O morto e o vivo

 

          Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

 

Quando foi buscar na paróquia a sua certidão de batismo, para casar-se na Igreja, ficou surpreso. Era irmão gêmeo, e o seu irmão havia falecido. Constava, porém, nos registros paroquiais, que o morto era ele, e não o outro. O mesmo aconteceu no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Diante de tal problema, devia procurar uma retificação daqueles registros. Isto demandava tempo, advogado, e o mais. 

Sua noiva achou que ele estava era a protelar o casamento. O advogado consultado lhe disse:

— O melhor seria você continuar morto. Morto não tem responsabilidade. Pode fazer o que quiser, e não será punido. Além disso, você pode amigar, ou amancebar-se, que é melhor do que casar. A Constituição atual equipara a amigação ao casamento.

A noiva, porém, repeliu tal sugestão. Queria casar-se de papel passado e vestida de noiva.

Intervieram então o futuro sogro e a futura sogra.

— Olhe aqui — exigiram — você trate de honrar o seu compromisso. Senão, rua! 

As ruas não admitem defuntos passeando por elas. Querem-nos enterrados no cemitério.

A prova de que se está vivo, dá-a os médicos. Mas estes, muitas vezes, se enganam. Que é estar vivo? Há tão variados modos de viver que até hoje não se deu uma explicação conveniente do que é viver.

Seus pais também não puderam dar solução ao caso. Disseram-lhe: 

— Você e o seu irmão eram tão parecidos que às vezes um mamava duas vezes e o outro ficava sem mamar. 

Ele lembrava-se de que quem ficava sem mamar era ele, porque chorava muito, a despeito de se propalar que quem não chora não mama. 

Pareceu-lhe ainda que seus pais preferiam o outro, que não mais lhes dava despesa.

 O noivado rompeu-se.

E como oficialmente continuava morto, foi vivendo sem compromisso nenhum.

A lição é esta.

Viva sem compromissos, sem horários nem honorários. Vá para onde quiser, ou fique, que tudo dá na mesma.

Afinal, de um modo ou de outro, você morre.

O caso dele, contudo, era singular: se morresse, não havia como passar-lhe o atestado de óbito, porque já morrera muito antes.

Ora, ora, viver ou morrer não é a mesma coisa?

Vivos ou mortos, somos todos defuntos. E defunto não tuge nem muge.

defunto 

 

 

 

3 comentários

  1. Adalberto de Oliveira Souza
    27/05/13 at 14:52

    Curiosa história. Mas de qualquer forma, ele não precisa se preocupar porque depois de morto o problema é dos outros.

  2. André
    27/05/13 at 18:01

    Concordo com Adalberto.

  3. 27/05/13 at 19:27

    Amar é se ir morrendo pela vida afora, já cantava Vinicius. Viver também. Um X para cada dia até a última folhinha sair “avoando”… Tem jeito, não, mestre.
     
    Beijocas!

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