Posts from janeiro, 2009

Parábola do Anjo Manco

 

 

“Quando nasci, um anjo torto

Desses que vivem na sombra

Disse: “Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

(Poema de Sete Faces, Carlos Drummond de Andrade)   

 

 

                        Quando o poeta nasceu, um anjo manco saiu das sombras e lhe perguntou: 

                        — Queres mesmo ser poeta? Por quê? 

                        — Sim, quero, porque é a única coisa que posso ser, respondeu-lhe o poeta. 

                        — Podes ser o que quiseres. Toma desta folha em branco. Nela estão todas as possibilidades. É a tua vida. Escreve-a. Poderás fazer o que quiseres. Viajar por todos os lugares. Mas não demores muito. Logo a noite virá.

                        Dito isso, o anjo manco tornou às sombras. 

                        A noite chegou, e encontrou o poeta diante da folha em branco e de todas as possibilidades.

                        Assim ele permaneceu por algum tempo mais. Súbito, levantou-se, apanhou uma caixa de fósforos, ateou fogo na folha em branco. 

                        Depois, foi até a janela e lançou ao vento as cinzas, que se espalharam no ar e mansamente deitaram à terra, semeando-a com todos os versos que aguardam ser escritos.

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A primeira metáfora

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Praia de Copacabana, 1956   

 

 

                        Conheci o mar e o Rio de Janeiro aos três ou quatro anos, quando, com meus pais, ficamos hospedados no apartamento da querida Tia Lula (irmã do meu avô materno), em plena Avenida Atlântica, posto 4.

 

                        Ainda me lembra perfeitamente que chegamos já de noite, e enquanto os adultos conversavam, fiquei em pé num sofá encostado abaixo do vitrô da sala, olhando para o mar defronte, extasiado com o barulho das ondas e com as espumas brancas que avançavam pela areia.

 

                        Na manhã seguinte (creio que era sábado ou domingo) fomos à praia, mas, assustado com o trânsito, a multidão e o barulho, me abriguei no colo da minha mãe para atravessarmos a avenida.

 

                        À medida que nos aproximávamos da areia, cruzando a famosa calçada de Copabacana, eu ainda no colo, fui sendo tomado por intensa euforia, até que, não aguentando mais, disse: “Mãe, me põe no chão depressa que as minhas pernas estão alegres”.

 

                        Fiquei famoso em família pelo dito gracioso, que meu pai, pilheriando, considera minha primeira metáfora.

 

                        Poetinha canhestro, não terei feito outras melhores desde então.

 

                        O menino cresceu, e muitos anos depois ele e a mulher levaram a primeira filha, então com onze meses, para conhecer o mar de Santos, onde morava o padrinho dela.

 

                        Ao chegar na praia do Gonzaga, com a pequenina no colo, ela começou a agitar freneticamente as perninhas e a inclinar o corpo, para ser posta logo no chão. Uma vez na areia, saiu engatinhando (ainda não andava bem) em incrível disparada na direção do mar, obrigando que o antigo menino, transmudado em pai, corresse para acompanhar e proteger a filha .

 

                        A metáfora era a mesma, mas muito melhor.      

Voo livro

 

Com o braço gessado

sou passarinho

de asa quebrada

retido em pouco ninho.livro-aberto1

Salva-me o livro, que aberto,

parece ave em pleno voo,

a me levar daqui de perto

por todo o horizonte

que em mim povoo.

O jardim do Presidente

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                        O filme norte-americano Muito Além do Jardim (Being There), baseado no livro O Videota, de Jerzy Kozinsk, tem como protagonista um homem de meia-idade (Chance, interpretado pelo grande Peter Sellers), cuja experiência de vida restringe-se à casa do patrão milionário e recluso, em Washington, DC, onde passava os dias cuidando do jardim e vendo televisão.

 

                        Obrigado a deixar o casulo, após a morte do protetor, seu comportamento inusitado e o linguajar simplório (sempre se referindo ao seu ofício de jardineiro e ao que tinha visto na televisão) são tomados como excentricidades e parábolas de um grande gênio, capaz de enfrentar como o próximo Presidente, a ser consagrado nas eleições que se avizinham, a gravíssima crise que a economia do país atravessa.

 

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                        Numa das melhores cenas, a velha empregada do falecido patrão de Chance, a quem conhecia desde criança e bem sabia tratar-se de um idiota, ao vê-lo pela televisão sendo entrevistado por um famoso jornalista, e ovacionado pelas respostas estúpidas, tidas como plenas de ironia e significados ocultos, comenta amargamente com os familiares, todos eles negros: “A América é mesmo só dos brancos!”.

