Naquele tempo as pessoas morriam em casa, ao lado dos familiares. E também na própria casa o corpo era velado pelos parentes e amigos até a hora do enterro.
Passava da meia noite, e no quarto da frente da antiga casa o avô agonizava, depois de dias de sofrimento, entremeando breves momentos de lucidez com longos períodos de dormência, sob efeito das drogas, respirando com a ajuda do negro balão de oxigênio.
A avó, os filhos e filhas, noras e genros, vagueavam pelos cômodos, conversando baixinho, choramingando, aguardando o desfecho inevitável.
Os netos mais novos, alvoroçados com tudo o que se passava, a presença do médico e do padre, o entra e sai de conhecidos e vizinhos, e pelo fato de não terem sido obrigados a dormir na hora de costume, foram levados para a cozinha, aos cuidados da velha empregada, que os distraía contando histórias, enquanto coava bules e mais bules de café e fritava bolinhos de chuva.
Influenciada pela ocasião, ou porque não soubesse mesmo outras, as histórias que se sucediam eram horripilantes, sobre bruxas, fantasmas, maldições e outros eventos sinistros.
A certa altura, talvez na tentativa de preparar as crianças para a morte iminente do patriarca, explicou-lhes que no céu havia um cômodo no qual era acesa uma vela para cada pessoa que nascia. Essa vela vai se derretendo pouco a pouco, até que finalmente o pavio se apaga, e com ele a vida. As velas das crianças estavam novinhas, com a chama firme e forte, enquanto a do avô já era só um toquinho, com o pavio tremulando, prestes a se extinguir.
A curiosidade do menino quis saber como é então que havia criança que morria ainda pequenina, até mesmo ao nascer.
— É porque um vento apagou a vela antes da hora, respondeu-lhe a fabuladora.
A vela do avô se apagou naquela madrugada, e o menino carregou para o resto da vida a imagem das velas ardentes perfilhadas no céu, a se consumirem. Sempre que acendia uma vela, numa igreja ou por qualquer outra razão, jamais conseguiu se afastar dela, antes de certificar que a chama se firmava e não se apagava ao imprevisto do vento.
Navegando a toda vela para a idade do avô, pensa no que ainda resta da sua vela.