Posts with tag "São Paulo"

Cidade Cinza

 

                Bell Gama

bell gama

 

 

 

 

 

 

 

Para uma menina que estava acostumada a pegar apenas o ônibus Jardim Irajá na esquina de casa, ir para o inglês no centro de Ribeirão Preto e voltar, São Paulo tinha tudo para ser assustadora.

Quando se mora no interior pouco se assusta. Você conhece as pessoas, a cidade, que horas o vizinho chega em casa, quem é a melhor doceira da cidade, onde comprar o uniforme da escola e quem traz coisas do Paraguai.

Cheguei em São Paulo em 1998. Eu não achava, mas era uma adolescente. São Paulo me fez mulher. Aqui trabalho, me apaixonei, desapaixonei. Aqui comprei minha casa e fiz meus amigos. Daqui fui para o mundo e voltei e vou e volto ainda repetidas vezes.

Hoje acordei às 8 horas da manhã para atravessar 11 quilômetros em uma hora. Tempo até que bom para uma sexta-feira. Antes de pegar a alça para a Avenida 23 de maio, me deparei mais uma vez com o mural dos Gêmeos, Nina e Nunca. Tirei uma foto, postei no Instagram.

A imagem do mural que vi tantas vezes ficou rondando a minha cabeça e me fez alugar o filme “Cidade Cinza” que conta a história de quando o mural foi apagado em 2008. Escrevo esse texto ainda com os créditos do filme subindo em minha tela. Ele conta brilhantemente a luta da arte contra o concreto.

Quando me mudei para São Paulo recebi muitas recomendações. Diziam-me que eu seria assaltada, que não poderia andar sozinha, que pegar transporte público era impossível e que criar uma família em São Paulo era uma coisa de louco.

Mas no meio de tanta contraindicação me encontrei. Todos os dias, olho para a minha janela que dá de frente para tantas outras janelinhas e vejo vida. Ouço crianças rindo, cachorros latindo, o cara do sorvete que passa assobiando todo dia às 5 horas, tem o sino da igreja e lá no fundo ouço um barulho da televisão de alguém. Não estou sozinha.

Não sei se eu mudei ou se foi a cidade. Não sei se São Paulo está mais corajosa ou eu. Mas nos últimos tempos, desde que decidi vender meu carro e comprar um CEP, assumi São Paulo para mim. Participei de manifestações, vou a eventos gratuitos, promovo junto com amigos um bloco de carnaval, as feiras de rua viraram um dos meus programas preferidos e privilegio todos os shows de rua possíveis.

Engoli o medo e parei de chamar o meu vizinho, o “Minhocão” de “Faixa de Gaza”. Calcei os tênis e o tomei como minha pista de corrida. Todas as noites, divido o espaço com alguns mendigos, mas também com outros tantos paulistanos que encaram o centrão às 9h30 da noite.

Em algum momento decidi: ou São Paulo é minha ou é do medo.

Ao assistir “Cidade Cinza”, percebi que os grafiteiros fazem o mesmo há muito mais tempo. Mesmo tendo sua obra de arte de mais de 700 m2 e tantas outras apagadas por uma horrorosa tinta cinza, eles continuam, refazem, repintam e marcam permanentemente essa cidade que faz de tudo para ser bonita.

Fiquei triste ao ver a politicagem em torno do mural. Enquanto o Sr. Kassab pousava para fotos e um bispo — que não sei por que estava no filme — “benzia” o mural e tantos outros secretários faziam cena, os artistas ficaram ao fundo.

Na minha São Paulo eles estão na frente, protagonistas, e agradeço todos os dias por enfeitarem meu caminho.

 

grafite Bell

 

“São Paulo, São Paulo”, com o Premê (Premeditando o Breque)

 

 

 

 

Aceite: Somos muitos

                    

                 Bell Gama

bell (bandeira do Brasil)

 

 

 

 

 

 

 

 

Nasci em 1979 – mais de dez anos depois do AI-5. Em 1992, ano do impeachment de Fernando Collor, eu tinha 12 anos. Lá pelos 14 anos eu acessei a internet pela primeira vez. Aos 18 anos tive meu primeiro e-mail. Em 2008 fiz uma viagem para Amsterdam e visitei a casa de Anne Frank. Foi somente a milhares de quilômetros do Brasil e com alguns anos nas costas que eu entendi o que era a restrição de direitos, a dita ditadura. Em 17 de junho de 2013 eu entendi o que é um manifesto político.

