Selma Barcellos
Durante anos, pelas ruas calmas de Itacoatiara, lá vinha o carro de som lembrando que o melhor carnaval do mundo era o do clube aqui do bairro. A música de fundo? Invariavelmente “Bandeira branca, amor…”. Baixavam a voz do anúncio, subiam a da estrela Dalva: “Pela saudade que me invade, eu peço paz…”.
Pronto. Era a senha para sair à cata de cocares, o máximo com que meus meninos me permitiam fantasiá-los. Indiozinhos aculturados, bermuda de surf, sandálias… O maridão, na “folia pagã”, só movia as sobrancelhas e os indicadores pra cima. E ainda hoje. So british.
Diante de família tão contagiantemente carnavalesca, a mim, que sempre curti o “tríduo momesco” e suas fantasias (em moleca, a mãe confeccionava uma para cada dia), só me restava variar a flor dos cabelos, o colar de havaiana, e bora pro clube.
Matinê rolando, salão lotado, os meninos felizes apanhando confete e serpentina pelo chão, e eu? Ora, tomando conta deles (álibi perfeito para mães folionas) e seguindo o fluxo. Tanto riso, ó quanta alegria, não posso ficar nem mais um minuto com você, mas que calor, ô, ô, ô… De vez em quando um samba-enredo fazia aflorar a cabrocha de requebros febris. Tem cura não.
Ano qualquer, resolvi que o carnaval não ia ser igual àquele que passou. Cismei de me fantasiar de ‘Clóvis’. Segredo absoluto. Zoaria nossa turma de amigos e, de quebra, tentaria acabar com o medo que os meninos tinham de mascarado, dizendo: _ É a mamãe!
Com o clube quase ao lado de casa, pedi que o marido fosse na frente com as crianças. Chegava já. Vesti o palhaço rapidinho, aquela gola linda, purpurinada, as luvas e o adereço final: a máscara de cabelos cor de fogo espetados.
Suando em bicas com a correria, adentrei o clube. Vi onde a turma estava reunida. Com a voz modificada e naturalmente abafada pela máscara, cutuquei um daqui, mexi com outro dali… Até que resolvi sentar no colo do maridão para continuar o trote.
Claro que não o imaginei empurrando a mascarada misteriosa. Mas… gostando? Levando um lero? Mãos já na cintura dela tipo boneca de ventríloco? Mais um pouco pedia o telefone.
Como dizem por aí, “não sabe brincar, não desce pro play!” . Levantei a máscara. Gente, o susto da criatura, a cara de “foi mal” … O pigarro… Poucas vezes vi uma expressão de desespero tão de perto.
Por uns bons dias, o carro de som foi um homem ao vivo cantando, assoviando, declamando pelos corredores da casa “Bandeira branca, amor, não posso mais…”. Perdoei.
Evoé, Momo!
Selma, o carnaval pode ser de rua ou salão, com confete e serpentina, pierrô e colombina, máscaras e fantasias, cantando aquelas marchinhas inesquecíveis…
Em relação ao carnaval de rua, gosto muito de assistir os desfiles das escolas de samba pela televisão onde elas cantam seus sambas-enredos.
Gosto muito de ler suas crônicas, elas enriquecem o blog. Já pensou se eu me fantasiasse de algo qualquer?
Beijocas!
André, os enredos das escolas de samba andam desanimadores… Se bem que este ano há uma homenagem a Vinicius. Confesso que não consigo assistir a enredos sobre iogurte, eletricidade e que tais. De que você gostaria de se fantasiar? Fiquei curiosa.
Beijocas!
Selma, eu gostaria de me fantasiar de várias coisas, como zorro, pirata, imperador romano… nessa época, é bom a gente usar a imaginação pra poder voar.
Beijocas!
André, existe fantasia de seresteiro, poeta e cantor? É como o vejo.
Beijocas!
Deliciosa crônica, Selma. Porque é no Carnaval – e somente nele – que a máscara vale alguma coisa… ou, aliás, vale muito! Vale tudo! Porque geralmente é no Carnaval que nos fantasiamos de nós mesmos e, talvez devido aos ínevitáveis acessórios etílicos, fumacentos, poeirentos ou perfumosos, ficamos até melhor do que realmente somos. E ficamos bem na foto. Pena que ela desbota, perde o foco. E só volta a ter a mesma nitidez no próximo Carnaval. Ou quando criamos carnavais temporôes, que podem ser criados todo dia, se tivermos competência, intenção e gesto.
Afinal, onde estão os carnavais?
Por oportuno, falando nisso, lembra uma canção do Gama e minha (pra variar!) dizendo assim, com a devida permissão de Machado:
ONDE ESTÃO OS CARNAVAIS
Hoje começou mais um carnaval
Hoje o que há de bom o que há de mal é normal
Hoje pra minha surpresa
Não vejo a beleza
Dos velhos carnavais
Onde estão os carnavais?