 

                        Trinta anos depois (o filme é de 1979), toma posse o primeiro Presidente negro (e filho de mulçumano) dos Estados Unidos da América do Norte, Barack Hussein Obama, depositário das esperanças de que, como um bom e fiel jardineiro, possa recuperar a terra arrasada da economia nacional.

 

                        A arte imita a vida ou a vida imita a arte?

 

 

obama

Férias!

 

Alvíssaras!

Saio de férias,

brevíssimas.

Mesmo assim,

na vida boa,

ressoam em mim

os versos de Pessoa:

 

 

“Ah a frescura na face de não cumprir um dever!

Faltar é positivamente estar no campo!

Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!

Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.

Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,

Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.

Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.

Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.

É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,

Deliberadamente à mesma hora…

Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.

É tão engraçada esta parte assistente da vida!

Até não consigo acender o cigarro seguinte… Sé é um gesto,

Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.”

 

 

Atualização:   Minhas férias foram ainda mais breves do que previsto. Na primeira onda do mar de Ipanema, caí ridiculamente de bunda, apoiei com a mão esquerda e quebrei o punho. Diagnóstico do Dr. House: caso cirúrgico, para colocar uma placa de fixação. Já de volta a Ribeirão, cirurgia marcada para quinta-feira, dia 22, às 14 horas. Procedimento simples, sem gravidade. A recuperação será total, sem sequelas, segundo os médicos. Torçam por mim, mas não há motivos para preocupação. Rockmann, obrigado pela carinho, mas se me tratar de “senhor” de novo, corto relações.

Amigos à parte 2

 

“É bom sentá-lo novamente ao lado

Com olhos que contêm o olhar antigo

Sempre comigo um pouco atribulado

E como sempre singular comigo.”

(Soneto do Amigo, Vinicius de Morais)

 

                        José Márcio Castro Alves tem nome de poeta, e seu nome é uma redondilha maior.

                        É um dos sujeitos mais talentosos e de fina sensibilidade que conheço (outro amigo da maturidade). Músico, compositor, fotógrafo, documentarista, cinegrafista, e por aí vai. Com parcos instrumentos, máquina fotográfica e filmadora comuns, um computador caseiro, realiza verdadeiros prodígios artísticos.  

                        Maior do que seu talento, só mesmo sua modéstia. Não faz questão alguma de ser reconhecido ou famoso. Não dá a menor bola para dinheiro ou sucesso. Diz que precisa de muito pouco para viver, e quanto a isso, como em tudo o mais, é absolutamente sincero.

                        Chega a ser arredio, com medo de ser inconveniente. Mas se precisar dele é só chamar, está sempre pronto a ajudar no que puder. 

                        É um grande papo, porque é um grande ouvinte. Daqueles que nos leva a destravar a língua, e só de vez em quando pontua seus comentários oportunos e instigantes, que nos levam a falar ainda mais.

                        De repente some em longas viagens, a trabalho ou apenas por prazer.  

                        Quando enfim reaparece, como agora, é sempre uma festa. 

Big Brother

  

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                        Começou mais um Big Brother. O nono. Jamais pensei que o programa(?), passada a novidade, resistisse tanto tempo. Deve haver, pois, um público cativo imenso, embora desconfie muito dos números estratosféricos divulgados pela emissora.

 

                        Longe estou de ser moralista ou dono da verdade. Muito pelo contrário. As mulheres da minha vida — que são as pessoas que mais amo e prezo neste mundo, e fazem de mim o que bem entendem — adoram a atração televisisa, acompanham, comentam e se divertem. Inevitavelmente acabo pegando uma carona de vez em quando.

 

                        Mesmo assim, considero o tal programa(?) a manifestação e a exploração do que há de pior no ser humano.

 

                        Apesar de gostar muito de George Orwell (do homem e da obra), desde que me caiu às mãos A Revolução dos Bichos (Animal Farm), de ser 1984 um livro cult, e de saber da sua aterradora e sinistra premonição, esperei pacientemente, por um requinte de satisfação, para ler o romance no próprio ano de 1984, quando vivíamos os estertores da ditadura militar iniciada em 1964. Li numa velha edição de 1957, da Companhia Editora Nacional, com tradução de Wilson Velloso.

