“De amor e paz” (Luís Carlos Paraná / Adauto Santos), com Mart’Nália e Martinho da Vila
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=e9aQ3NK2arI[/youtube]
“De amor e paz” (Luís Carlos Paraná / Adauto Santos), com Mart’Nália e Martinho da Vila
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=e9aQ3NK2arI[/youtube]
Lúcia Dibo
nenhum pássaro voaria para outro lugar
e nada mudaria
a força estranha desses dias.
sei que não se passa impune pela beleza.
um vento que começa macio acaricia
os canaviais de outubro
gesta princípios de afagos
tuas mãos. minha fraqueza.
o amor é uma denúncia na casa
vazia a mover-se na tarde.
o amor sabe tão pouco voltar
como essa tempestade que se aproxima
onde as águas não chegam.
soubesse eu como se inventa
um outro nome
um outro corpo para as quatro da tarde
escrevo com o que de ti se perde
como já escrevi sobre terra arável
para não te esquecer.
abro mais uma das nossas garrafas de náufragos
cristal vermelho com tua itálica caligrafia
“vives só nessa terra de raios
tocando objetos pontiagudos
ensolarando palavras”
enfim me chega esse céu de chumbo
halo de águas com a marca do teu punho
as pessoas quando partem
não deveriam deixar seus fantasmas.
imagem: Koji Sekiguchi
“Vinho guardado” (Danilo Caymmi / Paulinho Tapajós), com Nana Caymmi
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=oJ0D2dRkZlU[/youtube]
LA GÉNESIS DE LA VENDIMIA
Desde la Cordillera, Afrodita exclama:
¨!Adornaré el piedemonte con viñedos,
Y tantos, que racimos, saltando los dedos
Sobre la tierra caerán como en derrame!”
Surge entonces Baco, y, ebrio, aterra:
¨Que sea, pero de las uvas, en mi honor,
Se haga el néctar más sabroso y embriagador
Bajo la línea de equinoccio de la Tierra! ¨
Venus se suma, y, vanidosa, dictamina:
¨!Que anime esa fertilidad y ese vino
La mujer bella y joven, cuál su endorfina!¨.
¨Amén, – dice la Virgen de la Carrodilla-
¡Pues ante el Poder Supremo del Divino,
Lo fértil, bello, el vino – todo se arrodilla!¨
Sergio Couri
Mendoza, enero 2014
Nota da Redação: Sergio Couri, poeta e diplomata, como Vinicius de Moraes ─ cuja cadeira na Academia de Letras de Brasília ocupa e honra ─ é autor de diversos livros, entre os quais “Timós” (Editora 7 Letras), que reúne as obras “O vento e a vela”, “Luz e sombra” e “Pós-poesia”. Nascido em Niterói, estado do Rio de Janeiro, tornou-se cidadão do mundo não apenas em virtude da sua carreira diplomática, mas sobretudo pela virtude do poeta que se abre à vida e às pessoas de todos os cantos. Reside e trabalha atualmente em Mendoza, Argentina, onde se farta das belezas da vindima à borda da cordilheira. Após a colheita, bebemos nós dos seus versos e nos embriagamos de poesia. Não bastasse, é irmão de Selma Barcellos, levando-nos a concluir que o talento, pelo menos no caso, é genético.
“Inútil Paisagem” (Tom Jobim / Aloysio de Oliveira), com Paula & Jaques Morelenbaum & Ryuichi Sakamoto
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=HG8IIui-8A0[/youtube]
Eduardo Coutinho e Philip Seymour?
Valha-nos, Iemanjá!
“Dois de Fevereiro” (Dorival Caymmi), com ele
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=_1kwtW1r2aI[/youtube]
Annibal Augusto Gama
Quem não leu o admirável conto de Flaubert, “Un Coeur Simple”? Se ainda não leu, não sabe o que está perdendo.
Felicité era uma criada, que teve a sua história de amor frustrada. Acabou apegando-se a um papagaio chamado Loulou. Afinal, o perroquet morre e ela, também, ao morrer, vê “um vapor azul”, em seu quarto. “Ela avançou suas narinas, aspirando-o com uma sensualidade mística; depois, cerrou as pálpebras. Seus lábios sorriam. As batidas de seu coração diminuíram uma a uma, cada vez mais vagas, mais doces, como uma fonte que se esgota, como um eco que desaparece; e quando exalou sua derradeiro suspiro, creu ver, nos céus entreabertos um gigantesco papagaio, plainando em cima de sua cabeça”.
Fui visitar o meu amigo Germano, que não é muito confiável e, muito imaginoso, conta histórias incríveis. Também eu as conto, e dizem-me: “esta eu não engulo”. Mas engolem.
Na casa de Germano, vi um papagaio no poleiro. Era no inverno e fazia um frio desgraçado. Ao aproximar-me do poleiro, o papagaio, que estava todo arrepiado, disse-me: “Il fait un temps de chien! Quel froid!”
Voltei-me para Germano, exclamando: “O seu papagaio fala francês!” E ele confirmou:
— Pois é… É um papagaio que Flaubert deu ao meu tio-avô, em sua casa, em Ruão.
Ora, Flaubert havia falecido há mais de cem anos e, portanto, o papagaio, ainda que viva sessenta anos, ou mais, não podia ser o que o seu tio-avô recebera de presente de Flaubert.
Mas Germano me explicou:
— Voltando para o Brasil com o papagaio, meu tio-avô arrumou uma papagaia para fazer companhia ao outro. Daí, o casal se apaixonou, e a papagaia botou e cuidou dos ovos que geraram outros papagaios. Este aí é um descendente do casal.
A explicação era convincente, e aceitei-a.
Retornando para minha casa, contei a história a meu papagaio Horácio, que a admitiu como verídica. E também me disse:
— Eu mesmo sou descendente direto de um papagaio que D. Pedro I deu à Marquesa dos Santos. Mas não me gabo. Sou republicano, se bem que a república vai mal, muito mal das pernas…
ALGUM DIA
Um dia
talvez do amor saibamos.
Não a paixão do amor,
que só ama a própria chama,
não a ilusão do amor,
esperança que se engana,
mas o amor outra cosmogonia
que tudo engloba e o universo transmuda.
O amor benfazejo cativeiro
daquele que não cabe só em si
e só no outro vive inteiro.
O amor outro idioma e outra grafia,
que precisamos aprender
desde as primeiras letras
para só então traduzi-lo.
O amor antropofagia,
que no outro se devora,
moléculas e espíritos se fundem
e confundem no vasto cosmo
em que um sol ou uma estrela serão
um dia.
“Eu sei que vou te amar” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Maria Creuza, Vinicius e Toquinho
Selma Barcellos
Que melancolia é essa
Na Lisboa em que me encontro
Como se naus inda partissem
Do velho cais, d’algum ponto.
E essa névoa que insiste
Em adormecer a paisagem.
Onde os reis, descobridores
Fidalgos, navegadores
Poetas e trovadores?
Eis que subo a colina
─ a mais alta dentre elas-
E num clarão, num lampejo
Vislumbro todos, afinal:
São manto por sobre o Tejo
A guardar, como encantados,
A bela senhora dos mares.
Mulher que recende a alecrim
E sabe a cravo encarnado.