Posts with tag "Bell Gama"

A lua e o idoso

 

 

Manu (Bom-Dia, Domingo)

Foto de Bell Gama

 

 

Ontem, por mera coincidência, toca-me pegar Manuela na escola, sem atinar que era “Dia do Idoso”, mesmo porque isso nada tem a ver comigo.

Quando me aproximo da sala do “Grupo 3”, ela vem ao meu encontro, saltitante e festiva, proclamando aos quatro ventos:

— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…

E assim continua, saracoteando à minha frente, pelos corredores e pelo pátio até o portão de saída, ao embalo dos risos das professoras, da diretora, dos funcionários da escola, de mães e pais de outros alunos, do porteiro, do pipoqueiro, do sorveteiro e de quem mais por lá estava.

Já na rua, enquanto caminhamos até meu carro, depois de alguns protestos débeis e infrutíferos (“Não sou idoso, sou um menino antigo”; “Idoso é a vó!”), endureço o jogo:

— Se eu sou idoso então vou morrer logo.

— Não Babu, você vai viver mil anos! Vai buscar minha filha na escola, comprar pipoca e sorvete para ela.

— Vou sim.

— E sabe o que minha filha vai dizer pra você?

— O quê?

— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…

Mais tarde, a mãe passa em casa para pegá-la e, como de hábito, levo-a no colo para o carro, trocando abraços e beijinhos.

Ao descermos as escadas da varanda, ela vê a lua crescente que desponta entrecoberta pelas nuvens:

— Olha, Babu, a lua está acendendo!

Mas é nos meus braços que a lua loura cresce e acende a vida.

 

 

 

Gama-Gomes no verão de Paris 2014

 

                Bell Gama

bell gama

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma contagem regressiva de pouco mais de 200 dias nos trouxe novamente para Paris. No ano passado, em setembro, já havíamos feito a saudável loucura de alugar um apartamento no Marais e ficar a família toda por quase 20 dias desfrutando da cidade luz. No último dia desta viagem, com um brinde de Billecart Rosé nos prometemos que voltaríamos para ficar mais tempo.

E o dia era 17 de julho. Nos encontramos em Guarulhos. Desta vez, sem a Jú, que arrumou o emprego que tanto sonhava e teve que ficar em São Paulo (ela fará falta!). E, mais uma vez sem a minha mãe que aproveita a data para tirar férias de nós. Até a hora do embarque, Carol e eu não acreditávamos ainda na viagem. Ela repetia sem parar se era possível ser tão feliz.

 

Manu alimentando o Babu no caminho do aeroporto para Saint Germain

Manu alimentando o Babu no caminho do aeroporto para Saint Germain

 

Ao pisarmos em Paris e encontrarmos o sorriso largo do Raymond que mais uma vez nos buscou no Charles de Gaulle descobrimos que é possível ser tão feliz. Desta vez, optamos por um apartamento em Saint Germain. Apartamento incrível que descobrimos ser de um dos brasileiros que mais admiro. Ainda não vou revelar o nome porque essa é uma outra história e fica o suspense.

 

Manu faz a sua primeira pose na vizinhança

Manu faz a sua primeira pose na vizinhança

 

Adaptados, era hora do tradicional Monoprix. Mais uma vez, chocamos os franceses pela quantidade de coisas que compramos. Aqui, as pessoas compram o suficiente para uma refeição e/ou um dia. E nós (mania de brasileiros) enchemos o carrinho. Obviamente com duas Veuve Clicquot e duas Moet Chandon mais um tanto de vinho, outro tanto de cerveja, queijos incríveis, frutas, pães e tudo que a gente tinha saudade. Na hora de voltar para a Rue do Bac, 40 sentimos a pressão do calor francês. O termômetro marcava 34 graus e nosso corpo pingava de suor. Já percebi que vai ser uma temporada muito diferente do que estou acostumada. Tanto que escrevo esse texto de top, shorts e Havaianas (coisa que nunca usei em Paris).