Explico tudo isso para que todos possam entender a emoção que senti ontem e tudo que estou sentindo nas últimas semanas. Sou uma entre milhares, milhões, da mesma geração.

Nasci no interior de São Paulo. Sou filha de funcionários públicos. Estudei em colégio particular e andava de ônibus apenas para ir às aulas de inglês. Andei de avião pela primeira vez na minha formatura do 3o colegial. Fui para Cancún pois o dólar estava um para um.  Sou branca. Me consideram classe-média alta.

Política sempre foi assunto chato para mim. Comunicação não. Entrei na faculdade de Relações Públicas em 1998. Na época estudava-se Marshall Mc Luhan para tentar entender o que seria uma aldeia global. Eu achava a ideia incrível, porém distante. Tão distante quanto a ditadura. Tão distante quanto eu me meter em política.

E um dia você acorda. Já é 2013 e já está tudo misturado. A aldeia global existe. Moro nela. E é por meio dela, do universo fascinante e real que se tornou a internet, que a política está se fazendo.

O Manifesto pelo Passe Livre, nascido e alimentado na internet, foi quem arrancou da garganta dos paulistanos o grito de basta. É pelos R$ 0,20 de aumento na tarifa do transporte público e também não é. Mas é também pelos R$ 0,20. Quem vive na internet sabe que não há conversa lógica, diálogo direto, linha reta. Se você não vive nesse novo mundo não vai entender. Por isso é difícil dar uma explicação reta e lógica para quem desconfia da manifestação política que trouxe vida ao país nas últimas semanas. Desculpe não conseguir explicar. O mundo não é mais reto e lógico também. Assim como as opiniões. É por isso que a cobertura da imprensa não dá conta de cobrir. É por isso que os políticos não conseguem entender as exigências. É por isso que a polícia trata com truculência o que não consegue identificar.  

Não é diálogo, é rede de opiniões.

Não é um grito, são várias vozes.

Não é uma exigência, é um desabafo completo.

Só uma coisa é igual: o povo precisou ir para as ruas para berrar, se fazer ouvir. E isso emociona a mim que nunca vivi, ao meu pai que viveu tudo isso e aqueles que ainda não têm nem idade para sair às ruas como eu em 1992.

Quer entender? Participe.

Quer ouvir? É preciso mais do que orelhas. É preciso também olhos para observar o entorno, tato para saber lidar e principalmente, coração aberto. 

E se depois de tudo isso se ainda quiser discordar… Tenha argumentos.

Tenho quase 1.000 amigos no Facebook. Mas ontem me juntei a quase 150 mil (para mim esse é o número oficial) de paulistanos que foram às ruas para serem ouvidos. Eu era muitos. E da beleza disso tudo não há como discordar. Aceite. 

 

Imagem

 

Bell Gama – Junho de 2013 

(Esse texto é dedicado aos meus filhos e netos que um dia terei)

 

 

Sobre a Virada

 

                   Bell Gama

bell (bandeira do Brasil)

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre a Virada… não sei se a minha opinão sobre a Virada Cultural importa muito. Mas tô um pouco engasgada. Vou ao evento desde a primeira edição. Apoio toda e qualquer iniciativa que levante o centro de cidade — local que escolhi para viver. Tenho amigos queridos (guerreiros) que trabalham nessas iniciativas. Por outro lado, já trabalhei também em veículos de comunicação de massa e sei como são feitas as coberturas. Há também jornalistas amigos (guerreiros) no meio. Já fui pauteira. Mandam-se os repórteres para os hospitais, postos policiais… Publica-se a foto de um show e buscam-se dados. Em meio de comunicação de massa, a linha é simples e a ênfase nos dados da violência é explicada da seguinte maneira: conte as estatísticas, dê fatos. Estatísticas são simplistas. Contam-se acidentes, mortes, assaltos. Não se contabilizam sorrisos. É assim e ponto 

Por outro lado (e há sempre um outro lado), há a cobertura feita pelas redes sociais (que ninguém mencionou). Acompanhei durante o tempo todo a cobertura no Twitter e no Instagram através das hashtags. O que vi nas redes foi uma Virada Cultural de gente feliz e ocupando o centro. Quem acompanhou a Virada Cultural por aí, viu uma virada diferente do que está sendo noticiada.

