“Pinto um barco a vela
Branco navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul…”
“Aquarela” (Toquinho / Vinicius de Moraes / Maurizio Fabricio / Guido Morra), com Toquinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=kviHTdnkGhg[/youtube]
“Pinto um barco a vela
Branco navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul…”
“Aquarela” (Toquinho / Vinicius de Moraes / Maurizio Fabricio / Guido Morra), com Toquinho
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=kviHTdnkGhg[/youtube]
Selma Barcellos
Estrela Tia e Estrela Mater, Selminha ruma à Portugal para se tornar Estrela Vó do Cadu, da Constelação de Barcellos.
Mais brilho para a nossa Estrela.
Quatro anos depois…
E lá se vai o barquinho rumo a Cascais, roteiro de paixões evidentes, agora acrescidas do sonhado neto… Bom demais! A bordo, uma vó de primeira viagem, exultante, contando os dias para acarinhar Cadu, previsto para o finalzinho de novembro.
Assim, o Bloghetto faz aqui uma pausa. Serenada a ansiedade, recomeçamos. Ao sabor dos ventos. E de uma nova luz sobre o Tejo.
Apareçam, amigos.
Beijocas!
Selminha
“Sai dessa” (Nathan Marques /Ana Terra), com Mart’Nália
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=aMn9GQxDUAI[/youtube]
Annibal Augusto Gama
Para sair do buraco é preciso antes estar dentro do buraco, o que é muito singular, porque buraco não tem dentro. Como os senhores sabem, o buraco é uma coisa da qual se tirou tudo o que havia nele, e se se tirou tudo o que havia nele, o buraco não existe, é um vazio. Apesar disso, grande maioria das pessoas entre nós estão dentro do buraco, e cada vez mais se afundam. Tais pessoas querem sair do buraco, mas não sabem como. Só sabem gritar “socorro!” “me acudam! Se são poliglotas, também berram “au secours! au secours!”, ou “help! help!”. A tais pessoas aconselho desde logo que decidam: querem socorro ou que as acuda? Além disso, como o Brasil é um enorme buraco, estamos todos dentro dele (se é que há dentro no buraco), e sair para onde?
De qualquer maneira, vamos supor que efetivamente o buraco existe, o que é uma contradição em termos, ou um oximoro. E se você não sabe o que é um oximoro procure no dicionário, porque não se deve cair no buraco sem levar antes um dicionário, o Aurélio, por exemplo. Com o dicionário, você pode passar a vida toda no buraco, confortavelmente, aprendendo as palavras. E quando acabarem todas, de “a” a “z”, você estará pronto para sair do buraco e fazer palavras cruzadas.
As pessoas são quase sempre desprevenidas, por isso não caem no buraco levando consigo uma corda, uma escada, uma enxada ou uma picareta. Se levassem, seria fácil sair do buraco subindo pela corda amarrada… amarrada onde? Isto eu não sei, afinal eu não sei tudo. O melhor é a escada, embora, se o buraco for profundo, e a escada pequena, não adiante nada. Leve, portanto consigo uma escada gigante, destas dos bombeiros. A enxada ou a picareta também servem para cavar buracos no buraco (o que é outra contradição), de modo tal que o sujeito pode enfiar os pés e as mãos nesses buracos e ir subindo. Além disso, a enxada ou a picareta servem também para você cavar cada vez mais o buraco, aprofundando-o, até varar do outro lado, no Japão. Aí, você estará salvo, porque o Japão é muito melhor do que aqui, a sua economia é próspera, o país é seguro, e lá, quando um homem público é acusado de ser ladrão suicida-se, o que não acontece com os nossos deputados, senadores e governadores.
Há ainda aqueles que caem sozinhos no buraco, e outros que levam consigo a mulher e a sogra. Se você levar sua mulher e sua sogra e cair com elas no buraco, por que sair dele? Fora do buraco, você já estava no buraco, com elas. Neste caso, permaneça tranquilo no buraco, relaxe e goze, como sugere a Marta Suplício.
