Posts from janeiro, 2009

Parábola do Anjo Manco

 

 

“Quando nasci, um anjo torto

Desses que vivem na sombra

Disse: “Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

(Poema de Sete Faces, Carlos Drummond de Andrade)   

 

 

                        Quando o poeta nasceu, um anjo manco saiu das sombras e lhe perguntou: 

                        — Queres mesmo ser poeta? Por quê? 

                        — Sim, quero, porque é a única coisa que posso ser, respondeu-lhe o poeta. 

                        — Podes ser o que quiseres. Toma desta folha em branco. Nela estão todas as possibilidades. É a tua vida. Escreve-a. Poderás fazer o que quiseres. Viajar por todos os lugares. Mas não demores muito. Logo a noite virá.

                        Dito isso, o anjo manco tornou às sombras. 

                        A noite chegou, e encontrou o poeta diante da folha em branco e de todas as possibilidades.

                        Assim ele permaneceu por algum tempo mais. Súbito, levantou-se, apanhou uma caixa de fósforos, ateou fogo na folha em branco. 

                        Depois, foi até a janela e lançou ao vento as cinzas, que se espalharam no ar e mansamente deitaram à terra, semeando-a com todos os versos que aguardam ser escritos.

cinzas3