Diante da discrepância de opiniões, a minha é a seguinte: não dá para resolver os problemas de uma metrópole na Virada Cultural. Quem anda pelo centro, sabe o perigo que corre e não é porque é Virada Cultural que os problemas simplesmente somem. E para mim, a Virada existe para isso. Para tirar pessoas como eu, meu pai e minha irmã de suas casas e observar de perto como o centro está e como pode ser. Claro, fiquei com muito medo em alguns momentos. Assim como vi cenas lindas, vi cenas tristes. Mas, sinceramente, sabia que seria assim. Sei a cidade que moro e ao ir a Virada descobri mais um pouco dela. Para mim, a Virada serve para pôr foco em algo que muita gente não vê (ou finge que não). Por isso, a Virada Cultural é de suma importância e não pode ser analisada de maneira simples. Acho injusto jogar nas costas da Virada as críticas de toda uma cidade. Por isso, em relação a Virada, os questionamentos válidos são:

A segurança do evento pode melhorar? Todo mundo sabe que sim. É fácil fazer a segurança de um evento de 4 milhões de pessoas que quase nunca têm acesso a cultura, shows gratuitos, transporte 24 horas? Não.

A programação foi boa? Para mim, foi o melhor de todas as edições. Eclética, de qualidade, para todos.

O transporte durante o evento funcionou? Para mim sim, mas acho que ainda faltam bolsões com opção de táxi.

Falta sinalização? Muita. E essa é uma das maiores falhas da Virada. É difícil se localizar, chegar no outro palco, achar o caminho mais próximo, encontrar opções de banheiro, restaurantes, alternativas. 

Crítica ao que é da Virada. Aproveite o resto que você conheceu, para questionar a sua cidade e seus próximos prefeitos.

 

Bell Gama

 

 

viradacultural 2013

 

 

 

Sobre motoristas e passageiros

 

 

A homenagem da riberopretana Bell à sua São Paulo

 

                     Bell Gama

bell (bandeira do Brasil) 

 

 

 

 

 

 

 Era janeiro de 2004 e uma só frase rondava a minha cabeça “Non Ducor, Duco”. A inscrição da bandeira de São Paulo servira como mote para as comemorações dos 450 anos de São Paulo e eu era parte da festa. Na época eu trabalhava em uma produtora de eventos que promoveu um dos maiores desfiles que a cidade já viu. 450 carros antigos invadiram as ruas de São Paulo em um domingo de manhã para comemorar o aniversário. 100 carros saíram da zona sul, 100 da oeste, 100 da norte, 100 da leste, e os 50 mais raros estavam na Av. Paulista. A logística de conseguir uma sincronia para que todos andassem simultaneamente na avenida mais famosa da minha cidade (que escolhi para viver) durou meses de preparação. Junto com ela, um programa ao vivo. Foi meu primeiro programa ao vivo em rede nacional ao lado de queridos colegas de profissão. Com direito a entrevistar a Prefeita, ter ponto eletrônico no ouvido e ouvir a adrenalizante (existe essa palavra?)  frase “3, 2, 1… no ar… É com você, Bell!”. Os carros, que despertam a paixão e o ódio da maior cidade do país, foram o destaque da festa.

 

brasao_sao_paulo-769466

 
Os automóveis sempre estiveram na minha vida. Aos 7 anos eu dizia que já sabia dirigir a boa e velha Parati branca do meu pai. Aos 13, peguei escondido seu Opala Diplomata e aprendi a dirigir. Aos 16, roubava o Fiat Palio da irmã e ía sozinha para a escola me sentindo a mais livre das criaturas. No dia 1 de dezembro de manhã, ao completar 18 anos, estava  finalmente tirando a minha Carteira de Habilitação. Aos 20, arrumei o emprego nesta produtora de eventos e televisão que só trabalhava com automóveis. Me descobri jornalista sendo “jornalista automotiva”. Dirigi muitos carros. Daqueles de mais de três dígitos e bem mais do que uma centena de cavalos de potência que sei que nunca mais estarei no volante. Dirigi no Japão, na Alemanha, visitei a fábrica da Maserati e vi carros sendo produzidos manualmente. Escrevi para revistas especializadas, participei de eventos de lançamentos e até hoje sou convidada pela indústria para fazer roteiros para os automóveis. Enfim, sempre fui considerada uma menina que “manja” de carros.
 
