Claudia Pereira
Nos tempos modernos, na ausência dos bestiários medievais, os vampiros que fazem as mocinhas suspirarem são muito chatinhos.
Não sugam sangue humano. O vampiro bom moço, de carrão e adolescente, se alimenta de animaizinhos da floresta. Escolheu passar a infinidade de seus dias jogando beisebol e frequentando o colegial. Enterrar o canino na aorta, só para os coadjuvantes.
Mocinhas que cresceram informatizadas suspiram almejando a juventude eterna ao lado do grande amor imortal. A moral vencendo o instinto, sobrepujando o desejo incontido da mordida fatal na jugular.
Ah, o bom e velho Drácula dos filmes branco e preto! A névoa encobrindo o castelo, uma lua alucinada correndo à velocidade do grito contido, o único rastro de luz no breu do desejo e o medo.
Onde está o garboso Príncipe das Trevas dos pesadelos de minha infância?
Copo com água, réstia de alho, e a espera. Dormir com o travesseiro sobre a cabeça protegendo o pescoço, minha condição humana ameaçada, o terço de minha mãe pendurado na cabeceira da cama. O aparato completo. A estaca, um sonho de consumo!
Rezava para o anjo da guarda me proteger, e rezava para o Conde Drácula me querer. Um teste de fé: seria eu forte o suficiente para detê-lo e, caso me tornasse um ser abissal, como viveria esse mundo? Suportaria ser um deles? Olhos vermelhos, cabelos negros, a pele muito branca e uma vestimenta bem mais atraente que a de costume.
Ultimamente o vampiro vive na América, a Transilvânia se encolheu ao passado junto com Bram Stoker.
Quando eu atingia o limite do pavor, era necessário que atravessasse o mais longo e extenso dos corredores que conheci. Nele, habitavam as sombras, mãos que roçavam meus braços, puxavam meus pés, arrastavam-se silenciosas no tapete sob meu corpo até conseguirem manter-me de olhos fechados e lábios selados pelo pavor
Naquele turbilhão de horrores — que acontecia invariavelmente nas noites em que pensava Nele — já no meio do caminho, quase exaurida pelo pânico, estava o Tabú, meu cão que ali descansava tranquilo.
Não mais tremia tanto e conseguia galgar os próximos passos com maior dignidade. Ir de encontro ao grande portal. À salvação! Deitar no céu, na cama entre meus pais. Como era bom!
Muito bom! Me deliciei e me aprisionei em seu texto, vítima de seu talento.
Claudinha, depois de seu texto me senti uma tola ao pensar em meus medos de infância. Isso que é medo gostoso de sentir. Quanta sensualidade misturada com ingenuidade. Nada como uma boa mordida na memória. Sensacional!
“A névoa encobrindo o castelo, uma lua alucinada correndo à velocidade do grito contido, o único rastro de luz no breu do desejo e o medo.” Maravilhoso!!! beijo.
Muito bom! Apesar de ter lido Crepúsculo como um romancezinho para passar o tempo quando tinha 13 anos e ter gostado, concordo absolutamente com o texto. Queria eu ter vivido na época em que esses seres bestiais fossem temidos! A névoa, o medo em branco e preto, a atmosfera tensa porém glamourosa…
Sensacional, essa crônica. Realidade surreal. Atemporal consciência.
“Por oportuno”, permitam-me:
Trago você cravada no meu peito
como uma estaca no peito de um vampiro.
Tiro você de mim de vez em quando,
que é quando se desaperta o coração e eu respiro.
Mas o giro incessante da memória
me traz você de novo e eu expiro
e espio da eternidade o corpo inerte
que é meu corpo inerte com a estaca transfixante
cravada no meu peito itinerante.
Terminei de ler com os olhos grudados na tela. O medo de ter medo e a doçura do temblor da espinha.
Gama, essa é uma excelente crônica. Parabéns. É pra apreciar sem moderação.
Abraçaço.
Quando li esta crônica da Cláudia arrepiou-me a espinha e corri a lhe pedir autorização para postar no Estrela Binária.
É daquelas que vão direto na jugular e depois queremos passar adiante, como um vampiro.
O que somos os leitores se não vampiros sugadores de textos que nos deleitam?
E agora queremos mais e mais, Cláudia!
Querido Gama, minha jugular está exposta ao prazer de estar aqui com vocês. Nada de água benta, apenas essa sensação boa de compartilhar histórias. Obrigada pela acolhida e palavras tão generosas. beijos.
Capturada por sua escrita, Cláudia! Na veia! Escreva mais!
Pular para a cama dos pais quando o bicho pegava não tinha preço… E quando dos relâmpagos e trovões?
Beijocas!
Essa “cama” é mesmo um mundo… Obrigada, querida. beijo.