Veja os defuntos: eles estão no buraco e não se queixam. Aprenda com eles.
Nosso país tem a vocação do buraco. Os Prefeitos mandam abrir buracos por toda parte e insistem durante anos e anos que eles permaneçam como estão, até que venham outros Prefeitos e mandem afundar ainda mais os buracos. Nossas estradas são um buraco só. Não obstante, continuamos rodando por aí, não se sabe para onde, isto é, para outro buraco. E quando se cava um buraco para fazer a estação de um metrô, previamente estacionam dentro dele dez ou quinze pessoas, que lá ficam para sempre. De tal sorte que a bandeira nacional não devia trazer uma bola em campo verde, mas um tatu, que é o nosso verdadeiro símbolo e vive sossegadamente dentro do buraco.
Portando, meu amigo, ainda que eu lhe tenha fornecido alguns rudimentos da arte de sair do buraco, aprenda outro: rebole-se dentro do buraco.
FINITUDE
No dia de finados
lá se vão os semoventes
com ares penitentes
em visita aos residentes.
Pelas aléias
dos cemitérios
sérios semblantes
flores sequiosas
que murcham ao sol
velas vacilantes
ardendo em prol
preces e lamentos
aos quatro ventos.
Melhor deixar
o morto em paz
absorto
no corpo que se desfaz.
O morto mudo
liberto
enfim de tudo.
“Vilarejo” (Marisa Monte / Pedro Baby / Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes), com Marisa
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=1ODdHwO3VEo[/youtube]
Euclides Rossignoli
O dito popular que sentencia “A voz do povo é a voz de Deus” é conversa mole. A voz do povo, prestem atenção caros leitores, serve muito frequentemente é para veicular a maldade, a injúria, a impiedade, ficando bem mais próxima da voz do diabo.
Vejam, por exemplo, o que faz a voz do povo no campo da alcunha. O apelido, uma verdadeira praga nas cidades pequenas, quase sempre surge carregado de maldade por associação à aparência física da pessoa, a atividade que ela exerce ou às suas habilidades e inabilidades. O grau de malignidade varia muito, mas a regra é que o apelido tenha a carga negativa do ridículo, do feio ou, no mínimo, do desagradável.
Quando jovem, eu soube de pessoas que tinham apelidos tão feios que nem podiam saber, embora a cidade de Ourinhos inteira soubesse. Tinha, por exemplo, lá na Vila Margarida, o João Quati, assim chamado porque de fato se parecia com aquele carnívoro da família dos prociônidas. Tinha o Zé Encrenca, que ficou assim conhecido simplesmente por ser esquentado. Tinha o Zé do Sino, um professor de história que era o primeiro a chegar às missas. Tinha o Zequinha Mortadela, que trabalhava como entregador de embutidos. Tinha o Chico Bucheiro, que vendia nas ruas, com uma carrocinha, miúdos de boi e de porco. Tinha o Tufik Cinco Por Cento, que atuava no campo da agiotagem. Tinha a Maria Galinha, mulher casada mas bem danada. Tinha o Jonas Relho, que nem posso falar porque tinha esse apelido. Tinha a Maria Bigodinho, morena bonita, mas dona de um buço marcante. Tinha o Hélio Cateto, um professor cuja compleição lembrava o porco-do-mato caititu. Tinha também o Jacaré, o Zé Apavorado, o Zé Toicinho, o Paulo Cuié, o Orelha de Pau, o João Geladeira, o Mauro Boca de Gaveta, o Tamancada.
Agora me lembrei de muitos outros. Tinha o João Kilovate, que trabalhava na empresa de força e luz lendo o consumo nos relógios das casas. Tinha a Luzia Cadillac, que topava uma voltinha com todo mundo. Tinha o Zé Protocolo, assim apelidado porque trabalhava no serviço de protocolo da prefeitura. Tinja o Miltinho Alicate, um sujeito das pernas tortas. Tinha o Nelson Cachorro e o Jaime Peru. Tinha o motorista Tatu e o Ermenegildo Vaca. Tinha o Zé Diarreia e o Osmar Penico. Tinha a Maria Canecão, o Zé Cadelinha e o Sílvio Bagunça. Tinha o Zé Boi, o Leitão e o Antoninho Cabeça de Passarinho. Tinha o Capeta, o Ticanha, o Mané Pega Tudo, o Joel mico, o Lamparina e o Boca de Égua.