Há mais de 2 anos tomei uma decisão radical. Vendi o meu carro. Comprei um apartamento, precisava de grana para a entrada. Na época todo mundo se assustou: Como você vai viver sem carro? Eu também não sabia. Aos poucos, encontrei novos caminhos. Vi que não ter carro em São Paulo me deixa ainda mais livre. Com o tempo, a paixão por dirigir se tornou uma dor de cabeça. Multas, IPVA, Renovação de Carteira, Revisões, Lei Seca, custos, custos, custos… Passei a ser uma má motorista. E não queria sujar minha ficha corrida. Perdi a carta e a paciência. Hoje, não tenho carro nem garagem.
 
As pessoas ainda se assustam com a minha decisão: Como você consegue viver sem carro? Simples: moro perto do metrô. Pego ônibus, táxi, compartilho carro e sou carona preferencial  dos meus amigos. Passei a ver a cidade com os olhos de passageira, dedicando cada momento a uma nova descoberta.  Hoje, ao cruzar a cidade pelo subterrâneo do metrô (sem fone de ouvido ou livro para ler) senti aquele prazer de ser anônima e ter um olhar turista… Reparei na moça chorando, no casal se beijando, na mãe dando bronca no filho, no rapaz compenetrado que lia uma apostila. Passei por várias estações notando suas diferentes personalidades. Eu sou linha vermelha com muito orgulho! Fico na estação Marechal Deodoro, mas o fim da minha linha é no meu time de coração “Corinthians/Itaquera”. Há quem odeie essa linha pois ela leva para a periferia da Zona Leste (Lost). Eu amo. A linha vermelha é a cara São Paulo. E por aqui tem esse bairrismo mesmo… Paulistano que é paulistano sabe a diferença da Linha Verde para a Azul.  Quando lançaram a Linha Amarela fiz questão de ser uma das primeiras a andar como  mesmo espírito que a gente leva uma criança para andar pela primeira vez no metrô. E não há estação tão bonita como a Sumaré.
 
 
metro marechal
 
 
Assim como a cidade, poucos metrôs ainda são conduzidos. Muitos se auto-conduzem. Assim como eu gosto de ser. São Paulo, que completa 459 anos nesta semana, ainda tem uma injustiça: todo mundo deveria ter um metrô para chamar de seu. Para assim poder conduzir o seu olhar para onde bem entender: para as ruas, no papel de motorista ou para a paisagem.
 
metrosp
 
 
 
Bell Gama/janeiro 2013
 
 
 
 

O aprendiz de ternuras

 

 

 

Maestro Soberano 

 

“Todas as vezes que Tom abriu o piano, o mundo melhorou. Mesmo que por minutos, tornou-se um mundo mais harmônico, melódico e poético. Todas as desgraças individuais ou coletivas pareciam menores porque, naquele momento, havia um homem dedicando-se a produzir beleza, O que resultasse de seu gesto de abrir o piano ― uma nota, um acorde, uma canção ― vinha tão carregado de excelência sensibilidade e sabedoria que, expostos à sua criação, todos nós, seus ouvintes, também melhorávamos como seres humanos.”

(Ruy Castro, “O aprendiz de ternuras”, in “A onde que se ergueu no mar ― Novos mergulhos na Bossa Nova”, São Paulo: Companhia das Letras, 2001)

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Ej0fFckXiNs[/youtube]

Vídeo de Fernando Brito

 

 

 

Pauliceia Desvairada

 

     

BAIXO HIGIENÓPOLIS

 

 

A Baronesa de Itu encontra-se

na esquina com o Barão de Tatuí: 

― Sabes o senhor onde fica a Piauí?

