“Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: “Vai, Carlos! ser gauche na vida.”
(Poema de Sete Faces, Carlos Drummond de Andrade)
Quando o poeta nasceu, um anjo manco saiu das sombras e lhe perguntou:
— Queres mesmo ser poeta? Por quê?
— Sim, quero, porque é a única coisa que posso ser, respondeu-lhe o poeta.
— Podes ser o que quiseres. Toma desta folha em branco. Nela estão todas as possibilidades. É a tua vida. Escreve-a. Poderás fazer o que quiseres. Viajar por todos os lugares. Mas não demores muito. Logo a noite virá.
Dito isso, o anjo manco tornou às sombras.
A noite chegou, e encontrou o poeta diante da folha em branco e de todas as possibilidades.
Assim ele permaneceu por algum tempo mais. Súbito, levantou-se, apanhou uma caixa de fósforos, ateou fogo na folha em branco.
Depois, foi até a janela e lançou ao vento as cinzas, que se espalharam no ar e mansamente deitaram à terra, semeando-a com todos os versos que aguardam ser escritos.
Papilly, sensacional! Amei a parábola. Acho que o punho gauche quebrado tem te trazido ainda mais inspiração. Gostei muito… me identifiquei com esse poeta que olha a folha em branco, sabe que tem um mundo a sua frente e as vezes empaca. Somos nós. Gostei muito muito mesmo. Você gosta de poesia, mas adoro sua prosa. beijos saudosos. Ti doro! Bell
Gama, como prometido, aqui estou eu contribuindo com um pouquinho de cultura. O poema abaixo transcrito é curto, mas simpático. Não sei se já o conhecia…eu mesmo sei pouca coisa do autor.
Um abraço,
melhoras com o pulso (ainda bem que vc é destro!!)
Ramon (mas não o incrível-rosca)
O Vôo (Menotti Del Picchia)
Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas tempo e vento
Desabam no abismo.
Que saber tu do fim?
Se teme que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
Se pressentires amanhã estarás mudo
Esgota, como um pássaro, as canções que tem na garganta.
Canta. Canta para conservar uma ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
Que esperam devorar o pássaro.
Desde que nascestes não és mais que num vôo no tempo.
Rumo do céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.
Caro Ramon,
Fico muito feliz de, finalmente, você ter se manifestado no blog. Aliás, o blog só existe para ser um canal de troca de ideias e experiências com os amigos. Não há nenhuma pretensão literária, muito menos de erudição. Assim, se os amigos e frequentadores não deixaram suas impressões, o blog perderá a sua razão de ser.
Conheco, sim, tanto o poeta Menotti Del Picchia (um dos participantes do movimento modernista, embora já fosse um homem mais maduro à época), quanto o ótimo poema que você enviou. Mas já fazia algum tempo que não me lembrava. E o poema é muito significativo para mim nesta hora em que estou com uma asa quebrada. Por isso é sempre muito bom conversar com os amigos… Espero que continuemos a conversar pelo blog.
Um abraço.
Antonio Carlos