Posts from março, 2009

A postos

 

                        Postado na esquina, fico a observar os que passam e o que se passa.

 

                        A movimentação aparentemente desconexa tem na verdade um sincronismo próprio, compondo para os iniciados um balé de pessoas e máquinas, com solos de rica coreografia executados por artistas anônimos, transeuntes, ciclistas, motoristas, animados pela sinfonia de vozes, motores e buzinas.

 

                        Muitos dos que vão e vêm por aqui me são familiares a ponto de acompanhar-lhes a vida. A velhinha que leva o seu crochê interminável todas as manhãs para a pracinha próxima, aventurando-se intrépida no cruzamento movimentado. Daquele rapagão ali me lembro ainda menino, sempre com os joelhos esfolados e uma bola debaixo do braço, com que enlaça agora a cintura da namorada. Aquela jovem senhora, um tanto gordinha, que vai com uma criança no colo e outras duas dependuradas no vestido e no braço livre, foi a moça mais linda e requisitada do bairro.

 

                        Antigamente havia até um guarda-civil que procurava disciplinar o trânsito de forma bem-humorada, fazendo brincadeiras com motoristas e pedestres, alguns dos quais, não raras vezes, apanhava pelo braço ou pela mão e fazia retornar à calçada de onde tinham avançado em momento inoportuno. Já não há guardas-civis, nem bem-humorados. Hoje, a polícia atônita se dedica a caçar a tiros os suspeitos, que são todos.

 

                        À noite os moradores não mais ousam tomar a fresca e conversar, sentados em cadeiras nas calçadas, agora tomadas pelos lúgubres sacos plásticos de lixo. Poucos se arriscam a sair de casa depois de escurecer.

 

                        Continuo, porém, imperturbável no meu posto, e escoro o bêbado retardatário, restituindo-lhe o equilíbrio provisório.

 

                        O cachorrinho branco e peludo da casa de grades pretas, uma das poucas que resistem no quarteirão, solto pelo dono para o costumeiro passeio noturno, aspira a aragem, perscruta com vivacidade o ambiente, avança rápido na minha direção, rodeia-me, cheira-me e levantando a patinha traseira despeja jatos curtos de urina na minha base de concreto.

 

 

Para o Snow

 

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