 

Família Gama Gomes no Sena

Família Gama-Gomes no Sena

  

Muito cansados do voo lotado nos forçamos a cumprir a minha tradição. Pela sétima vez começo a minha viagem pelo mesmo lugar: um brinde na torre. O Babu escolheu um vinho Pinot Noir da Bourgogne (nada mais francês).

 

O brinde da Torre

O brinde da Torre

 

Então eu a vi. Ela estava lá me esperando de novo.

Agora, podemos começar.

Ela me espera todos os anos

Ela me espera todos os anos

 

Bell Gama

julho/2014

 

 

 

Freela

 

 

Dedicado a todos meus amigos freelas

 

Quando um pai pergunta para uma filha o que ela quer ser quando crescer, ele nunca ouvirá a resposta “freela”. Ninguém quer ser o que não se sabe o que é. Mas é isso que eu sou hoje, “freela”.

 

REWIND

Na infância eu quis ser professora, Nadia Comaneci, jogadora de basquete e alquimista. Cresci demais para a ginástica olímpica e de menos para o basquete. Nunca encontrei o ouro e o magistério já era uma profissão para poucas heroínas que não ligavam para dinheiro.

 

Também fui "Nossa Senhora" na escola

Foto de quando fui “Nossa Senhora” na escola

 

 

FAST FOWARD

Quando meu boletim do 3o colegial apontou que eu era a 298a aluna dos 300 eu sabia que não me restavam muitas opções. Meus pais rezavam para que eu crescesse um dia. Eu rezava para ir embora da entediante Ribeirão Preto. Foi neste momento em que a diretora me chamou para um “teste vocacional”. Respondi que meus ídolos eram o Sílvio Santos (ainda é) e o Antônio Erminio de Moraes (WTF?). E o resultado foi: Relações Internacionais. Ela disse que eu deveria ser Diplomata (!). Como eu não sabia o que isso significava, me inscrevi em RI na PUC-SP, Relações Públicas na FAAP (porque eu queria muito estudar naquela faculdade de prédio bonito) e meu pai me obrigou a prestar vestibular de Direito na Unip. “Se nada der certo, você vai fazer direito, ser minha aluna, ter bolsa de estudo, ficar em Ribeirão e parar de fumar. Ponto.” Era a minha sentença por uma adolescência rebelde. Dois milagres nunca antes vistos aconteceram na história da humanidade: passei na FAAP em 9o lugar e não passei no vestibular da Unip. Quando se é premiada com a sorte grande, não se faz mais nada. Não prestei PUC, nem Fuvest. Fiquei na minha, peguei o Cometão, vim pra SP e entrei na FAAP.

 

MINI FAST FOWARD

E lá no Prédio 4 (que não é o bonitão da frente) você se descobre no meio de 50 alunos. Um dia, um professor maluco começa uma aula toda no escuro apenas com um isqueiro na cara. Pergunta o que é aquilo. Ninguém responde. Ele diz que aquilo não é aquilo e você descobre a Semiótica. E também descobre que não é ilegal fazer conta de calculadora, que é possível tirar 10 numa matemática que chama estatística. Descobre até que gosta de ler e sabe escrever. Descobre mais, que sabe trabalhar em grupo, que ama fazer televisão mas que não sabe o que fazer com tudo aquilo pra ganhar dinheiro. Mas seus pais já estão tão felizes de você fazer alguma coisa que até te dão uma boa mesada por mês.

