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Aqui dentro

       

         Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

Como diziam os antigos, é batata. O ritual de enfeitar o pinheiro do Natal de hoje, me traz a sala de ontem e a voz dela:

— Chega de correr! Olha a cristaleira! Agora vão lá pra fora que preciso desmontar os lustres!

Lá fora era um quintal assim de árvores. Bela tarde, ao chegarmos os três do último dia de aula, para nos premiar pelo boletim e celebrar as férias, ela havia prendido com palitos e linha um monte de goiabas nos galhos. Surpresos com o pé “carregadinho” e ansiosos por comê-las, nem percebemos.Valia tudo para nos ver felizes…  Ô, mãe.

A limpeza dos lustres correspondia, digamos, ao lançamento dos CDs de Roberto Carlos: enfim, chegara o Natal. Com gestos calmos, meticulosos, ela desmontava peça por peça, banhava-as numa bacia sobre a mesa forrada com cobertor, secava uma a uma, e as olhava contra a luz. Reverberavam. (Hoje sei que o brilho era dela.)

Apesar da bendita cristaleira, era aconchegante aquela sala de sancas desenhadas, piso de parquet enceradindo, pequenas colunas de mármore, tapeçaria reproduzindo cena das arábias do pai, piano com metrônomo e partituras empilhadas…

Ele, com seu sotaque de Chalita, também arregaçava as mangas: começava o preparo dos disputados ataif – pastéis árabes de massa de crepe, recheados com nozes, amêndoas, avelãs, e regados com calda de água de laranjeira. _  Selmínia, vem brovar bastel!  Ô, pai.

Cadê tudo, hein? Onde o avental todo sujo de ovo, a máquina de costurar minhas fantasias, o Studebaker de passear aos domingos, a chuvarada com a gente soltando barquinhos, o balanço da varanda, aquela sala, nossa casa sempre branca…

Só sei dos pilares. E dos barquinhos.

barquinhos

 

 

 

Deslimite

 

 

Deslimite (Selma)

 

                                                           Deste cais

                                                           De revoos

                                                           E migração dos sonhos,

                                                           Sob sol e azul

                                                           Em deslimite,

                                                           O poema, em vertigens,

                                                           Insiste.

 

Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=86_SUeOWXmI

“Vieste” (Ivan Lins / Vitor Martins), com Lenine

 

 

 

MOLIÈRE E LUMIÈRE, ESTÁ DIFÍCIL…

 

      Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

Não faz muito, Keith Jarett abandonou o palco da Sala São Paulo desculpando-se com os que não o fotografaram, mas havia sido expressamente pedido que não o fizessem. Fernanda Montenegro, tentando inovar, substituiu as três tradicionais batidinhas de Molière por três pedidos seguidos para que desligassem o celular. No último deles, até simpático, perguntava: “Vocês têm certeza de que desligaram?”. Perguntem se tocou algum.

É impressionante como a arrogância, a esperteza e a incivilidade de certos idiotas conseguem estragar nosso prazer. Outro dia, no cinema, fui vítima do “golpe da poltrona”. Com o assento previamente escolhido – sempre na ponta por causa das pernas compridas – , eis que o jovem casal vizinho me pede para trocar porque a moça estava enjoada e, se precisasse ir ao banheiro, não iria me incomodar. Concordei apiedada. Não é que a criatura não se levantou nem uma vez e ainda gargalhou o filme inteirinho? E eu ali, enlatada.

De outra feita, assistindo a um drama longo, denso, cheio de avanços e recuos na narrativa, não consegui me concentrar. Saí sem saber “quem matou Odete Roitman”, acreditam? Criatura ao lado passou os 138 minutos saboreando lentamente seu gigapacote de pipoca. A cada unidade que garimpava no saco, o papel fazia barulho. A cada engolida, ela se contorcia para pegar e recolocar o refrigerante naquele maldito buraco no braço da poltrona. Ao acabar, ainda ficou um tempão amassando as embalagens. O acompanhante? Dormia. Roncava! Como um temporizador, ela o cutucava. E eu estremecia.

Queridos, esta adoradora da telona e do escurinho do cinema joga a toalha.

Aquele “em breve, numa sala perto de você” será ao pé da letra. Sala de casa mesmo.

 

cinema (Selma) 

 

 

Comi azul, minha vida então mudou

 

           Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

Sei. Já experimentou todo tipo de dieta. A velha calça desbotada ou coisa assim não entra nem em sonho. Que tal a penúltima cartada? “Dieta dos óculos”. Nada a perder. A não ser $20 e o apetite.

