Bem na fita

 

    Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

Sempre que uma nova ruguinha me diz “oi, prazer” quando olho no espelho, ao acordar, lembro como mantra de uma resposta de Pitanguy em sua milionésima (suponho) entrevista sobre beleza feminina: “Mulher bonita não é a que se vê chegar, mas a que se sente chegar”.

Ufa, a frase do mestre é um alívio. Você se contenta em aplicar o básico filtro solar e ir à academia apenas para não atrofiar e volta correndo para os livros que ama. Para o imprescindível cultivo das delícias do espírito, pois que não há beleza que sobreviva a uma mente emburrecida.

Só que… vaidade, teu nome é mulher. Daqui a pouco, lá está a gente de novo se mirando no espelho, bem de pertinho, dando uma esticadinha no canto dos olhos, no contorno do queixo…

Verdade seja dita, não é fácil olhar com desdém para o que nos revela o espelho, com ar blasé de quem não está nem aí para as rugas que “nos dão dignidade e contam nossa história”. Além do que, é preciso estar atenta e forte para perceber quando não dá mais para sair de cara lavada, cor de boca nos lábios, beliscões nas bochechas para o arzinho corado e que tais.

Na realidade, a mensagem de Pitanguy, não fosse ele um esteta, passa longe de pregar desapego à imagem. Antes, alerta-nos para a indigência cultural que o excesso de vaidade física pode causar e, a reboque, fala de algo que hoje é literalmente assustador: o exagero de certas mulheres em busca da juventude que se foi ou dos padrões impostos de beleza.

Quem ainda não cruzou pelas ruas com certas criaturas desfiguradas por seguidos procedimentos plásticos, sorriso e olhar aprisionados? Aliás, como pode alguém pagar para ficar feia, disforme, perseguindo um formato de lábios que a natureza não lhe deu, que não condiz com o restante de seu  rosto, mas que Angelina Jolie tem e se quer igual?

Criaturas assim ficam ainda mais visíveis nas imensas lojas de departamentos americanas. São elas não apenas as consumidoras vorazes, como também as atendentes que, buscando provar a eficácia de seus produtos para fazer o tempo voltar atrás, transformaram-se, todas, em Angelinas.

Recentemente, numa dessas lojas, notei que a moça que me vendia um simples hidratante, ao terminar de falar cada frase, levava segundos para conseguir fechar a protuberante boca química. Sabe dublagem mal feita, quando a fala acaba e os lábios ainda se movem? Assim. Aquela era das que se vê chegar. Só que antes de entrar.

Por outro lado, quando leio que, nos Estados Unidos, jovens escapam à síndrome do tapete vermelho, ao padrão ditado pela mídia, e elegem a colega Anne Jennings, bela exatamente em sua diversidade, como “Rainha da Escola”, percebo que nem tudo está perdido. Há luz no camarim do fim do túnel…

 

 

(Aqui a rainha Anne, emocionando-nos com seu sorriso escancaradamente feliz)

 

Assim, bem-vindas as mulheres que se fazem vistas e sentidas em suas chegadas, porque corpo e espírito nutridos, saudáveis, informadas, orgulhosas de sua feminilidade, seguras por se saberem bem na fita. Não a que Hollywood quer filmar, mas aquela cuja câmera e direitos autorais elas detêm, em doses equilibradas de sonho e lucidez.

 

 

13 comentários

  1. Antonio Carlos A. Gama
    29/05/13 at 12:21

    Selma, muitos anos atrás, depois de depararmos com uma dessas “estica e puxa” nas praias então paradisíacas do Guarujá (mãe de umas meninas que conhecemos lá), Brenno e eu fizemos uma musiquinha cujo refrão dizia (se ele aparecer por aqui vai se lembrar):
     

    “Coroa sofisticada
    estica a perna 
    e o olho dá uma piscada”
     

    De lá pra cá a coisa só piorou, principalmente porque agora somos nós os coroas.
    Mas dá pra esticar a perna e ficar de olho aberto ao mesmo tempo…
     
    Fiquei na dúvida cruel entre as duas canções abaixo e resolvi postar ambas, já que cada qual fala de um tipo de mulher.
     

