“Preciso me encontrar” (Candeia), com Zeca Pagodinho e Marisa Monte
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=OpSTmf4vbSo[/youtube]
“Preciso me encontrar” (Candeia), com Zeca Pagodinho e Marisa Monte
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=OpSTmf4vbSo[/youtube]
Adalberto de Oliveira Souza
PROCURA
Em qual dessas gavetas
abarrotadas
estará o que procuro?
A busca deve continuar,
não há como deixar de fazê-lo.
Como descobrir a intenção real?
Se o motivo é desconhecido
Qual a necessidade premente?
Uma coisa é certa.
─ a chave deve estar
em algum lugar para fechar
a desconfortável angústia
inesgotável
dessa procura.
Salvador Dali, “O Contador Antropomórfico”
Annibal Augusto Gama
Você suporta o próximo e ainda tem de suportar o longínquo, porque de vez em quando vem a notícia nos jornais, ou na televisão, de que na Índia, ou na África, estão morrendo de fome milhares de crianças. O distante não é difícil de suportar, ainda que você tenha pena dele e remorso. O duro mesmo é suportar o próximo. Daí a arte de suportar o próximo, que lhe vou ensinar.
O próximo mais próximo está dentro da sua casa, se é que você tem casa. Se você mora debaixo de um viaduto ou dentro de um tonel, há sempre um próximo no mesmo viaduto ou dentro de outro tonel. Mas vocês então são mendigos, e o jeito é ir levando, já que não levam nada, mas catam nas latas de lixo.
O próximo mais próximo de você é sua mulher, que até dorme na sua cama. Ou não dorme e exige de você o que você não tem vontade, porque trabalhou o dia inteiro e está cansado. De qualquer maneira, é preciso satisfazê-la, para depois você conseguir dormir. Satisfaça-a.
Mas você também terá na sua casa os filhos e as filhas. Eles e elas estão sempre exigindo. E você tem de arcar com as despesas deles, com o colégio, com o carro que eles esbarrondam a cada ano, com o dentista, com o médico, com a roupa, com a alimentação sobre a mesa, com o televisor ligado alto, com o estrondo do som em seus quartos, com as suas brigas e palavrões. E vem também a sua sogra, e você terá de a cumprimentar, dizendo-lhe: “Como está, Dona Emerenciana?” E ela lhe faz cara de raiva, indo ainda dizer à sua mulher: “O seu marido é um traste, não sei como você foi casar com ele”. O seu sogro é que é tolerável, embora lhe dê algumas facadas de vez em quando.
Se você é velho, terá os netos e os bisnetos, e é a mesma coisa. Vá aguentando, e servindo-os. A sua vingança é que, mais tarde, eles terão também os seus próximos.
O mais próximo de você mesmo, agarrado em você mesmo noite e dia, é você mesmo, e você tem de se suportar, o que não é nada fácil. Há até dias em que você terá vontade de se enforcar.
Há ainda os cachorros, o papagaio, os bichos domésticos que você suporta.
Suporta ainda o chefe da sua repartição, que lhe passa descomposturas, suporta o Delegado de Polícia, o Juiz de Direito, e o duro, duro mesmo de suportar é o Luiz Inácio, o Sarney e outros como eles.
Também há que suportar as filas nos Bancos, as filas de ônibus, a espera nos aeroportos, as buzinadas dos carros nas ruas, o vizinho que bate prego na parede às duas horas da madrugada.
Com o tempo, você aprende a suportar os desaforos, as doenças e a canalhice geral. Suportará o Brasil, os Estados Unidos da América do Norte, a China e o Afeganistão, e até o tango argentino.
Ame o próximo, ainda que ele feda.
Suporte a coceira, o calo que dói, as caspas, o dente que dói (se é que você ainda tem dentes)
Suporte, suporte, porque a vida é suportar. E ainda por cima, você vai para o inferno e tem de suportar o Diabo que o carregue.
“Conversa de Botequim” (Noel Rosa / Vadico), com Ivan Lins
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=JHfPMBhoduw&hd=1[/youtube]
“Danço eu, dança você,
na dança da solidão”
“Dança da Solidão” (Paulinho da Viola), com ele e Marisa Monte
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=jJj6JS7XLZY&hd=1[/youtube]
“Meu maior medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para se despedir.
Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons.
Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda.
Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes.
Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos dar errado. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não pensar.”
Fabrício Carpinejar
“e a tigresa possa mais do que o leão”
“Tigresa” (Caetano Veloso), com ele e Ivete Sangalo (Gil na guitarra)
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=f5F-oMR61RQ[/youtube]
Selma Barcellos
(foto de Cartier-Bresson)
Ela desviou o olhar com a leve impressão de que o conhecia. Ele, não. Ele tinha certeza. Tanto assim que à saída do elevador, delicadamente se (re)apresentou, repetiu-lhe o nome de solteira, perguntou se estava feliz, quantos filhos… Na escada rolante e pelo caminho que os levaria à rua, lembrou-se da casa em que ela morou, da sua melhor amiga, dos bailes, das músicas que dançavam, do exato ponto da praia em que ficavam, do seu maiô azul… Sentiu que era hora de ir quando ele disse lembrar-se do perfume que ela usava. Ah, os homens… Décadas sem se verem e o mesmo papo sedutor, ainda que pleno de lembranças tão precisas. Seguiram em direções opostas. Com ela, a saudade daqueles dias azuis.
“Only You” (Buck Ram / Ande Rand), com The Platters
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=3FygIKsnkCw[/youtube]
“Retrato em branco e preto” (Tom Jobim / Chico Buarque), com Elis e Tom
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=zS64Qy6774Q&hd=1[/youtube]
Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar tanto pior
E o que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto,
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos,
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar.
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
Versos, cartas, minha cara,
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração.