Assisti a uma entrevista de José Saramago, como sempre lúcido e instigante, ainda que fisicamente combalido depois de superar uma pneumonia que quase o matou.
Indagado a respeito disso, se ao longo da enfermidade chegara a ter medo de morrer, respondeu que embora não tenha temor algum da morte, jamais chegou a pensar que iria morrer por causa da doença, conquanto soubesse que o seu estado era grave. Sentia tamanha serenidade, que não podia cogitar que estivesse morrendo. Só depois que se achava fora de perigo, teve consciência de que escapara por muito pouco. Aliás, o livro que veio lançar no Brasil, “A Viagem do Elefante”, dedicou-o carinhosamente “A Pilar, que não deixou que eu morresse”.
Sabe-se de muitas experiências semelhantes, de pessoas que estiveram às portas da morte e relataram depois, com uma ou outra diferença, a sensação de bem-estar, de apaziguamento, de plenitude. Os idiotas da objetividade — como os designava a verve insuperável de Nelson Rodrigues — terão explicações físicas e científicas para isso, como a produção de endorfinas e outras substâncias pelo organismo, a falta de oxigenação do cérebro e quejandos.
Ao ouvir Saramago, a mim me acorreu a perplexidade de sempre diante da condição humana, dos sortilégios da vida e da morte. Aqueles mesmos idiotas dirão que me falta fé ou que deveria me submeter a algum tipo de terapia psicanalítica.
Mas essa perplexidade talvez seja a própria razão vital, o próprio tônus da existência, que se vai exaurindo quando nos aproximamos do perecimento. Eros e Tânatos.
É a incompreensão, o inconformismo, a busca de explicação que nos impele adiante, que impulsiona a filosofia, a arte, a ciência, a própria trajetória humana, enfim.
Afinal, haverá um fim em tudo ou o fim de tudo?