Nos píncaros de belos horizontes

 

 

Drummond brincalhão (1)

 

A estátua de Drummond em Copacabana, vítima da imbecilidade de pichadores no final do ano, já sofreu várias depredações.

Não deixam em paz o poeta, a apreciar a cidade escrita no mar. Arrancam-lhe os óculos, emporcalham-no com tinta, colocam-lhe bonés e flores na cabeça, vestem-lhe camisetas futebolísticas. Além disso, tem de suportar a palração dos que sentam ao seu lado e as fotos intermináveis com amigos instantâneos. Eu mesmo, confesso, tenho uma foto dessas com ele.

Pois não é que o jovem Drummond e seu grupo modernista ou futurista da velha Belo Horizonte também faziam das suas pelas ruas da cidade provinciana, que os rejeitava?

Segundo Pedro Nava, “Queríamos a deposição do presidente do Estado, o encarceramento dos seus secretários, um esbordoamento de deputados e uma matança de delegados. E, enquanto não vinham os morticínios exemplares, derivávamos contra a cidade e os concidadãos”.

Uma das práticas para épater le bourgeois era, de madrugada, trocar as placas dos médicos, dentistas e advogados nas fachadas de suas casas ou consultórios.

O próprio Drummond e Pedro Nava, um dos seus amigos mais chegados, relatam em verso e prosa, respectivamente, o quase incêndio que, uma noite, provocaram na casa das moças Vivacqua, cujos saraus literários frequentavam. Assustados, eles mesmos trataram de apagar as chamas e teriam passado por heróis aos olhos das moradoras, se um guarda-noturno não tivesse acompanhado toda a cena. Drummond dizia que se tratara de uma experiência do “ato gratuito” imaginado por Gide, mas a versão corrente era a de que os dois incendiários pretendiam de fato ver as moças de camisola quando saíssem às pressas da casa.

Drummond foi também o criador de uma modalidade temerária de alpinismo urbano, consistente em escalar um dos arcos do recém-construído viaduto de Santa Teresa. Fez vários discípulos e, muitos anos depois, os chamados “Cavaleiros do Apocalipse” da geração de 45 — Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino — repetiam como um ritual as escaladas noturnas do viaduto, cuja altura, dita “vertiginosa” por Nava e calculada em pelo menos cinquenta metros por Fernando Sabino, é na realidade de dezessete metros, o que não é pouco.

Consta ainda que uma noite, quando já se achava aboletado no píncaro do arco do viaduto, Drummond recebeu voz de prisão de um guarda, a quem desafiou a ir até lá em cima prendê-lo. Prudentemente, o guarda achou melhor relaxar a prisão.

Mas o grande escândalo literário, e de repercussão nacional, entre os vários promovidos pelos jovens modernistas mineiros — que se tornaram conhecidos como o “Grupo do Estrela”, bar em que se reuniam para beber, discutir sobre o modernismo, mostrar suas produções e conspirar — seria a publicação, em 1928, do poema “No meio do caminho”, de Drummond, na “Revista da Antropofagia”, de Oswald de Andrade.

Essas e muitas outras peripécias estão deliciosamente reunidas no livro de Humberto Werneck, “O desatino da rapaziada — Jornalistas e escritores em Minas Gerais (1920-1970)”, editado pela Companhia das Letras.

 

 

“E vamos à luta” (Gonzaguinha), com ele

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=bH3DCvDUdBg[/youtube] 

 

 

 

2 comentários

  1. André
    10/01/14 at 10:07

    Gama, eu imagino o quanto Drummond, lá de cima, deve ficar triste com isso. Sua obra é imortal. Para mim é difícil – quase impossível, eu diria – escolher seu melhor poema.
    Já pensou ter uma foto com ele, que maravilha.
    A música é excelente, do grande Gonzaguinha. Você mais uma vez acertou.
    Abraçaço.

  2. Carol
    10/01/14 at 14:59

    Adorei conhecer essas aventuras.. Mas a foto, ao lado da estatua, está mais homenagem e muito longe do vandalismo.. Embora eu odeie com todas as forças os tiradores de foto de tudo, essas da estatuta ou com a estatua acho simpaticas

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