 

MINI FAST FOWARD

Aí um dia você fica com a consciência pesada de usar o dinheiro deles para comprar Marlboro e cerveja e decide trabalhar. Você já está fora de casa e quer soltar a última amarra que tem com eles: grana. Então aceitei um trabalho de recepcionista de eventos. Ganhava R$ 35,00 (que muitas vezes ficava no transporte porque eu ía de táxi), usava salto e tinha que sorrir para médicos que participavam de uma convenção. Eu separava as VHS das cirurgias. Descobri que tinha médico que editava colonoscopia com a música do Titanic. Um dia eu tava tão exausta que cometi o pecado de me debruçar em cima de uma mesa. Tomei uma bronca tão grande que descobri o que é ter chefe. Aí uma amiga me disse que tinha um pessoal de uma ONG precisando de uma assistente de edição para um projeto que formava índios cinegrafistas. Eu não sabia direito o que era edição nem muito mesmo que existiam índios cinegrafistas. E assim passei um ano selecionando imagens para uma série de documentários que foi veiculada na TV Cultura sobre os 500 anos do Brasil. Fiquei maluca. Meu nome apareceu nos créditos e achei que era meu ápice na história da televisão brasileira. Foi aí que entendi o que era ser freela. Acaba o projeto, e você dá o fora e começa tudo de novo.

 

MINI FAST FOWARD

O tio da minha amiga trabalhava em uma produtora. Precisava de uma assistente de direção (direção do que?). Levei um álbum de fotos debaixo do braço e fui. Acho até hoje que ele achou graça daquilo mas eu queria tanto um emprego que ele confiou em mim. O que eu aprendi em um ano de set foi mais do que em qualquer escola. Entendi como funcionava um vídeo, um roteiro, uma edição, uma equipe, um cronograma, verba, o machismo e a hierarquia. Aprendi que o produtor é o primeiro a chegar e o último a sair, que o Diretor de Fotografia é o que demora mais (sempre) para fazer as coisas, que para a figuração o que importa é ter bastante comida. Vi que era possível editar a vida num vídeo com bg de fundo. Eu tinha achado. Era aquilo!

 

MINI FAST FOWARD

Aí, quando achei que sabia fazer aquilo me chamaram pra escrever umas coisas. Eu escrevia. Depois me pediram para gravar uma locução, eu gravei. Depois eu gravei uma reportagem, comecei a fazer pauta. E pronto, disseram que eu era jornalista. Para ódio alguns dos meus colegas que fizeram 4 anos de jornalismo eu tirei o MTB em dois dias. Era jornalista. Mas também não era. Era vídeo. Era texto. O que era mesmo?

 

PGM

“Mãe, eu tô na TV”

 

“Chama aquela menina que faz direção de vídeo, escreve, grava, edita e pede para ela cuidar do evento, da comunicação interna, do novo site, para criar uma campanha, pra escrever meu discurso”…. E a cada dia me pediam mais coisas. Aí surgiu um tal de Facebook, uma nova onda chamada Social Media e falaram: Dá para ela escrever aquilo, criar uma apresentação, criar um post, rascunhar um layout, fazer um branding, inventar uma estratégia, criar um treinamento, inventar uns personagens, dirigir uma celebridade, fazer um podcast, analisar um relatório…

 

PAUSA

E fui fazendo.  Continuo fazendo. E vou continuar.

Aí olho minha conta no banco. Tenho uma vontade estúpida de ligar para o meu pai. Não ligo. Já sei o que ele vai dizer:  “Filha, mas você trabalha tanto, como não ganha dinheiro, o que faz mesmo?”

É… pai, sou freela.

 

Foto

 

bell

Momentos no último set

 

 

Bell Gama

Maio/2014

 

 O vídeo dirigido pela Bell no freela acima

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=XNuFZMOCwAk[/youtube]

 

 

 

Cidade Cinza

 

                Bell Gama

bell gama

 

 

 

 

 

 

 

Para uma menina que estava acostumada a pegar apenas o ônibus Jardim Irajá na esquina de casa, ir para o inglês no centro de Ribeirão Preto e voltar, São Paulo tinha tudo para ser assustadora.

Quando se mora no interior pouco se assusta. Você conhece as pessoas, a cidade, que horas o vizinho chega em casa, quem é a melhor doceira da cidade, onde comprar o uniforme da escola e quem traz coisas do Paraguai.

Cheguei em São Paulo em 1998. Eu não achava, mas era uma adolescente. São Paulo me fez mulher. Aqui trabalho, me apaixonei, desapaixonei. Aqui comprei minha casa e fiz meus amigos. Daqui fui para o mundo e voltei e vou e volto ainda repetidas vezes.