Onde estão os carnavais
de tempos atrás (bis)
(…)
Onde está a alegria espontânea
e a felicidade apesar de momentânea?
Que será que aconteceu?
Mudou o carnaval ou mudei eu?
Onde estão meus companheiros
que se perderam e não voltaram jamais?
Onde estão meus carnavais?
Que se
(ficou um “que se”
esquecido
que não é nada.
Esqueça-se.)
Brenno, os carnavais de nossa infância e juventude não mais.
Dupla prodigiosa… Já havia sido postada essa música? Perdi o capítulo?
Beijocas!
Selminha, sua crônica que nos envolve como serpentina e nos salpica a alma com aqueles pedacinhos coloridos de saudade, e os comentários do Brenno (que ainda sacou dos seus arquivos implacáveis uma das nossas velhas canções) me transportam para aqueles velhos e inesquecíveis carnavais, que não existem mais.
Saudosismo? Pode ser, mas carnaval sem marchinha não dá pé.
Não sou ruim da cabeça, nem doente do pé, adoro samba, mas no carnaval só vou de marchinha.
Na minha memória afetiva, as duas últimas grandes canções de carnaval foram as marchas-rancho “Máscara Negra” (de Zé Keti e Pereira Mattos), que tem a maestria de alternar o andamento da marcha-rancho com o bulício da marchinha, e “Bandeira Branca” (de Max Nunes e Laércio Alves), o canto do cisne da estrela Dalva e também o grito agônico dos carnavais de outrora, que se foram para nunca mais.
E “Bandeira Branca” quebrou o maior galho para o Luiz, num é não Selminha?
Beijocas.
Antonio, minhas melhores lembranças passam pelas marchas-rancho que você mencionou e por “Trem das Onze”.
Não sei como é por aí, mas no Rio estão sempre surgindo blocos novos com o único objetivo de resgatar marchinhas, de ter avós pulando com netos, uma delícia. Alguns nem divulgam a hora em que vão sair para evitar multidão. A esses eu compareço feliz, feliz.
Ah, Antonio, o Luiz precisou cantar muito… Até hoje ele mantém a versão de que não quis deixar a moça sem graça e por isso viajou na empolgação dela. “Brasileiro é tão bonzinho…” , lembra-se do bordão?
Beijocas!
Aqui em Ribeirão UM único bloco tem resgatado as marchinhas nos últimos anos: “Os Alegrões”, de que você já ouviu falar, Selminha.
E Babu vai com ele, pulando com Manu.
Sabe a marchinha predileta dela, que ela canta inteirinha?
“Mulata Bossa Nova”!
E só dá ela na passarela…
Desse jeito eu vou chorar…me deu nostalgie na Selminha, agora aqui….saudade dos carnavais da minha infância…eu vestida de coelho….esses blocos de rua sem multidão e com marchinhas…são demais, gente…
mulata bossa nova…eu também quero ir, Antonio! Selminha…ADOREI! Coisa mais linda esse seu carnaval…e eu acredito no Luiz: ele quis ser gentil, Selminha. Não malda dele, não…era carnaval…
…Carnavais que não voltam mais e minhas fantasias que ficaram para trás….
Mas você deixava ele sem suco, né Sophie?
É mesmo, Antonio…eu não tinha pensado nisso: “somos TODAS iguais nesta noite”…rs….
(Selminha, a bandeira branca do Luiz tá devidamente ignorada sine die..rs…).
Soph, ele já pagou por folia tão pagã. Ficou uns bons dias sem seu doce predileto…
Mas “desmaldei”. Prescreveu.
Beijocas!
Claro que o Luis sabia de quem se tratava. Estava fazendo charme e não foi compreendido. Conhecia bem o tato e o cheiro…está perdoado pela competência e audácia. Agora essa de cortar o suco, nem deu bola trocou por um danoninho que é mais gostoso e revigorante.
Tinha mania de andar na contra mão dos blocos e gritando: “Tá bonito geeeente”…até minha filhas adoravam…”lá vem o papai”. só que um dia sai do bloco e caí mamado. quando vejo, com alguma dificuldade uma moça linda correndo em direção a rabeira do bloco. Pedi ajuda mas cheio de charme.”- Me leva que eu vou junto” “- Vou te devolver para Virgínia, já está em tempo de tomar juízo”. Era Maria Helena, a puritana. Amiga de minha mulher e uma de suas melhores clientes. Não sei o que as Maria helenas fazem em bloco de carnaval
Agora , aqui em casa, 10 dias antes do carnaval coloco na vitrola aquele samba maravilha.: “esse ano não vai ser igual aquele que passou, eu não brinquei e vc não brincou,….se acaso meu bloco encontrar o seu não tem problema …são 3 dias de folia…”
Mas nada pior no carnaval do que cara de mulher amarrada.