Dedicado a todos meus amigos freelas
Quando um pai pergunta para uma filha o que ela quer ser quando crescer, ele nunca ouvirá a resposta “freela”. Ninguém quer ser o que não se sabe o que é. Mas é isso que eu sou hoje, “freela”.
REWIND
Na infância eu quis ser professora, Nadia Comaneci, jogadora de basquete e alquimista. Cresci demais para a ginástica olímpica e de menos para o basquete. Nunca encontrei o ouro e o magistério já era uma profissão para poucas heroínas que não ligavam para dinheiro.
Foto de quando fui “Nossa Senhora” na escola
FAST FOWARD
Quando meu boletim do 3o colegial apontou que eu era a 298a aluna dos 300 eu sabia que não me restavam muitas opções. Meus pais rezavam para que eu crescesse um dia. Eu rezava para ir embora da entediante Ribeirão Preto. Foi neste momento em que a diretora me chamou para um “teste vocacional”. Respondi que meus ídolos eram o Sílvio Santos (ainda é) e o Antônio Erminio de Moraes (WTF?). E o resultado foi: Relações Internacionais. Ela disse que eu deveria ser Diplomata (!). Como eu não sabia o que isso significava, me inscrevi em RI na PUC-SP, Relações Públicas na FAAP (porque eu queria muito estudar naquela faculdade de prédio bonito) e meu pai me obrigou a prestar vestibular de Direito na Unip. “Se nada der certo, você vai fazer direito, ser minha aluna, ter bolsa de estudo, ficar em Ribeirão e parar de fumar. Ponto.” Era a minha sentença por uma adolescência rebelde. Dois milagres nunca antes vistos aconteceram na história da humanidade: passei na FAAP em 9o lugar e não passei no vestibular da Unip. Quando se é premiada com a sorte grande, não se faz mais nada. Não prestei PUC, nem Fuvest. Fiquei na minha, peguei o Cometão, vim pra SP e entrei na FAAP.
MINI FAST FOWARD
E lá no Prédio 4 (que não é o bonitão da frente) você se descobre no meio de 50 alunos. Um dia, um professor maluco começa uma aula toda no escuro apenas com um isqueiro na cara. Pergunta o que é aquilo. Ninguém responde. Ele diz que aquilo não é aquilo e você descobre a Semiótica. E também descobre que não é ilegal fazer conta de calculadora, que é possível tirar 10 numa matemática que chama estatística. Descobre até que gosta de ler e sabe escrever. Descobre mais, que sabe trabalhar em grupo, que ama fazer televisão mas que não sabe o que fazer com tudo aquilo pra ganhar dinheiro. Mas seus pais já estão tão felizes de você fazer alguma coisa que até te dão uma boa mesada por mês.
MINI FAST FOWARD
Aí um dia você fica com a consciência pesada de usar o dinheiro deles para comprar Marlboro e cerveja e decide trabalhar. Você já está fora de casa e quer soltar a última amarra que tem com eles: grana. Então aceitei um trabalho de recepcionista de eventos. Ganhava R$ 35,00 (que muitas vezes ficava no transporte porque eu ía de táxi), usava salto e tinha que sorrir para médicos que participavam de uma convenção. Eu separava as VHS das cirurgias. Descobri que tinha médico que editava colonoscopia com a música do Titanic. Um dia eu tava tão exausta que cometi o pecado de me debruçar em cima de uma mesa. Tomei uma bronca tão grande que descobri o que é ter chefe. Aí uma amiga me disse que tinha um pessoal de uma ONG precisando de uma assistente de edição para um projeto que formava índios cinegrafistas. Eu não sabia direito o que era edição nem muito mesmo que existiam índios cinegrafistas. E assim passei um ano selecionando imagens para uma série de documentários que foi veiculada na TV Cultura sobre os 500 anos do Brasil. Fiquei maluca. Meu nome apareceu nos créditos e achei que era meu ápice na história da televisão brasileira. Foi aí que entendi o que era ser freela. Acaba o projeto, e você dá o fora e começa tudo de novo.
MINI FAST FOWARD
O tio da minha amiga trabalhava em uma produtora. Precisava de uma assistente de direção (direção do que?). Levei um álbum de fotos debaixo do braço e fui. Acho até hoje que ele achou graça daquilo mas eu queria tanto um emprego que ele confiou em mim. O que eu aprendi em um ano de set foi mais do que em qualquer escola. Entendi como funcionava um vídeo, um roteiro, uma edição, uma equipe, um cronograma, verba, o machismo e a hierarquia. Aprendi que o produtor é o primeiro a chegar e o último a sair, que o Diretor de Fotografia é o que demora mais (sempre) para fazer as coisas, que para a figuração o que importa é ter bastante comida. Vi que era possível editar a vida num vídeo com bg de fundo. Eu tinha achado. Era aquilo!
MINI FAST FOWARD
Aí, quando achei que sabia fazer aquilo me chamaram pra escrever umas coisas. Eu escrevia. Depois me pediram para gravar uma locução, eu gravei. Depois eu gravei uma reportagem, comecei a fazer pauta. E pronto, disseram que eu era jornalista. Para ódio alguns dos meus colegas que fizeram 4 anos de jornalismo eu tirei o MTB em dois dias. Era jornalista. Mas também não era. Era vídeo. Era texto. O que era mesmo?
“Mãe, eu tô na TV”
“Chama aquela menina que faz direção de vídeo, escreve, grava, edita e pede para ela cuidar do evento, da comunicação interna, do novo site, para criar uma campanha, pra escrever meu discurso”…. E a cada dia me pediam mais coisas. Aí surgiu um tal de Facebook, uma nova onda chamada Social Media e falaram: Dá para ela escrever aquilo, criar uma apresentação, criar um post, rascunhar um layout, fazer um branding, inventar uma estratégia, criar um treinamento, inventar uns personagens, dirigir uma celebridade, fazer um podcast, analisar um relatório…
PAUSA
E fui fazendo. Continuo fazendo. E vou continuar.
Aí olho minha conta no banco. Tenho uma vontade estúpida de ligar para o meu pai. Não ligo. Já sei o que ele vai dizer: “Filha, mas você trabalha tanto, como não ganha dinheiro, o que faz mesmo?”
É… pai, sou freela.
Momentos no último set
Bell Gama
Maio/2014
O vídeo dirigido pela Bell no freela acima
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=XNuFZMOCwAk[/youtube]