Hoje acordei às 8 horas da manhã para atravessar 11 quilômetros em uma hora. Tempo até que bom para uma sexta-feira. Antes de pegar a alça para a Avenida 23 de maio, me deparei mais uma vez com o mural dos Gêmeos, Nina e Nunca. Tirei uma foto, postei no Instagram.

A imagem do mural que vi tantas vezes ficou rondando a minha cabeça e me fez alugar o filme “Cidade Cinza” que conta a história de quando o mural foi apagado em 2008. Escrevo esse texto ainda com os créditos do filme subindo em minha tela. Ele conta brilhantemente a luta da arte contra o concreto.

Quando me mudei para São Paulo recebi muitas recomendações. Diziam-me que eu seria assaltada, que não poderia andar sozinha, que pegar transporte público era impossível e que criar uma família em São Paulo era uma coisa de louco.

Mas no meio de tanta contraindicação me encontrei. Todos os dias, olho para a minha janela que dá de frente para tantas outras janelinhas e vejo vida. Ouço crianças rindo, cachorros latindo, o cara do sorvete que passa assobiando todo dia às 5 horas, tem o sino da igreja e lá no fundo ouço um barulho da televisão de alguém. Não estou sozinha.

Não sei se eu mudei ou se foi a cidade. Não sei se São Paulo está mais corajosa ou eu. Mas nos últimos tempos, desde que decidi vender meu carro e comprar um CEP, assumi São Paulo para mim. Participei de manifestações, vou a eventos gratuitos, promovo junto com amigos um bloco de carnaval, as feiras de rua viraram um dos meus programas preferidos e privilegio todos os shows de rua possíveis.

Engoli o medo e parei de chamar o meu vizinho, o “Minhocão” de “Faixa de Gaza”. Calcei os tênis e o tomei como minha pista de corrida. Todas as noites, divido o espaço com alguns mendigos, mas também com outros tantos paulistanos que encaram o centrão às 9h30 da noite.

Em algum momento decidi: ou São Paulo é minha ou é do medo.

Ao assistir “Cidade Cinza”, percebi que os grafiteiros fazem o mesmo há muito mais tempo. Mesmo tendo sua obra de arte de mais de 700 m2 e tantas outras apagadas por uma horrorosa tinta cinza, eles continuam, refazem, repintam e marcam permanentemente essa cidade que faz de tudo para ser bonita.

Fiquei triste ao ver a politicagem em torno do mural. Enquanto o Sr. Kassab pousava para fotos e um bispo — que não sei por que estava no filme — “benzia” o mural e tantos outros secretários faziam cena, os artistas ficaram ao fundo.

Na minha São Paulo eles estão na frente, protagonistas, e agradeço todos os dias por enfeitarem meu caminho.

 

grafite Bell

 

“São Paulo, São Paulo”, com o Premê (Premeditando o Breque)

 

 

 

 

Ela faz cinema

 

                         Bell Gama

bell gama

 

 

 

 

 

 

 

 

Fade in.

A primeira vez em que ela o viu foi pelo view finder. A inglesa e rara Bell-Howell Super8 encontrada em um bazar despertou seu sonho antigo. Sempre quis ser cineasta. Agora, com a câmera nas mãos fazia seu primeiro filme. Ele era o protagonista.

Depois de muito mexer na câmera para tentar fazê-la funcionar, ela desistiu. Definitivamente não era cineasta mas a beleza da peça a contagiou. Não resistiu. Empunhou a câmera, repousou delicadamente seu olho no pequeno orifício e como num susto acabou fazendo uma panorâmica. Apesar de rápido, o movimento foi suficiente para que ela analisasse todas as quinquilharias expostas ali. Muitas pareciam ter sido retiradas de sua memória, da infância que parecia tão distante quanto o seu sonho em fazer um filme.