 

                        O exemplar, que pertence (ou pertencia) a meu pai, ainda está comigo. É uma modesta brochura, com uma capa retrô e deliciosamente kitsch, em vermelho e preto sombrios, o título destacado em números garrafais que se projetam, entremeados de singelos desenhos de “olhinhos”, com fachos de luz ao fundo (não sei definir se de holofotes ou de explosões ). Abaixo, o tosco e pequenino perfil de um casal que se abraça.

 

                    Era um dia frio e ensolarado de abril, e o relógios batiam treze horas. Winston Smith, o queixo fincado no peito numa tentativa de fugir ao vento impiedoso, esgueirou-se rápido pelas portas de vidro da Mansão Vitória; não porém com rapidez suficiente para evitar que o acompanhasse uma onda de pó áspero.

                        O saguão cheirava a repolho cozido e a capacho de trapos. Na parede do fundo fora pregado um cartaz colorido, grande demais para exibição interna. Representava apenas uma cara enorme, de mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços rústicos mas atraentes. Winston encaminhou-se para a escada. Inútil experimentar o elevador. Raramente funcionava, mesmo no tempo das vacas gordas, e agora a eletricidade era desligada durante o dia. Fazia parte da campanha de economia, preparatória da Semana do Ódio. O apartamento ficava no sétimo andar e Winston, que tinha trinta e nove anos e uma variz ulcerada acima do tornozelo direito, subiu devagar, descansando várias vezes no caminho. Em cada patamar, diante da porta do elevador, o cartaz da cara enorme o fitava da parede. Era uma dessas figuras cujos olhos seguem a gente por toda parte. O GRANDE IRMÃO ZELA POR TI, diz a legenda.

                        Dentro do apartamento uma voz sonora lia uma lista de cifras relacionadas com a produção de ferro gusa. A voz saía de uma placa metálica retangular semelhante a um espelho fosco, embutido na parede direita. Winston torceu um comutador e a voz diminuiu um pouco, embora as palavras ainda fossem audíveis. O aparelho (chamava-se teletela) podia ter o volume reduzido, mas era impossível desligá-lo de vez.

 

(…)

 

                     A voz da teletela estava ainda falando de prisioneiros, presa e matança, mas lá fora a gritaria diminuíra um pouco. Os garçons tinham voltado ao trabalho. Um deles aproximou-se com a garrafa de gim. Winston, imerso num sonho bem aventurado, não reparou quando lhe encheram o copo. Já não corria nem dava vivas. Estava de volta ao Ministério do Amor, tudo perdoado, a alma branca de neve. Estava na tribuna dos réus, confessando tudo, implicando todos. Ia andando pelo corredor de ladrilhos brancos, com a impressão de andar ao sol, acompanhado por um guarda armado. Por fim penetrava-lhe o crânio a bala tão esperada.

                        Levantou a vista para o rosto enorme. Levara quarenta anos para aprender que espécie de sorriso se ocultava sob o bigode negro. Oh, mal-entendido cruel e desnecessário! Oh, teimoso e voluntário exílio do peito amantíssimo! Duas lágrimas cheirando a gim escorreram de cada lado do nariz. Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. Finalmente lograra a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande Irmão.

 

                        Qualquer semelhança não será mera coincidência.

 

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Santo domingo

 

                        No último domingo, a manhã já ia alta quando acordei. Há muito tempo que isso não me acontecia. Cada vez durmo menos, e acordo mais cedo.

 

                        Em algumas noites a insônia me faz companhia. Já me convenci de que não adianta brigar com ela. Quem tenta brigar com a insônia, perde o sono tentando.

 

                        Já li em algum lugar que o insone é um vivente compulsivo. Talvez seja esse o meu caso. Ou simplesmente esteja ficando velho. Só os bebês (e os puros como eles) dormem como anjos.

 

                        Acordar tarde me deixou de mau humor. Emburrado, e querendo recuperar o tempo perdido, enquanto tomava um café forte e lia o jornal, liguei a televisão.

 

                        Por sorte, estava sintonizada na TV Cultura, onde começava o programa “Sr. Brasil”, do Rolando Boldrin, a quem conheci na minha infância, em São Joaquim da Barra. Ele já era então “artista”  (o que muito orgulhava os joaquinenses) e começava sua carreira na antiga TV Tupi, a maior emissora da época.

 

                        Apesar do imenso talento e do sucesso merecido que alcançou como cantor, compositor e ator, Boldrin não mudou nada. Continua o mesmo sujeito bonachão, contador de “causos” e grande conhecedor da cultura popular. Sem nenhuma máscara.

 

                        Revê-lo já me fez bem. Mas, me senti melhor ainda quando ele, depois de declamar uma parte do poema ”Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira, perguntou para um outro sujeito que estava ao seu lado: “E você, Jessier, vai pra onde?”. Ao que o outro respondeu: “Ah, vou-me embora pro passado, no rastro da Bandeira de Manoel”, para em seguida desfiar, num delicioso sotaque nordestino:

 

jessier-quirino1

 http://www.jessierquirino.com.br/

 

“Vou-me embora pro passado

Lá sou amigo do rei

Lá tem coisas “daqui, ó!”

Roy Rogers, Buc Jones

Rock Lane, Dóris Day

Vou-me embora pro passado.

 

Vou-me embora pro passado

Porque lá, é outro astral

Lá tem carros Vemaguet

Jeep Willes, Maverick

Tem Gordine, tem Buick

Tem Candango e tem Rural.

 

Lá dançarei Twist

Hully-Gully, Iê-iê-iê

Lá é uma brasa mora!

Só você vendo pra crê

Assistirei Rim Tim Tim

Ou mesmo Jinne é um Gênio

Vestirei calças de Nycron

Faroeste ou Durabem

Tecidos sanforizados

Tergal, Percal e Banlon

Verei lances de anágua

Combinação, califon

Escutarei Al Di Lá

Dominiqui Niqui Niqui

Me fartarei de Grapette

Na farra dos piqueniques

Vou-me embora pro passado.

 

No passado tem Jerônimo

Aquele Herói do Sertão

Tem Coronel Ludugero

Com Otrope em discussão

Tem passeio de Lambreta

De Vespa, de Berlineta

Marinete e Lotação.

 

Quando toca Pata Pata

Cantam a versão musical

“Tá Com a Pulga na Cueca”

E dançam a música sapeca

Ô Papa Hum Mau Mau

Tem a turma prafrentex

Cantando Banho de Lua

Tem bundeira e piniqueira

Dando sopa pela rua

Vou-me embora pro passado.

 

Vou-me embora pro passado

Que o passado é bom demais!

Lá tem meninas “quebrando”

Ao cruzar com um rapaz

Elas cheiram a Pó de Arroz

Da Cachemere Bouquet

Coty ou Royal Briar

Colocam Rouge e Laquê

English Lavanda Atkinsons

Ou Helena Rubinstein

Saem de saia plissada

Ou de vestido Tubinho

Com jeitinho encabulado

Flertando bem de fininho.

 

E lá no cinema Rex

Se vê broto a namorar

De mão dada com o guri

Com vestido de organdi

Com gola de tafetá.

 

Os homens lá do passado

Só andam tudo tinindo

De linho Diagonal

Camisas Lunfor, a tal

Sapato Clark de cromo

Ou Passo-Doble esportivo

Ou Fox do bico fino

De camisas Volta ao Mundo

Caneta Shafers no bolso

Ou Parker 51

Só cheirando a Áqua Velva

A sabonete Gessy

Ou Lifebouy, Eucalol

E junto com o espelhinho

Pente Pantera ou Flamengo

E uma trunfinha no quengo

Cintilante como o sol.

 

Vou-me embora pro passado

Lá tem tudo que há de bom!

Os mais velhos inda usam

Sapatos branco e marrom

E chapéu de aba larga

Ramenzone ou Cury Luxo

Ouvindo Besame Mucho

Solfejando a meio tom.

 

No passado é outra história!

Outra civilização…

Tem Alvarenga e Ranchinho

Tem Jararaca e Ratinho

Aprontando a gozação

Tem assustado à Vermuth

Ao som de Valdir Calmon

Tem Long-Play da Mocambo

Mas Rosenblit é o bom

Tem Albertinho Limonta

Tem também Mamãe Dolores

Marcelino Pão e Vinho

Tem Bat Masterson, tem Lesse

Túnel do Tempo, tem Zorro

Não se vê tantos horrores.

 

Lá no passado tem corso

Lança perfume Rodouro

Geladeira Kelvinator

Tem rádio com olho mágico

ABC a voz de ouro

Se ouve Carlos Galhardo

Em Audições Musicais

Piano ao cair da tarde

Cancioneiro de Sucesso

Tem também Repórter Esso

Com notícias atuais.