Baseada em estudos científicos de que tons azulados acalmam a central da fome, de expediente no cérebro, a empresa japonesa Yumetai criou óculos cujas lentes deixam a comida azul disgusting e você sai correndo, o que também ajuda a emagrecer. Ah, as lentes ainda bloqueiam o vermelho, vilão estimulador de apetite.

A dificuldade para entender a origem do fenômeno já leva 300 gramas molinho, molinho. Há cerca de 4 bilhões de anos, numa poça de caldo primordial e após a terra ter esfriado, um raio de luz dextrógiro – que desvia a luz para a direita – incidiu sobre a molécula orgânica fazendo com que os seres vivos viessem a se alimentar de produtos que desviam a luz para a direita. E – uau! – o azul desvia para a esquerda. Não é o máximo?

Mas, como nada é perfeito, a “dieta dos óculos” apresenta dois problemas para a blogueira: deixá-la com cara de hippie entediada e convencê-la de que chocolates azuis não são… os melhores do mundo.  🙂 

 

comida azul

 

 

 

 

 

Vampiros nossos de cada dia

 

 

Dois animais, por asquerosos e irritantes, tiram-me do sério.

Um é o morcego, esse rato alado que, Bolsa Amêndoa garantida, se instala com a família nas árvores em torno de casa. Mal o sol se põe, eles batem ponto, obrigam-me a recolher os brinquedos e a chispar do jardim. O mais velho deles, imenso, sente-se posseiro, e toda santa tardinha faz o mesmo percurso: rasante na piscina, sobrevoada de inspeção na varanda, e lá se vai farfalhante, feliz da vida por me azucrinar e desconcentrar da leitura.

Dia desses, sozinha em casa, no computador do quarto, senti algo passar muito rápido por trás de mim. Só deu tempo de agarrar o celular, me trancar no closet, telefonar para os gêneros masculinos, pedir que encontrassem a criatura viva ou morta e me resgatassem dali. Sufoco.

O outro animal é o político, esse vampiro dos cofres públicos que, Bolsa Cretinice garantida, se instala nas árvores frondosas com seus acólitos (entre outras morcegadas). Incapaz de solucionar nossos graves problemas, também nos obriga a abandonar o jardim. Afinal, não se brinca com voo rasante de balas perdidas. Coincidente é que o mais graúdo deles, o “cara” do morcegal, também se acha posseiro e sai atropelando tudo.

Para minimizar o assédio dos morcegos do jardim, basta podar alguns galhos das amendoeiras. Solução simples, embora temporária.

Quanto às outras criaturas horripilantes, está mais complicado, sem prazo. Padecendo de terrível mutação, pululam feito bactéria. Crescem-lhes multiformes caras, feitas do mesmo barro, quase lama. E estão podres os galhos. Todos.

 

Espanando estrelas

 

          Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

Não há engenhoca eletrônica com que minha adorável colaboradora do lar não “garre” amizade. Monta e desmonta juicer de última geração, identifica chamadas diferentes de telefones com painéis complicados espalhados pela casa, baila com o vaporetto, enfim, destrincha “de um tudo” com a maior rapidez. Claro que ela caiu na rede e virou peixe. Já rolou até e-mail em final de semana lembrando-nos de que iria precisar de farinha integral para 2ª feira. Bom, né?

Daí que vocês podem imaginar o mau jeito da criatura quando comprei, meses atrás, um prosaico e pré-histórico espanador para objetos e cantinhos delicados de prateleiras. Foi hilário vê-la analisando aquele OVNI, sentindo suas penas, girando-o nas mãos, cabreiríssima.

Lembrei da cena ao ler interessante reportagem sobre os objetos e profissões que se foram com a “evolução do progresso” e os inimagináveis que virão, num horizonte nem tão distante assim, graças ao mundo digital. Até como exercício de criatividade vale ficar imaginando as ocupações do futuro.

Pensando também no assunto, o site Cracked.com lançou uma campanha convidando seus internautas a enviarem sugestões de profissões bizarras que um dia teremos. Apareceu de tudo, gente:  entregador de jornais eletrônicos, frentista e faxineiro espacial, terapeuta de casais formados por robôs, técnico de uma nova Death Star e, ironizando o aquecimento global, até professor de surfe no Alasca. Confiram lá.

E os queridos do blog, alguma ideia do que vocês vão ser quando crescerem? Eu quero ser poeta.