Ao final do movimento, ele. Tilt. Estava vestido de calça jeans, uma camiseta branca e um tênis despojado. Bastava. Achou bonito de costas. Gostou mais quando ele virou lentamente e mostrou seu rosto. Ela descobriu o zoom.

Ficou surpresa com aquela figura naquele lugar tão abandonado quanto a sua vida nos últimos tempos. Procurou tanto aquele physique du role e agora nem havia precisado fazer casting. Ele simplesmente circulava olhando atentamente cada um dos objetos expostos. Brincava focando e desfocando. Ele, o objeto. O objeto, ele. Ele pegou um ferrorama antigo. Acariciou a caixa.  Certamente também se lembrava de sua infância.

Quando já estava completamente encantada com o jeito que ele olhava para o trenzinho, sentiu sua mão escorregar e bater em um gatilho. A câmera disparou fazendo aquele barulho inconfundível de cinema. Seu coração disparou quick motion. Flash Foward.

Transportou seu pensamento para onde gostaria que fosse o clímax daquele filme. Pensou nele. Em seu apartamento. Lusco fusco. Seus olhares cruzando em slow motion. Sua boca em close up. A boca dele em close up. As duas bocas em close up. Precisava de BG? Desnecessário. O ruído da câmera girando o carretel embalaria o filme mudo dando a dramaticidade necessária para um momento como aquele.

Corte. Voltou em pensamento para o bazar. Perdeu a continuidade. Ele já estava dobrando a esquina. Um halo deixava o andar dele ainda mais bonito, mais poético. Long Shot. Ele, a rua, a tarde, a cidade. Seu filme.

Fade out.

 

“Ela faz cinema” (Chico Buarque), com ele

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=cGxtihukKiI[/youtube]

 

 

Aceite: Somos muitos

                    

                 Bell Gama

bell (bandeira do Brasil)

 

 

 

 

 

 

 

 

Nasci em 1979 – mais de dez anos depois do AI-5. Em 1992, ano do impeachment de Fernando Collor, eu tinha 12 anos. Lá pelos 14 anos eu acessei a internet pela primeira vez. Aos 18 anos tive meu primeiro e-mail. Em 2008 fiz uma viagem para Amsterdam e visitei a casa de Anne Frank. Foi somente a milhares de quilômetros do Brasil e com alguns anos nas costas que eu entendi o que era a restrição de direitos, a dita ditadura. Em 17 de junho de 2013 eu entendi o que é um manifesto político.

Explico tudo isso para que todos possam entender a emoção que senti ontem e tudo que estou sentindo nas últimas semanas. Sou uma entre milhares, milhões, da mesma geração.

Nasci no interior de São Paulo. Sou filha de funcionários públicos. Estudei em colégio particular e andava de ônibus apenas para ir às aulas de inglês. Andei de avião pela primeira vez na minha formatura do 3o colegial. Fui para Cancún pois o dólar estava um para um.  Sou branca. Me consideram classe-média alta.

Política sempre foi assunto chato para mim. Comunicação não. Entrei na faculdade de Relações Públicas em 1998. Na época estudava-se Marshall Mc Luhan para tentar entender o que seria uma aldeia global. Eu achava a ideia incrível, porém distante. Tão distante quanto a ditadura. Tão distante quanto eu me meter em política.

E um dia você acorda. Já é 2013 e já está tudo misturado. A aldeia global existe. Moro nela. E é por meio dela, do universo fascinante e real que se tornou a internet, que a política está se fazendo.

O Manifesto pelo Passe Livre, nascido e alimentado na internet, foi quem arrancou da garganta dos paulistanos o grito de basta. É pelos R$ 0,20 de aumento na tarifa do transporte público e também não é. Mas é também pelos R$ 0,20. Quem vive na internet sabe que não há conversa lógica, diálogo direto, linha reta. Se você não vive nesse novo mundo não vai entender. Por isso é difícil dar uma explicação reta e lógica para quem desconfia da manifestação política que trouxe vida ao país nas últimas semanas. Desculpe não conseguir explicar. O mundo não é mais reto e lógico também. Assim como as opiniões. É por isso que a cobertura da imprensa não dá conta de cobrir. É por isso que os políticos não conseguem entender as exigências. É por isso que a polícia trata com truculência o que não consegue identificar.  

