Parábola do Anjo Manco

 

 

“Quando nasci, um anjo torto

Desses que vivem na sombra

Disse: “Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

(Poema de Sete Faces, Carlos Drummond de Andrade)   

 

 

                        Quando o poeta nasceu, um anjo manco saiu das sombras e lhe perguntou: 

                        — Queres mesmo ser poeta? Por quê? 

                        — Sim, quero, porque é a única coisa que posso ser, respondeu-lhe o poeta. 

                        — Podes ser o que quiseres. Toma desta folha em branco. Nela estão todas as possibilidades. É a tua vida. Escreve-a. Poderás fazer o que quiseres. Viajar por todos os lugares. Mas não demores muito. Logo a noite virá.

                        Dito isso, o anjo manco tornou às sombras. 

                        A noite chegou, e encontrou o poeta diante da folha em branco e de todas as possibilidades.

                        Assim ele permaneceu por algum tempo mais. Súbito, levantou-se, apanhou uma caixa de fósforos, ateou fogo na folha em branco. 

                        Depois, foi até a janela e lançou ao vento as cinzas, que se espalharam no ar e mansamente deitaram à terra, semeando-a com todos os versos que aguardam ser escritos.

cinzas3

 

3 comentários

  1. bellgama
    28/01/09 at 17:14

    Papilly, sensacional! Amei a parábola. Acho que o punho gauche quebrado tem te trazido ainda mais inspiração. Gostei muito… me identifiquei com esse poeta que olha a folha em branco, sabe que tem um mundo a sua frente e as vezes empaca. Somos nós. Gostei muito muito mesmo. Você gosta de poesia, mas adoro sua prosa. beijos saudosos. Ti doro! Bell

  2. ramon
    01/02/09 at 12:38

    Gama, como prometido, aqui estou eu contribuindo com um pouquinho de cultura. O poema abaixo transcrito é curto, mas simpático. Não sei se já o conhecia…eu mesmo sei pouca coisa do autor.
    Um abraço,
    melhoras com o pulso (ainda bem que vc é destro!!)
    Ramon (mas não o incrível-rosca)

    O Vôo (Menotti Del Picchia)

    Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
    Não indagues se nossas estradas tempo e vento
    Desabam no abismo.

    Que saber tu do fim?

    Se teme que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
    Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.

    No deslumbramento da ascensão
    Se pressentires amanhã estarás mudo
    Esgota, como um pássaro, as canções que tem na garganta.

    Canta. Canta para conservar uma ilusão de festa e de vitória.

    Talvez as canções adormeçam as feras
    Que esperam devorar o pássaro.

    Desde que nascestes não és mais que num vôo no tempo.
    Rumo do céu?

    Que importa a rota.
    Voa e canta enquanto resistirem as asas.

    • Antonio Carlos
      01/02/09 at 13:39

      Caro Ramon,

      Fico muito feliz de, finalmente, você ter se manifestado no blog. Aliás, o blog só existe para ser um canal de troca de ideias e experiências com os amigos. Não há nenhuma pretensão literária, muito menos de erudição. Assim, se os amigos e frequentadores não deixaram suas impressões, o blog perderá a sua razão de ser.
      Conheco, sim, tanto o poeta Menotti Del Picchia (um dos participantes do movimento modernista, embora já fosse um homem mais maduro à época), quanto o ótimo poema que você enviou. Mas já fazia algum tempo que não me lembrava. E o poema é muito significativo para mim nesta hora em que estou com uma asa quebrada. Por isso é sempre muito bom conversar com os amigos… Espero que continuemos a conversar pelo blog.
      Um abraço.

      Antonio Carlos

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