    Beijocas.

     

     

    • 29/05/13 at 19:57

      Pois que você tenha sempre dúvidas assim, Antonio. Ganhei o dia ouvindo as duas.
      Eu conheço a piada da plastificada de outra forma… A sua com o parceiro pegou leve. digamos.
      Beijocas!

  2. sonia kahawach
    29/05/13 at 12:37

     
    Selma, como sempre, captou o ponto exato do ser mulher. As pequenas rugas doem mesmo quando se apresentam, mas tem muita coisa a mais, muito espaço preenchido com bens que se adquire no caminho. E viver é isto mesmo. Nascer, crescer, criar rugas, se abrir para o mundo, virar flor….. Adorei a crônica.
     

    • 29/05/13 at 20:03

      O bom senso tem passado longe, querida Sonia… É algo aterrador olhar para certas mulheres na rua, nos consultórios, na TV… Como encaram o espelho, meu Deus?
      Beijocas!

  3. Brenno
    29/05/13 at 16:13

    “Por oportuno”, e em consonância com o título da belíssima crônica, óia nóis na fita!
     
    Lembrando aquela bem humorada canção sátira daquele tempo em que esses procedimentos plástico-deformantes não eram tão sofisticados e habituais como são hoje, mas que eram buscados com a mesma ânsia de sofisticação artificial.
     
    Assim como a canção, que ao seu final ensejava uma série divertidíssima de improvisações às vezes até absurdas, a realidade também reserva a possibilidade de improvisações e aberrações igualmente absurdas, que agridem a natureza e o predicado essencial da mulher, que é… ser.
     
    Ser mulher. Simples assim.
    Sem esticar nada
    pra não tomar risada.

    • 29/05/13 at 20:19

      ‘Eu gosto de ser mulher’… Não existe uma música assim, Brenno? Sei lá. Viajei.
      Beijocas!

  4. André
    29/05/13 at 18:30

    Selma, parabéns pela belíssima crônica. Você focou bem no ser mulher, na feminilidade, nas suas atitudes. É enorme a contribuição delas para a nossa cultura e sociedade. A mulher é o lado quente do ser que canta mais docemente…
    Marina Lima – O lado quente do ser
    http://www.youtube.com/watch?v=JfP3RRVNW8g
    Beijoca.

  5. Claudia Pereira
    29/05/13 at 19:37

     
    Uma boa dica é usar óculos apenas para ler, mas nunca no espelho. A natureza é sábia e harmônica… se potencializamos uma parte (como a visão), todas as outras parecerão menos adequadas…hehehe. Enxergo a mim e aos outros, de acordo com o tempo… todos continuam ótimos. Muito bom o texto de Selma. A vaidade sempre existiu, e o bom senso também… quem entra nessa loucura da indústria da beleza é o eterno consumidor. Piorou apenas pq a tecnologia melhorou e a longevidade também.
     
     

    • 29/05/13 at 20:13

      Claudia, pele, cabelos e dentes bem cuidados são o grande segredo… O resto é remar contra a maré, não?
      Onde morei, a meia hora de Beverly Hills, meca das embotocadas e gigaplastificadas, era um susto por minuto. Circo de horrores. 
      Beijocas!

  6. sonia kahawach
    29/05/13 at 19:38

     
     
    Tem razão, Claudia. Cometi o erro de me olhar no espelho outro dia com os óculos….. Sabe que levei um susto? Fazia tempo que não me olhava com tanta proximidade….. rsrsrs
     

  7. Claudia Pereira
    29/05/13 at 19:40

     
     
    Nãooo Sonia… não faça isso, deixe para as flores, livros…rsrs
     

Deixe um comentário

Yay! You have decided to leave a comment. That is fantastic! Please keep in mind that comments are moderated. Thanks for dropping by!