Não é diálogo, é rede de opiniões.

Não é um grito, são várias vozes.

Não é uma exigência, é um desabafo completo.

Só uma coisa é igual: o povo precisou ir para as ruas para berrar, se fazer ouvir. E isso emociona a mim que nunca vivi, ao meu pai que viveu tudo isso e aqueles que ainda não têm nem idade para sair às ruas como eu em 1992.

Quer entender? Participe.

Quer ouvir? É preciso mais do que orelhas. É preciso também olhos para observar o entorno, tato para saber lidar e principalmente, coração aberto. 

E se depois de tudo isso se ainda quiser discordar… Tenha argumentos.

Tenho quase 1.000 amigos no Facebook. Mas ontem me juntei a quase 150 mil (para mim esse é o número oficial) de paulistanos que foram às ruas para serem ouvidos. Eu era muitos. E da beleza disso tudo não há como discordar. Aceite. 

 

Imagem

 

Bell Gama – Junho de 2013 

(Esse texto é dedicado aos meus filhos e netos que um dia terei)

 

 

Sobre a Virada

 

                   Bell Gama

bell (bandeira do Brasil)

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre a Virada… não sei se a minha opinão sobre a Virada Cultural importa muito. Mas tô um pouco engasgada. Vou ao evento desde a primeira edição. Apoio toda e qualquer iniciativa que levante o centro de cidade — local que escolhi para viver. Tenho amigos queridos (guerreiros) que trabalham nessas iniciativas. Por outro lado, já trabalhei também em veículos de comunicação de massa e sei como são feitas as coberturas. Há também jornalistas amigos (guerreiros) no meio. Já fui pauteira. Mandam-se os repórteres para os hospitais, postos policiais… Publica-se a foto de um show e buscam-se dados. Em meio de comunicação de massa, a linha é simples e a ênfase nos dados da violência é explicada da seguinte maneira: conte as estatísticas, dê fatos. Estatísticas são simplistas. Contam-se acidentes, mortes, assaltos. Não se contabilizam sorrisos. É assim e ponto 

Por outro lado (e há sempre um outro lado), há a cobertura feita pelas redes sociais (que ninguém mencionou). Acompanhei durante o tempo todo a cobertura no Twitter e no Instagram através das hashtags. O que vi nas redes foi uma Virada Cultural de gente feliz e ocupando o centro. Quem acompanhou a Virada Cultural por aí, viu uma virada diferente do que está sendo noticiada.

Diante da discrepância de opiniões, a minha é a seguinte: não dá para resolver os problemas de uma metrópole na Virada Cultural. Quem anda pelo centro, sabe o perigo que corre e não é porque é Virada Cultural que os problemas simplesmente somem. E para mim, a Virada existe para isso. Para tirar pessoas como eu, meu pai e minha irmã de suas casas e observar de perto como o centro está e como pode ser. Claro, fiquei com muito medo em alguns momentos. Assim como vi cenas lindas, vi cenas tristes. Mas, sinceramente, sabia que seria assim. Sei a cidade que moro e ao ir a Virada descobri mais um pouco dela. Para mim, a Virada serve para pôr foco em algo que muita gente não vê (ou finge que não). Por isso, a Virada Cultural é de suma importância e não pode ser analisada de maneira simples. Acho injusto jogar nas costas da Virada as críticas de toda uma cidade. Por isso, em relação a Virada, os questionamentos válidos são:

A segurança do evento pode melhorar? Todo mundo sabe que sim. É fácil fazer a segurança de um evento de 4 milhões de pessoas que quase nunca têm acesso a cultura, shows gratuitos, transporte 24 horas? Não.

A programação foi boa? Para mim, foi o melhor de todas as edições. Eclética, de qualidade, para todos.

