Os urubus, as aves e outros pássaros

 

             Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

 

Os urubus, no chão, com um arranque, batiam as asas ― flap! flap! flap! ― subiam, subiam, e ficavam fazendo curvas lá no alto, no céu azul. Quando chovia, e depois que as águas deixavam de cair, vinham pousar na cumeeira do telhado, e ali permaneciam, hieráticos, de asas abertas, para as secar. Se caminhavam no chão do quintal, pareciam desajeitados. Não eram muito estimados, aves pretas que viviam de carniça. Mas tudo tem a sua utilidade neste mundo, até os carrapatos.

Havia, porém, as aves e os pássaros gentis, o beija-flor, as andorinhas, os sanhaços, os canarinhos da terra, a rolinha fogo-apagou, o tico-tico, o joão-de-barro, as pombinhas, a viuvinha, os bem-te-vis, os periquitos, os pássaros-pretos, a tesourinha, tantos, tantos, inumeráveis. Ao longe, no dia abrasador, a araponga malhava no ferro. Nos descampados, as seriemas, nos ervaçais as codornas. A coruja, coitada da coruja!, não era benvista, embora sábia, porque se lhe atribuía o mau agouro, Rasgava mortalha, ao redor das casas onde havia um moribundo. Na fazenda, acharam uma grande coruja, ferida na asa. Trouxeram-na para casa, e deixaram-na empoleirada num quarto de despejo, onde ele passou a tratá-la, trazendo-lhe regularmente pedaços de carne e água. Agarrada no pau da cabeceira de uma cama, ela estagiou ali, alguns dias, e já reconhecia o rapazinho. Tic-tic-tic, fazia-lhe com o bico curvo. Até que se curou, e ele a levou para o parapeito da janela aberta. Ia anoitecer, e a corujona sondou, sondou os arredores . Em seguida alçou vôo. Mas ainda voltou para se despedir dele e, uma vez ou outra, ali aparecia, para o saudar.

Era na época em que, em todas as antologias, havia o soneto de Raimundo Correa:

 

                                   Vai-se e primeira pomba despertada…

                                   Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas

                                   De pombas vão-se dos pombais, apenas

                                   Raia sanguínea e fresca a madrugada…

                                   […]

                                  

                                   Também dos corações onde abotoavam,

                                   Os sonhos, um por um, céleres, voam,

                                   Como voam as pombas dos pombais;

 

                                   No azul da adolescência as asas soltam,

                                   Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,

                                   E eles aos corações não voltam mais…

 

O Irmão Reitor, marista, do ginásio, professor de português, insistia, em cada nova classe de alunos, em declamar o soneto de Raimundo Correa. Ficava de pé, atrás da sua mesa, rubicundo, e agitava as mãos e os braços  enfiados na batina negra. As pombas voavam, Ele, porém, parecia antes um urubu.

Em muitas casas, nos seus poleiros, havia papagaios.  Desbocados alguns, berrando palavrões. Outros rezavam o padre-nosso. Bebiam café.

 

                                                Purrupaco, tataco,

                                               A mulher do macaco,

                                               Ela pinta, ela borda,

                                               Ela toma tabaco,

                                               Torrado num caco…

 

Você, hoje, parece que viu passarinho verde…

E há aquela estória de Millôr Fernandes, do cuco do relógio que, na hora de bater as horas, saia da sua casinhola e perguntava: “Ei, velhinho, que horas são?”

Todas as gaiolas estão com a portinhola aberta.

Os passarinhos fugiram.

 

 

“Passaredo” (Francis Hime / Chico Buarque), MPB4

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=8ZbfbyLoCCE[/youtube]

 

 

5 comentários

  1. 11/03/13 at 18:12

    Longe dos pássaros de Hitchcock, eis a “avicrônica redentora” (licença, Vinicius) da minha tarde… Amanhã, quando Ribamar vier beijar a flor da varanda, vou pedir que a escute.
    Antonio, o vídeo é absurdamente lindo!
     

  2. André
    11/03/13 at 19:27

    Gama, o urubu talvez seja o bicho alado mais injustamente menosprezado pelo homem. Conheço pessoas que gostam de ter e colecionar passarinhos. Gosto de ver voar o colibri para trazer beleza às nossas manhãs.
    Em relação ao vídeo, adorei, ainda mais em se tratando de MPB-4. Tenho essa música em uma coletânea deles e vou sugerir, se em uma próxima vez vc fizer um post sobre o grupo, de vc postar um vídeo com uma de suas músicas de que mais gosto: a clássica Última Forma, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro. Sempre adorei essa música.
    Abraçaço.

    • Antonio Carlos A. Gama
      11/03/13 at 23:18

       

      Seu desejo será atendido, Mestre André.

      Aguarde.

  3. 11/03/13 at 20:00

    A natureza eternizando os momentos , com música emocionante e de qualidade, parabéns amigo.
     
    forte abraço
    c@urosa

  4. Sophie
    11/03/13 at 21:48

     
    Adorei os pássaros do Dr. Annibal e digo a ele que fui eu a soltar os passarinhos…
    AMEI o vídeo. Só não gostei do final, que triste…
     
     
     

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