― Lamento, senhora, também não sou daqui.

 

Como Consolação, foram tomar

uma chávena de Chá,

enquanto caía a tarde feito um

                                                        Viaduto.

 

 

 

Olhos de ver

 

 

 

            Primeiro a obrigação, depois a devoção. Cumprida a primeira, resolvo aproveitar o resto do dia na Mostra dos Impressionistas, no belíssimo prédio do Centro Cultural Banco do Brasil, bem no miolinho da velha cidade, ou o que restou dela.

            Após a chuva da noite anterior, São Paulo amanheceu cinza, com um vento cortante e um frio de rachar. Eu apenas com um paletó de lã fina. Apanho emprestado um cachecol da Júlia, e lá me vou, um estrangeiro nessa São Paulo parisiense. 

            Defronte do Centro Cultural, a fila dá voltas no quarteirão. De duas a três horas de espera para entrar, me dizem.

            Estou prestes a desistir. Entro pela porta ao lado na cafeteria do saguão e avisto um pequeno cartaz com uma seta indicativa de “fila preferencial” para idosos e pessoas com deficiência, com direito a um acompanhante. Na fila, apenas cinco senhorinhas, muito bem vestidas, joviais, rindo e conversando animadamente. Meio cabreiro, num ímpeto de ousadia e despudor, decido invocar pela primeira vez os meus direitos de idoso (é a mãe!) e entro na fila, atrás das garotas. Por via das dúvidas, saco minha carteira de identidade de advogado sênior e fico com ela na mão.

            Em menos de cinco minutos as moçoilas são convidadas a entrar, recebendo um pequeno carimbo no dorso da mão. Avanço junto e o porteiro, sem bem me olhar ou esperar pela resposta, enquanto pespega o carimbo na minha mão esquerda, diz: “O senhor está com elas?” 

            Alvíssaras! (Que consolo…)

            Fico mais de três horas percorrendo os andares da exposição, de início próximo das minhas companheiras, mas logo elas me ganham a dianteira e somem, serelepes. 

            A exposição está muito bem montada, com boas informações sobre a época, os pintores e os quadros, um ótimo audiovisual de pouco mais de cinco minutos, narrado pelo grande Antônio Abujamra. 

            Vários quadros de Monet (em diferentes fases, com predominância da inicial), Renoir, Cézanne, Pissarro, Sisley, Manet (O tocador de pífaro se destaca), Gauguin, Degas e suas bailarinas, dois ou três de Toulouse-Lautrec, apenas um Van Gogh (“O Salão de Dança em Arles”). Há diversos outros, são mais de oitenta obras do extraordinário acervo do Museu D’Orsay! 

            Ao sair, enquanto tomo um café, com os olhos transbordantes dos encantos vistos, ocorre-me que se minha alma é barroca, meus olhos são impressionistas. Meus sonhos, muita vez, são surrealistas, e meu coração, quiçá, seja romântico.

            O frio, a tarde caindo, as sensações borbulhando, fizeram-me recordar a exposição de Monet a que fui muitos anos atrás, no MASP. Após a visita, já de noite, enquanto caminhava pela Paulista, me veio inteiro à cabeça, em borbotões , este poeminha de circunstância, que finalizei e escrevi logo em seguida no guardanapo de um bar próximo, onde entrei para tomar um uísque.

 

 

  MONET no MASP

 

 

  A meu pai, companheiro de viagem

 

 

                                                                   Rever Monet

                                                                   nunca é coisa vã

                                                                   mesmo para quem

                                                                   já esteve no Marmottan

                                                                   cujo acervo — zasp —

                                                                   cruzou o Atlântico

                                                                   e se alojou no nosso Masp.

 

                                                                   Ninfeias e glicínias

                                                                   A ponte japonesa

                                                                   A aleia das roseiras

                                                                   O salgueiro chorão

                                                                   O jardim em Giverny

                                                                   estão logo ali

                                                                   quase ao alcance da mão

                                                                   e mais outros quadros

                                                                   de amigos do artista

                                                                   que também me encantam a vista.

