA A TODOS OS SEUS FIÉIS CLIENTES 

UM SANTO NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO 

 

 

 

4 comentários

  1. Paulinho Lima
    26/12/12 at 0:12

    Amigo. às vezes, me sinto que dominado por uma “fadinha” com uma varinha a me conduzir por caminhos que não me é nada prazeroso. Somos vítimas da influência. Entramos num shopping desses que nos oferecem maravilhas e esquecemos de um que não nos oferece nada, apenas pede uma oração. Só que não entramos para orar e agradecer suas vitrines, sempre ornadas com os mesmos manequins……..e o que é pior faz falta…….

  2. André
    26/12/12 at 13:29

    Meu mestre Tom Gama, realmente esse ano passou voando, parece que foi ontem que começou e só faltam 5 dias e algumas horas pra terminar. Tem até um texto do Mário Quintana que fala sobre isso.
    Gostaria de desejar a vc e toda sua família um Feliz 2013, com muita saúde, paz, prosperidade, enfim tudo de bom mesmo. Da mesma forma, gostaria de continuarmos a estar juntos, pessoalmente ou em pensamento. Obrigado por tudo.
    Abraçaço.

  3. 26/12/12 at 17:13

    André, que tal mestre Antonio Gama, hein? Crônica preciosa.
    Creio que até o raiar de 2013 ainda haja espaço para vir cá dizer o quanto nos é imprescindível sua “Estrela”.
     
    Beijocas!
     

    • Antonio Carlos A. Gama
      26/12/12 at 17:16

      Selma, este foi o meu texto de estreia no Bloghetto no final do ano passado, lembra-se?
       
      Beijocas e que tais, daqui para Cascais.

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