 

Tem petisqueiro e bufê

Junto à mesa de jantar

Tem bisqüit e bibelô

Tem louça de toda cor

Bule de ágata, alguidar

Se brinca de cabra cega

De drama, de garrafão

Camoniboi, balinheira

De rolimã na ladeira

De rasteira e de pinhão.

 

Lá, também tem radiola

De madeira e baquelita

Lá se faz caligrafia

Pra modelar a escrita

Se estuda a tabuada

De Teobaldo Miranda

Ou na Cartilha do Povo

Lendo Vovô Viu o Ovo

E a palmatória é quem manda.

 

Tem na revista O Cruzeiro

A beleza feminina

Tem misse botando banca

Com seu maiô de elanca

O famoso Catalina

Tem cigarros Yolanda

Continental e Astória

Tem o Conga Sete Vidas

Tem brilhantina Glostora

Escovas Tek, Frisante

Relógio Eterna Matic

Com 24 rubis

Pontual a toda hora.

 

Se ouve página sonora

Na voz de Ângela Maria

“— Será que sou feia?

— Não é não senhor!

— Então eu sou linda?

— Você é um amor!…”

 

Quando não querem a paquera

Mulheres falam: “Passando,

Que é pra não enganchar!”

“Achou ruim dê um jeitim!”

“Pise na flor e amasse!”

E AI e POFE! e quizila

Mas o homem não cochila

Passa o pano com o olhar

Se ela toma Postafen

Que é pra bunda aumentar

Ele empina o polegar

Faz sinal de “tudo X”

E sai dizendo “Ô Maré!

Todo boy, mancando o pé

Insistindo em conquistar.

 

No passado tem remédio

Pra quando se precisar

Lá tem Doutor de família

Que tem prazer de curar

Lá tem Água Rubinat

Mel Poejo e Asmapan

Bromil e Capivarol

Arnica, Phimatosan

Regulador Xavier

Tem Saúde da Mulher

Tem Aguardente Alemã

Tem também Capiloton

Pentid e Terebentina

Xarope de Limão Brabo

Pílulas de Vida do Dr. Ross

Tem também aqui pra nós

Uma tal Robusterina

A saúde feminina.

 

Vou-me embora pro passado

Pra não viver sufocado

Pra não morrer poluído

Pra não morar enjaulado

Lá não se vê violência

Nem droga nem tanto mau

Não se vê tanto barulho

Nem asfalto nem entulho

No passado é outro astral

Se eu tiver qualquer saudade

Escreverei pro presente

E quando eu estiver cansado

Da jornada, do batente

Terei uma cama Patente

Daquelas do selo azul

Num quarto calmo e seguro

Onde ali descansarei

Lá sou amigo do rei

Lá, tem muito mais futuro

Vou-me embora pro passado.”

 

                        Não bastasse isso, e ainda uma canção e um “causo” com que nos brindou Jessier, logo em seguida o Boldrin anunciou uma cantora simplesmente maravilhosa, que eu não conhecia (santa ignorância!): Áurea Martins.

 

                        Já madura, típica cantora da noite, como ela mesma se definiu, gravou muito pouco. Descobri um único disco dela: “Até Sangrar”, da “Biscoito Fino”. Enquanto isso, as poderosas gravadoras investem milhões (e arrecadam muito mais) com os falsos sertanejos, os chatíssimos, e não menos falsos, pagodeiros, a praga da “axé-music”, e o pior que há da música estrangeira…

 

                        Áurea Martins me arrepiou ao cantar “Um favor” e “Volta”, de Lupicínio Rodrigues, e “Embarcação”, de Chico Buarque e Francis Hime (essas músicas fazem parte do disco acima referido).

 

                        Meu domingo estava salvo!

 

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http://www.livrariasaraiva.com.br/

Existencialismo

 “A Náusea não me abandonou, e não creio que me abandone tão cedo; mas já não estou submetido a ela, já não se trata de uma doença, nem de um acesso passageiro: a Náusea sou eu.” (A Náusea, Jean-Paul Sartre)

“Conheço tua conduta: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca.” (Apocalipse, VII, Laodicéia, João Evangelista)

 

Já passou a idade da razão

e a náusea não retém o borbotão,

pós-moderno e atônito,

o homem se sufoca no seu vômito.

 

              

          Ainda sobre Machado de Assis, no site de Gilberto Kujawski (link ao lado) há um mais um excelente e instigante ensaio, que foge da mesmice: “Machado Cético? Crítico das “Contradições do Capitalismo”? Liberal?”