Posts from março, 2009

Diário de uma semana ruim

 

                        O titulo deste post foi retirado do excelente livro Diário de um ano ruim, de J. M. Coetzee, escritor sul africano, premiado duas vezes com o Booker Prize, e com o Nobel de literatura em 2003.

 

                        É certo que premiações, por mais badaladas que sejam, nem sempre se prestam como indicativo de um bom escritor ou de uma obra significativa (às vezes, muito pelo contrário), mas no caso trata-se realmente de um grande escritor contemporâneo.

 

                        Diário de um ano ruim se passa em dois planos simultâneos. No primeiro plano, um velho escritor, contratado por um editor alemão, escreve um livro com suas “opiniões fortes” sobre diversos temas atuais. “Opiniões fortes”, no caso, são reflexões e abordagens contestatórias e amargas a respeito de variados assuntos. Como o escritor padece de dificuldades motoras decorrentes de uma enfermidade que avança, contrata uma jovem vizinha do seu prédio para transcrever as fitas em que grava os seus artigos, e entre os dois se estabelece um relacionamento ambíguo, cheio de sutilezas.

 

                        O segundo plano é justamente o dos pensamentos íntimos ou da subjetividade de ambos, e também do companheiro ou namorado com quem a moça vive, e a certa altura se intromete no relacionamento dela com o escritor, pretendendo tirar proveito escuso.

 

                        Como muito bem observado na orelha do livro, “Diário de um ano ruim entrelaça de modo desconcertante os artigos destinados ao editor alemão e os relatos em primeira pessoa de Anya e do próprio escritor. Assim, libelos indignados e originais sobre temas da atualidade, como terrorismo, globalização, conflitos étnicos, manipulação genética e desastres ambientais dividem — literalmente — as páginas deste romance com os pensamentos mais secretos do velho autor e da jovem digitadora, uns iluminando e refratando os outros.”

 

                        Aliás, seria muito interessante falar um dia a respeito da fina arte de redigir as “orelhas” dos livros, que num curto espaço tanto podem despertar o interesse pela leitura do livro, como causar efeito contrário. Algumas “orelhas” são até mesmo melhores do que o próprio livro, mascarando suas deficiências e fisgando o leitor incauto. Há ótimos ensaios a esse respeito.

 

                        Feita a recomendação do livro, resta explicar a razão do título deste post.

 

                        Será preciso?

 

                        Quanta coisa ruim aconteceu na última semana, desde o retorno do clã Sarney ao comando do pobre e infeliz estado do Maranhão, até as peripécias e diabruras do Delegado Protógenes, o Eliot Ness (ou Inspetor Clouseau?) tupiniquim, que com seu desvario e sanha justiceira vai conseguir transformar em vítimas aqueles que mereceriam ser postos atrás das grades. Se bem que sempre é preciso uma dose de cautela em relação às matérias da revista Veja.

 

                        Mas o pior de tudo foi o papel ridículo e constrangedor do arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, o Torquemada sertanejo, que excomungou por atacado médicos, enfermeiras, a mãe e a desventurada menina de apenas nove anos e com trinta quilos de peso, violentada e grávida de gêmeos, mas poupou o padrasto estuprador!

 

                        Seria esse um caso emblemático para a Igreja manifestar publicamente o seu repúdio ao aborto e reafirmar seu dogmatismo? A propósito, há na edição de hoje da Folha de S. Paulo um artigo muito bom de Marcelo Coelho (Estupra, mas não aborta, caderno Ilustrada, E8) em que ele afirma, com inteira razão, que “A atitude desse arcebispo é tão estreita e sem caridade, que fica até vulgar criticá-la como merece.”

 

                        Segundo sua Eminência Reverendíssima, “Católico que é católico aceita a lei da igreja. Quem não aceita é católico mais ou menos, e isso não existe.”

 

                        Por isso mesmo, e para não ceder à hipocrisia, embora nascido e criado em uma família de tradição católica (como a maioria dos brasileiros), de ter sido batizado, crismado e me casado na Igreja, e também haver batizado e crismado minhas três filhas, que chegaram a estudar no Colégio Marista, já há algum tempo não me classifico como católico.

 

 

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