São apelidos, todos eles, muito desagradáveis. Mas nenhum ganha em ridículo e maldade daquele que a voz do povo reservou ao pobre que era dono do laboratório de análises clínicas da cidade. Como naquela época o exame mais comum e mais solicitado pelos médicos era o de fezes, o cidadão ficou conhecido como Zé da B…
PS: Esta crônica já estava acabada quando recebi correspondência de Curitiba, apontando lacunas. Vítimas da voz do povo, lembra o missivista, eram também o odontologista Diógenes Baratinha e o professor Mário Preto. Este Mário Preto, além de não ser afrodescendente, era branco até no nome: Mário de Oliveira Branco Filho, o Marinho. Veja o que não faz a voz do povo!
NOTA DA REDAÇÃO
“Euclides Rossignoli nasceu em 1939, na Fazenda Santa Clara, no município de Santa Cruz do Rio Pardo. Veio para Ourinhos com um ano de idade e foi criado na Vila Margarida, onde passou a infância e boa parte da juventude. Em 1959 mudou-se para a capital, onde estudou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). De volta a Ourinhos, foi professor de sociologia e de estudos sociais em escolas de ensino médio. Foi vereador de 1983 e 1988.”
Essa a singela apresentação de Euclides, que consta da orelha do seu delicioso livrinho, “Ourinhos Histórias e Memórias”, publicado pelo autor com o prêmio obtido no “Concurso de Fomento a Produções Culturais e Oficinas Criativas” da Secretaria Municipal de Cultura de Ourinhos.
Adverte ele, modestamente, que “Embora haja neles muita história, os escritos que o leitor encontrará neste livro não constituem textos de História. O autor não é historiador nem realizou pesquisa alguma para escrevê-los. Usou apenas a memória e sabe que, muitas vezes, propositadamente ou não, registrou a versão mais do que o fato”.
Quem o lê, porém, logo se dá conta de que histórias ou estórias ele as conta com a graça e o talento de um belo escritor. Cada um guarda em si uma Recife de Bandeira, uma Itabira de Drummond, uma Macondo de García Marquez, uma Buenos Aires de Borges, uma Belo Horizonte de Pedro Nava, uma Istambul de Orhan Pamuk, uma Rio de Janeiro de sempre de Paulinho Lima, uma Guaxupé de Annibal Gama. Todas elas, assim como a Ourinhos de Euclides Rossignoli, são únicas e são a mesma, pois como diz Pessoa “A terra é semelhante e pequenina / E há só uma maneira de viver.”
Euclides vem rebrilhar a constelação de craques do Estrela Binária.
(…) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana, dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
(…) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
(Resíduo)
(…) Quem te esperou do outro lado?
Tua filha, ou o anjo torto
que te acompanhou de esguelha
e te deixou na contramão?
Pai morto, mãe morta, irmão
morto, e as namoradas todas
te acenando o mesmo adeus.
Mas se a vida é impraticável,
construíste um elefante
de papel e de ternura
que no dorso te levou
para a fazenda do ar.
(…) Cansado de ser moderno
agora és eterno
e apenas contemporâneo
de ti mesmo. Nem teu corpo
veste mais o paletó,
a gravata. Os teus óculos
devassam a bruma, a broma
da Máquina do Mundo,
que virou um claro-enigma.
(Resíduo,“Dez anos da morte de Drummond”, in “Herança Jacente”)
A 31 de outubro de 1902, em Itabira, MG, nascia o dono de uma das mais amadas e reconhecidas líricas de nosso país.
Estrela Binária e Bloghetto no Dia D de Drummond.
Mundo vasto…