Em uma galáxia qualquer. A gente se esbarra.

 

espanador

 

 

 

 

Desvios de rota

 

Vogue-Kids2

 

 

 

A edição de setembro da “Vogue Kids” brasileira causou polêmica ao publicar no ensaio “sombra e água fresca” fotos sensuais de meninas com a blusa levantada, calcinha aparecendo e fazendo poses sensuais.

O caso foi parar na Justiça, que suspendeu a distribuição da revista e determinou a retirada de circulação dos exemplares já distribuídos.

Em tempos desgraçadamente pedófilos, fotos assim me causam, no mínimo, desconforto.

A “Vogue” é uma revista internacional de respeito e tida como refinada, mas não é a primeira vez que assim procede. Na segunda foto acima, capa da “Vogue” francesa de agosto de 2011, caras e bocas de uma garota de 10 anos. Na outra, lançamento de lingerie para meninas de 4 a 12, com a criançada exposta em superprodução de culto ao corpo como objeto de sensualidade. Exagero meu?

Claro que um dia desfilamos pela casa com a boca borrada de batom vermelho, colares, brincos e óculos imensos, tentando equilíbrio nos saltos altos da mãe. Mas nossa sexualidade ia sendo naturalmente descoberta, em flashes  indefiníveis, fosse no encontro do pique-esconde, no salada mista, nos desvãos do quintal… Sem pressa, sem queimar etapas.

Em excelente artigo, Francisco Bosco já abordou esse “esvaziamento da infância, em tempos de acesso irrestrito, via internet, a códigos comportamentais, sexuais e emocionais do mundo adulto.” Compartilhava, inclusive, da sugestão do não menos brilhante Wisnik, mentor do híbrido “adultolescência”: uma vez que “ser adulto tornou-se um ato heroico e ser criança, quase impossível”, tornemo-nos maduros e poéticos, como quem “conclui os processos da maturidade sem deixar de arder.”

A verdade? Temo pelo amadurecimento de crianças como as das fotos. Por sua poesia, então…

 

          Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

 

“As minhas meninas” (Chico Buarque)

[youtube] http://www.youtube.com/watch?v=-qyBkb3zdG4[/youtube]

 

 

 

Fale fino, mas longe de mim

 

 

 

Senhores, à guisa de consulta, estaria em processo alguma mutação genética na voz das mulheres? Por que tantas com timbre infantilizado, esganiçado, similar a gravações distorcidas de testemunhas? Tortura ouvir certas cantoras (só Billie podia), candidatas, atrizes, repórteres, apresentadoras, entrevistadas anônimas nas ruas e, céus!, manicures gasguitas conversando por sobre a clientela imobilizada pelos alicates.

Tem uma comentarista de economia que me leva a desentendimento diário com tevezinha, velha companheira para “furos de reportagem” que mantenho ao lado do computador da Redação. Fica ali, a fofa, batendo parada e baixinho na mesma estação, até que entra a criatura do Dow Jones com aquela voz exasperante e, como se não bastasse, com o cacoete de ralentar o final de cada frase, escandindo as sílabas. Levo alguns minutos para perceber a jugular inflando e aí… sobra para tevezinha. Mute no queixo.

Tal sensibilidade a latomias e cacarejos femininos estridentes não vem de hoje. Um dos meninos, ainda no ninho, ao descobrir a neura, sem que eu percebesse mudava tevezinha para um canal japonês e saía do ambiente. Escondia-se, às gargalhadas, esperando que eu desse pela coisa e partisse para cima dele com a sapatada voadora. Que nunca acertei, diga-se.

Estou sozinha em minha aversão e percepção do agravamento do problema?

 

 

Selma Barcellos

 

 

 

Poeminha difuso

 

              Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                           no muro caiado

                                                           marcas do giz

                                                           no verso inacabado

                                                           o jasmim reflorido

                                                           (como na tarde em

                                                           que me chegaste)

                                                           as luas da varanda

                                                           as canções no vento

                                                           de primaveras tantas:

                                                           murmúrios inconclusos

 

                                                           Questão de fuso?

 

                                                                                                      Itacoatiara, outra vez setembro

 

 

 

 

Lembranças

 

 

Como disse Selma Barcellos,

“Com uma lua dessas ele se vai…

Mas a manhã será luminosa.”

E depois do triste adeus

ficarão para sempre as lembranças…

 

 

“Lembranças” (Benil Santos / Raul Sampaio), com Miltinho e João Bosco