Selma Barcellos
Como diziam os antigos, é batata. O ritual de enfeitar o pinheiro do Natal de hoje, me traz a sala de ontem e a voz dela:
— Chega de correr! Olha a cristaleira! Agora vão lá pra fora que preciso desmontar os lustres!
Lá fora era um quintal assim de árvores. Bela tarde, ao chegarmos os três do último dia de aula, para nos premiar pelo boletim e celebrar as férias, ela havia prendido com palitos e linha um monte de goiabas nos galhos. Surpresos com o pé “carregadinho” e ansiosos por comê-las, nem percebemos.Valia tudo para nos ver felizes… Ô, mãe.
A limpeza dos lustres correspondia, digamos, ao lançamento dos CDs de Roberto Carlos: enfim, chegara o Natal. Com gestos calmos, meticulosos, ela desmontava peça por peça, banhava-as numa bacia sobre a mesa forrada com cobertor, secava uma a uma, e as olhava contra a luz. Reverberavam. (Hoje sei que o brilho era dela.)
Apesar da bendita cristaleira, era aconchegante aquela sala de sancas desenhadas, piso de parquet enceradindo, pequenas colunas de mármore, tapeçaria reproduzindo cena das arábias do pai, piano com metrônomo e partituras empilhadas…
Ele, com seu sotaque de Chalita, também arregaçava as mangas: começava o preparo dos disputados ataif – pastéis árabes de massa de crepe, recheados com nozes, amêndoas, avelãs, e regados com calda de água de laranjeira. _ Selmínia, vem brovar bastel! Ô, pai.
Cadê tudo, hein? Onde o avental todo sujo de ovo, a máquina de costurar minhas fantasias, o Studebaker de passear aos domingos, a chuvarada com a gente soltando barquinhos, o balanço da varanda, aquela sala, nossa casa sempre branca…
Só sei dos pilares. E dos barquinhos.