O transporte durante o evento funcionou? Para mim sim, mas acho que ainda faltam bolsões com opção de táxi.

Falta sinalização? Muita. E essa é uma das maiores falhas da Virada. É difícil se localizar, chegar no outro palco, achar o caminho mais próximo, encontrar opções de banheiro, restaurantes, alternativas. 

Crítica ao que é da Virada. Aproveite o resto que você conheceu, para questionar a sua cidade e seus próximos prefeitos.

 

Bell Gama

 

 

viradacultural 2013

 

 

 

Das vantagens de ser tio (a)

 

             Bell Gama

 Bell-Estrela-Binária

 

 

 

 

 

 

 Eu não lembro quando o conheci. Um dia, aquele moço alto, com voz grossa e cheio de alegria estava na casa da minha avó. Ela dizia que ele era meu tio. Minha mãe dizia que ele era seu irmão e eu, ainda sem saber direito como a minha mãe podia ser algo de alguém sem ser minha mãe, acabei gostando daquele cara. 

Diferente de pai, vó, o dono da padaria ou qualquer outro adulto que conhecia, toda vez que ele me via, me pegava no colo, jogava para o alto, sentava no chão e brincava comigo. Fazia carinho, me dava bons presentes e me levava para passear em um buggy vermelho. Aos 4 anos, ele me colocava ao lado da minha irmã mais velha no tampão do porta-malas do buggy e acelerava pelas ruas de Ribeirão Preto. Sabia que aquele rapaz devia ser muito especial para que a minha mãe deixasse que ele fizesse isso com a gente. (e eu adorava!)

Seus cabelos cacheados o denunciaram. Um dia, em tom de segredo, confidenciei para a mina irmã: “Já sei quem é o tio. Ele é o Sérgio Mallandro”. Mito no SBT na década de 80, Serginho era um dos nossos ídolos. E eu tinha certeza, ele estava infiltrado na casa da minha avó para nos fazer mais feliz. Não sei como, mas noutro dia ele descobriu que sabíamos sua identidade secreta e entrou no jogo. De repente, escondido de todos os adultos ele fazia “glu-glu”. Era nosso código, compartilhávamos um segredo.

Já mais velha, vi que meu tio não era Mallandro. Era Hilário. Sim, esse é seu nome, reflexo de sua alma que esbanja alegria por onde passa. Talvez ele não saiba, mas meu tio me ensinou a missão de ser tia, papel que ao contrário de muitas mulheres, exerço com orgulho. Acho que só sou uma boa tia para a Manuela porque tive um tio exemplar, daqueles que tudo pode, com quem a mãe deixa fazer tudo, que volta a ser criança com a gente até mesmo quando já sou adulta.

 

 Bell e Hilário

 

Esse texto é dedicado com todo amor do mundo ao meu Tio Hilário e minha Tia Ana (que foi me dada de presente pelo meu tio).

 

Bell Gama

janeiro/2013

 

 

Sobre motoristas e passageiros

 

 

A homenagem da riberopretana Bell à sua São Paulo

 

                     Bell Gama

bell (bandeira do Brasil) 

 

 

 

 

 

 

 Era janeiro de 2004 e uma só frase rondava a minha cabeça “Non Ducor, Duco”. A inscrição da bandeira de São Paulo servira como mote para as comemorações dos 450 anos de São Paulo e eu era parte da festa. Na época eu trabalhava em uma produtora de eventos que promoveu um dos maiores desfiles que a cidade já viu. 450 carros antigos invadiram as ruas de São Paulo em um domingo de manhã para comemorar o aniversário. 100 carros saíram da zona sul, 100 da oeste, 100 da norte, 100 da leste, e os 50 mais raros estavam na Av. Paulista. A logística de conseguir uma sincronia para que todos andassem simultaneamente na avenida mais famosa da minha cidade (que escolhi para viver) durou meses de preparação. Junto com ela, um programa ao vivo. Foi meu primeiro programa ao vivo em rede nacional ao lado de queridos colegas de profissão. Com direito a entrevistar a Prefeita, ter ponto eletrônico no ouvido e ouvir a adrenalizante (existe essa palavra?)  frase “3, 2, 1… no ar… É com você, Bell!”. Os carros, que despertam a paixão e o ódio da maior cidade do país, foram o destaque da festa.

