A "arte" do DJ

 

                        O jornal de hoje (Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, pág. E6, matéria assinada por Thiago Ney) noticia que se acha em trâmite no Senado da República projeto de lei de autoria do senador Romeu Tuma (aquele mesmo que alavancou sua carreira policial ao longo do período de chumbo da ditadura militar, foi diretor do famigerado DOPS e hoje posa de liberal e defensor da democracia), que visa regulamentar a profissão de “DJ”.

 

                        Da inefável propositura, contaminada com o caruncho do velho e cartorial corporativismo luso-brasileiro, destacam-se as seguintes pérolas:

         condiciona o exercício da atividade de “DJ” a um registro prévio na Delegacia Regional do Trabalho;

         determina que o profissional apresente diploma de curso profissionalizante reconhecido pelo MEC ou pelo sindicato da categoria, além de um atestado de capacitação profissional fornecido pelo sindicato;

         prevê a participação de 70% de “DJs” nacionais quando um evento escalar um “DJ” estrangeiro.

 

                        O projeto tem despertado controvérsia entre os “profissionais” do setor, e a vereadora paulistana, maluquinha beleza, Soninha Francine, não perdeu a oportunidade de pontificar a respeito: “No caso dos DJs, cuja atuação é essencialmente prática, com formação nas ruas, chega a ser um tanto esdrúxula a exigência de ‘diploma’. O legislador, a pretexto de regulamentar, soterra a graça e a beleza de uma atividade artística (?) que nasce da transgressão e cresce por meio da prática um tanto anárquica.”

 

                        Calma aí, devagar com o andor, meu preclaro senador e diligente xerife, minha nobre vereadora e arguta comentarista esportiva.

 

                        Que “profissão” ou “atividade artística” é essa? Desde quando manipular vitrolas ou pickups se trata de arte?

 

                        Não quero enveredar aqui pela interminável discussão acerca do que pode ou deve ser considerado como arte, até porque muitos críticos atuais afirmam que arte é tudo aquilo que se disser que é arte (donde ser forçoso concluir que não existe razão alguma para a existência dos críticos de arte, especialmente daqueles que sustentam tal idiotice).

 

                        Mas, por favor, me expliquem os mais sábios: a destreza em colocar e tirar discos da vitrola, a tarefa de selecionar, ordenar e embaralhar músicas alheias — o que chamam de “mixar” ou “samplear” —, a ligeireza para acender e apagar luzes, projetar imagens em telões, constituem “atividade artística”? Quer dizer então que naquelas “brincas” de antanho, em que os amigos se revezavam no comando da vitrola, colocando as músicas prediletas, enquanto os casaisinhos rodopiavam pelo salão improvisado, trocando juras à meia voz, estava a gênese de uma nova arte, pós-moderna, iluminada por essa classe de prima-donas conhecidas como “DJs”?

 

                        Na minha proverbial ignorância, atividade artística é a dos compositores, músicos, instrumentistas e intérpretes dos quais o “DJ” não passa de parasita ou sanguessuga. Além de se locupletar à custa dos compositores, músicos, instrumentistas e intérpretes, essa praga daninha (pelas razões pragmáticas e econômicas que comandam a lógica capitalista) vem fechando as portas das casas noturnas, das festas, dos bailes, dos eventos em geral para aqueles verdadeiros artistas, que ficam com as migalhas dos direitos autorais, ou nem isso. Se fosse, pois, para editar uma lei de reserva de mercado, deveria ser garantida a participação de 70% de músicos, instrumentistas e intérpretes num evento em que fosse escalado um DJ!

 

                        O projeto do senador Tuma, o comentário da vereadora Soninha e os DJs se merecem e, sinceramente, espero que eles dancem.

3 comentários

  1. rockmann
    04/02/09 at 9:40

    A culpa toda é do Marcel Duchamps e de seu urinoir. O que era contestador virou pastiche. Se até meleca de criança numa parede é arte, por que não um DJ?

  2. Bell Gama
    04/02/09 at 22:20

    Pela primeira vez discordo deste blog… Dar uma nova ordem, partir de uma obra e dela fazer outra, mixar música, luz e imagem é sim uma arte. Não uma arte clássica, mas sim, da geração midiática, algo que poucos entendem. Arte religiosa (culto aos deuses), arte clássica (a que encontramos nos museus), arte comtemporânea (as diferentes manifestações artísticas que saíram do museu e conquistaram as ruas,como a arquitetura, o design, a performance e tantas outras) e agora, a arte midática (aquela que expomos e utilizamos da mídia para construí-la). Tudo muda, meno a cabeça de alguns críticos.
    Artista é artista, independente do meio pelo qual ele se expresse.
    O que vai fazer do DJ um artista ou não é a proposta do seu trabalho.
    Mesmo discordando, ti doro,
    bjo
    Bell

    • Antonio Carlos
      06/02/09 at 0:16

      Quando publiquei este post, sabia que haveria controvérsia. Aliás, era o que eu pretendia. Como já anoitei em outro post (Versus), o confronto de pensamentos e de opiniões é sempre enriquecedor, mesmo quando os antagonistas não se convencem um ao outro. Não sou contra as novas modalidades de arte, ao uso das novas tecnologias. Creio também que é perfeitamente válido uma obra inspirar outra ou de outra se valer. Tenho restrições, porém, às tais de intervenções, que na maioria das vezes apenas mascaram a falta de talento para criar. Pintar um bigode na Mona Lisa pode ser divertido e até significar alguma coisa em determinadas circunstâncias, mas continuo a preferir o original. Retire-se a Mona Lisa e restará um bigode pintado no ar… Com relação aos DJs a minha aversão é visceral. Não lhes reconheco nenhuma qualidade artística. Quando muito, têm habilidade em manejar as vitrolas ou pickups. O que mais me irrita nessa atividade é o seu caráter parasitário em relação aos músicos e intérpretes. “Mixar” e “samplear” são eufemismos para “plágiar” e “apropriar” da obra alheia. Mas, viva a diferença! Para quem gosta, desejo um prato cheio…

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