“Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: “Vai, Carlos! ser gauche na vida.”
(Poema de Sete Faces, Carlos Drummond de Andrade)
Quando o poeta nasceu, um anjo manco saiu das sombras e lhe perguntou:
— Queres mesmo ser poeta? Por quê?
— Sim, quero, porque é a única coisa que posso ser, respondeu-lhe o poeta.
— Podes ser o que quiseres. Toma desta folha em branco. Nela estão todas as possibilidades. É a tua vida. Escreve-a. Poderás fazer o que quiseres. Viajar por todos os lugares. Mas não demores muito. Logo a noite virá.
Dito isso, o anjo manco tornou às sombras.
A noite chegou, e encontrou o poeta diante da folha em branco e de todas as possibilidades.
Assim ele permaneceu por algum tempo mais. Súbito, levantou-se, apanhou uma caixa de fósforos, ateou fogo na folha em branco.
Depois, foi até a janela e lançou ao vento as cinzas, que se espalharam no ar e mansamente deitaram à terra, semeando-a com todos os versos que aguardam ser escritos.