Posts from março, 2009

Cordon bleu, blanc, rouge (J'accuse…!)

  

“Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor…

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?” (Para viver um grande amor, Vinicius de Moraes)

 

                        Poeta, meu poeta camarada (a quem, na minha juventude, tive o raro privilégio de conhecer e ouvi-lo de perto em papos inesquecíveis, bebericando, é claro, um bom whisky — um dia eu conto), sua receita para viver um grande amor é sábia, mas comigo, desanda. Sou inepto na cozinha. Só o que sei é ferver água e, por conseguinte, coar um bom café, forte e amargo (se o pó for de qualidade).

 

                        Estaria fadado, pois, a jamais viver um grande amor, não fosse a minha mulher e meu grande amor, Maria Delucena, que além do nome incomum, tem um talento inusitado e intuitivo para a arte culinária.

 

                        Não conheço ninguém mais com capacidade tamanha de criar delícias inesperadas, improvisando com o que houver na geladeira e na despensa. Não lhe peçam receitas tradicionais ou sofisticadas, que ela até saberá fazer, mas sem se empolgar. Do que ela gosta mesmo é de criar, inventar, engendrar um prato único.

 

                        E o prato é único literalmente. Saboreie, lamba os beiços, porque ele nunca será repetido. Inútil lhe implorar que anote como fez, porque, quando pronto, ela já não se lembrará. Nem tem paciência para isso, se pode criar um outro.

 

                        Neste fim de sábado, acabo de me deleitar com uma iguaria dessas, que, com toda a certeza,  jamais abocarei novamente. Nem eu, nem ninguém.

 

                        Ameacei denunciá-la no meu blog. Ela sorriu e não acreditou.

 

                        Eis aqui.