 

                                                                   São Paulo amanheceu

                                                                   com ar europeu 

                                                                   invernal, chuvosa, vestida de gris,

                                                                   mas nem mesmo

                                                                   a capa de gabardine

                                                                   me redime

                                                                   da saudade de Paris.

 

                                                                   Sombra fugidia

                                                                   caminho incauto

                                                                   pela noite vazia

                                                                   com os olhos replenos

                                                                   de tanta cor e luz

                                                                   e num bar de esquina

                                                                   antes que se apague

                                                                   a vaga estrela fria

                                                                   brindo ao companheiro de viagem

                                                                   que pela vida me guia

                                                                   muito além das paragens

                                                                   de Oropa, França e Bahia.

 

 

 

 

 Minha mão de idoso (segundo o carimbo afirma)

 

 

 

Dentro da menina, ainda dança

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                               .

                              Estou em São Paulo.

                              O porquê está abaixo.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  .

Dentro da menina, ainda dança

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          .

Hoje meu pai me ligou e me deu uma vontade estúpida de chorar.

Ele me disse que havia comprado passagens para vir a São Paulo assistir minha prova de corrida. Será a primeira provação de uma mudança radical que decidi fazer em 2012. Desde o dia 2 de janeiro estou de dieta, mudei meus hábitos alimentares e minha vida toda como nunca fiz. Entre as mudanças, comecei a correr. Passo após passo decidi que precisaria de uma prova para me dar um incentivo e me inscrevi. Domingo, 7h, estarei na Mizuno Night Run para encarar 4km de concreto.

Não é a prova que me deu vontade de chorar. Sei que não estarei nem entre as 1000 primeiras a chegar. Meu objetivo é cumprir o desafio  correndo o máximo possivel. Na hora que ele falou que viria me veio a cabeça aquela tarde no Colégio Marista. Estava disputando um campeonato de basquete. Sempre fiz de tudo: basquete, handball, voley, ginástica olímpica, capoeira… abraçava qualquer coisa que me aparecesse na mesma velocidade que eu abandonava depois. Como sempre fiz muitas coisas, meus pais trabalhavam e eu também não era muito de falar, poucas vezes eles conseguiram estar presente. Também nunca fiz nada de excepcional, não era atleta olímpica, federada, nada disso. Era coisa de criança na escola. Mas como qualquer criança tudo é muito grande. Jemar é Olimpíadas, Jogos da Primavera é Copa do Mundo. E um dia aconteceu. Estava na quadra, no meio do jogo, olhei para a arquibancada e meu pai estava sentado lá. Foi escondido, entrou sem eu ver. Ao ser descoberto, deu um tchauzinho feliz da vida, no melhor estilo “vai filhona!” Nesse momento o jogo acabou. Não fiz nada, sequer um ponto. Nunca joguei tão mal.

Durante os meus treinos de corrida, chamei meu pai para correr junto. Ele até se esforçou segurando suas largas passadas para tentar me acompanhar. Comprou o frequencímetro que eu mandei só pra se mostrar empolgado para mim. Nunca meu coração foi tão na boca (182 bpm). Tentei também treinar com a minha irmã mais velha. Ela, que nunca correu na vida, deu duas voltas a mais em mim. E eu, de novo, com o coração na boca (176 bpm).

E você, que está lendo o meu texto e minha terapeuta que provavelmente ouvirá essa história amanhã, dirá que eu cresci, que não sou mais a mesma menina da quadra de basquete, que minha idade mudou assim como o tamanho da minha bunda, meus cabelos brancos e minha experiência de vida, que devemos fazer as coisas por si …. Conta outra!

A gente sempre continua fazendo as coisas para os nossos pais, querendo que o boletim vá para a porta da geladeira, que eles nos achem bonita, que aprovem nosso marido, torcendo para que eles amem os netos e esperando o abraço na linha de chegada. Mesmo que se finja que não.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            .

Bell Gama

Abril 2012

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                .

PS: Ao final desse texto, impossível não lembrar da minha sobrinha Manuela que aos dois anos faz acrobacias e diz: “Papai Shel, mamã, olha eu!”

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           .

Atualização: Bell mandou muito bem!!! Completou a prova com seu melhor tempo até agora!!! E eu a esperava na linha de chegada. Vai filhona!!!

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         .

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         .