Posts from abril, 2009

Máquinas Perfeitas

 

                        Clínica de Fisioterapia Especializada.

 

                        Pouco mais de dez horas da manhã.

 

                        A recepcionista, linda e loura, chega à porta da sala de espera e anuncia:

 

                        — Turma das dez: membros superiores, podem subir; membros inferiores, para o salão debaixo.

 

                        Vê-se que há uma lógica incontestável no direcionamento dos pacientes, acima ou abaixo.

 

                        Os convocados, como um rebanho obediente ao seu pastor, ou como criancinhas do primário, dirigem-se em fila e compenetrados para as salas respectivas, de onde irão do paraíso ao inferno (com maior tempo de permanência neste último), sob o comando de doces fisioterapeutas, todas mulheres, jovens e sorridentes.

 

                        Tirante três ou quatro moços, vitimados em acidentes de trânsito ou do trabalho, nos dois salões se formam verdadeiros conclaves da Academia Brasileira da Terceira Idade (e também da Quarta e até da Quinta), que trocam impressões e informações sobre suas dores.

 

                        Hoje os nomes são técnicos e precisos, diagnosticados por aparelhos de última geração (hérnias de disco, cervical ou lombar, distrofia muscular, artrite, artrose, osteoporose, fibromialgia), mas os males são aqueles mesmos de sempre, os achaques da velhice, que antigamente se chamavam lumbago, espinhela caída, dor nas costas ou nas cadeiras, reumatismo, fraqueza dos nervos ou dos ossos, e doíam tanto quanto.

 

                        No salão de cima, depois de uma sessão de alongamentos, massagens, ultrassom, infravermelho, os dois sessentões, com bolsas de gelo presas nos ombros, que os deixam parecidos com a vestimenta dos jogadores de futebol americano, conversam animadamente.

 

                        — E aí, Agenor, melhorou da bursite?

 

                        — A do ombro esquerdo melhorou bem, mas agora me atacou também o direito… E o seu braço, Pereira?

 

                        — Também um pouco melhor, mas ainda não consigo tocar pandeiro. E um dedo da mão direta deu de armar em gatilho!

 

                        — Nem me diga! Já desisti do violão. A artrite das mãos me mata… Até para jogar baralho está difícil. E o seu colesterol?

 

                        — Com a medicação baixou. E a pressão também está controlada. Só que mijo o dia inteiro.

 

                        A conversa segue por aí, até que depois de uma breve pausa, pontifica Pereira:

 

                        — Mas não existe máquina mais perfeita do que o homem!

 

                        — Ah, isso não existe mesmo. Podem criar o que quiser, mas máquina alguma será capaz de superar o homem, apóia Agenor.

 

                        — Só se for outra máquina criada pelo patrão lá de cima.

 

                        Ao lado dos dois, o cinquentão, que se sente quase um jovenzinho naquela linha de reparo de máquinas perfeitas, acha graça dos comentários, mas não se arrisca a rir.

 

                        Quando ele ri, dói.