 

brasao_sao_paulo-769466

 
Os automóveis sempre estiveram na minha vida. Aos 7 anos eu dizia que já sabia dirigir a boa e velha Parati branca do meu pai. Aos 13, peguei escondido seu Opala Diplomata e aprendi a dirigir. Aos 16, roubava o Fiat Palio da irmã e ía sozinha para a escola me sentindo a mais livre das criaturas. No dia 1 de dezembro de manhã, ao completar 18 anos, estava  finalmente tirando a minha Carteira de Habilitação. Aos 20, arrumei o emprego nesta produtora de eventos e televisão que só trabalhava com automóveis. Me descobri jornalista sendo “jornalista automotiva”. Dirigi muitos carros. Daqueles de mais de três dígitos e bem mais do que uma centena de cavalos de potência que sei que nunca mais estarei no volante. Dirigi no Japão, na Alemanha, visitei a fábrica da Maserati e vi carros sendo produzidos manualmente. Escrevi para revistas especializadas, participei de eventos de lançamentos e até hoje sou convidada pela indústria para fazer roteiros para os automóveis. Enfim, sempre fui considerada uma menina que “manja” de carros.
 
Há mais de 2 anos tomei uma decisão radical. Vendi o meu carro. Comprei um apartamento, precisava de grana para a entrada. Na época todo mundo se assustou: Como você vai viver sem carro? Eu também não sabia. Aos poucos, encontrei novos caminhos. Vi que não ter carro em São Paulo me deixa ainda mais livre. Com o tempo, a paixão por dirigir se tornou uma dor de cabeça. Multas, IPVA, Renovação de Carteira, Revisões, Lei Seca, custos, custos, custos… Passei a ser uma má motorista. E não queria sujar minha ficha corrida. Perdi a carta e a paciência. Hoje, não tenho carro nem garagem.
 
As pessoas ainda se assustam com a minha decisão: Como você consegue viver sem carro? Simples: moro perto do metrô. Pego ônibus, táxi, compartilho carro e sou carona preferencial  dos meus amigos. Passei a ver a cidade com os olhos de passageira, dedicando cada momento a uma nova descoberta.  Hoje, ao cruzar a cidade pelo subterrâneo do metrô (sem fone de ouvido ou livro para ler) senti aquele prazer de ser anônima e ter um olhar turista… Reparei na moça chorando, no casal se beijando, na mãe dando bronca no filho, no rapaz compenetrado que lia uma apostila. Passei por várias estações notando suas diferentes personalidades. Eu sou linha vermelha com muito orgulho! Fico na estação Marechal Deodoro, mas o fim da minha linha é no meu time de coração “Corinthians/Itaquera”. Há quem odeie essa linha pois ela leva para a periferia da Zona Leste (Lost). Eu amo. A linha vermelha é a cara São Paulo. E por aqui tem esse bairrismo mesmo… Paulistano que é paulistano sabe a diferença da Linha Verde para a Azul.  Quando lançaram a Linha Amarela fiz questão de ser uma das primeiras a andar como  mesmo espírito que a gente leva uma criança para andar pela primeira vez no metrô. E não há estação tão bonita como a Sumaré.
 
 
metro marechal
 
 
Assim como a cidade, poucos metrôs ainda são conduzidos. Muitos se auto-conduzem. Assim como eu gosto de ser. São Paulo, que completa 459 anos nesta semana, ainda tem uma injustiça: todo mundo deveria ter um metrô para chamar de seu. Para assim poder conduzir o seu olhar para onde bem entender: para as ruas, no papel de motorista ou para a paisagem.
 
metrosp
 
 
 
Bell Gama/janeiro 2013