Posts from outubro, 2008

Ler e Escrever

 

                        Para mim, a literatura não se trata apenas da arte de escrever, mas, sobretudo, da arte de ler. A obra literária somente se completa e se realiza com a leitura. Nem sempre, ou quase nunca, o autor é o melhor intérprete de sua obra. O leitor, não raro, descobre aspectos não percebidos ou pretendidos pelo autor, dando nova vida ao texto. Não quero, com isso, enveredar pela semiologia e seus conceitos, mas apenas ressaltar a significância do leitor ou do ledor, o quê, aliás, nada tem de original e já foi abordado por gente de muito maior envergadura.

 

                        Há muitos anos escrevia Sérgio Milliet que “o poeta não se comunica com o leitor, nem ninguém se comunica com ninguém desde que a mensagem ultrapasse os limites restritos das banalidades cotidianas. O poeta é apenas um comutador; ele provoca a passagem da corrente elétrica, mas as lâmpadas que se acendem são de cores e potências diferentes. A luz amarela acesa em mim nada tem a ver com a vermelha do vizinho”.

 

                        Assim também os versos sempre lembrados de Fernando Pessoa, segundo os quais, não bastasse o poeta fingir que é dor a dor que na verdade sente, aqueles que lêem os seus versos sentem uma outra dor, que nem eles, nem o poeta têm.

 

                        Tinha razão, pois, o escritor André Gide ao dizer: “Antes de explicar o meu livro aos outros, aguardo que os outros o expliquem a mim”.

 

                        É isso também o que aguardo de quem acessar este blog.

A aventura da leitura

 

                        Aparentemente, a leitura é uma atividade solitária, que exige recolhimento e reflexão.

                        Na realidade, porém, quem lê nunca está só, mas em permanente convivência com o autor, com os outros leitores, com outros livros, lidos e não lidos.

                        A leitura será sempre uma aventura, um fluxo de emoções e sentimentos, de experiências vividas ou imaginadas.

                        Embora haja inúmeros e excelentes livros sobre essa aventura da leitura, três me agradam especialmente: dois deles escritos por Alberto Manguel, “Uma História da Leitura” (que já tornou um clássico), e “No Bosque do Espelho” (que tem o subtítulo de “Ensaios sobre as palavras e o mundo”), ambos editados no Brasil pela Companhia das Letras. Deste último destaco o trecho seguinte, da sua abertura:

“Ao juntar palavras com experiências e experiências com palavras, nós, leitores, esquadrinhamos histórias que ecoam uma experiência ou nos preparam para ela, ou, ainda, nos falam de experiências que jamais serão nossas (como bem sabemos), exceto na página candente. Da mesma forma, o que acreditamos que é um livro se remodela a cada leitura. Ao longo dos anos, minha experiência, meus gostos, meus preconceitos mudaram: à medida que os dias passam, minha memória continua repondo na estante, catalogando, descartando os volumes da minha biblioteca; minhas palavras e meu mundo – exceto por alguns marcos constantes – nunca são os mesmos. A famosa frase de Heráclito sobre o tempo aplica-se igualmente a minha leitura: “Nunca mergulhamos no mesmo livro duas vezes”.O que permanece invariável é o prazer da leitura, de segurar um livro em minhas mãos e experimentar subitamente aquele sentimento peculiar de admiração, reconhecimento, calafrio ou calor que, por nenhum motivo discernível, uma certa seqüencia de palavras evoca.”

                         O terceiro livro, cujo título é “Como falar dos livros que não lemos?”, foi escrito por Pierre Bayard e publicado no Brasil pela Editora Objetiva. Trata-se de uma deliciosa brincadeira (e as brincadeiras, como se sabe, são uma forma de travestir a realidade para apreendê-la), por meio da qual, fingindo fazer pilhéria ou escrever mais um dos abomináveis livros de auto-ajuda, o autor elabora um refinado ensaio sobre a cultura literária, formada tanto pelos livros lidos, quanto pelos não-lidos, mas que de algum modo se conhece e assimila.