Recebo diariamente, pelo correio tradicional e por e-mail, uma grande quantidade de folhetos publicitários que prometem me transformar num grande líder, e assim iluminar a minha vida opaca.
As propostas são tentadoras, diante do rico aprendizado que me será propiciado e das mudanças radicais que lograrei.
Apenas a título de exemplo, uma delas me oferece dois treinamentos, um para desenvolver a inteligência emocional e o outro de gerenciamento de pessoas, liderança e motivação de equipe, esclarecendo que este último “se destina a Diretores, Gerentes e Supervisores que necessitam e desejam aproveitar e canalizar melhor o potencial e as habilidades de seus subordinados; delegar mais efetivamente; e melhorar o desempenho e a motivação de seus colaboradores, individualmente e da equipe como um todo” e que “os dois treinamentos são conduzidos em forma de workshop: os participantes aprendem novos conceitos, técnicas e ferramentas; revêem suas práticas e seu trabalho; discutem suas questões reais; refletem individualmente e em grupo; e partilham idéias, experiências e aprendizado. Ao final do workshop cada participante sai com um Plano de Implementação de Melhorias e Mudanças Positivas.”
Uma outra me alerta que “A FELICIDADE e O SUCESSO já te pertencem… basta apenas apossar-se deles…”. E acrescenta: “Mais do que um simples treinamento o SER LÍDER é um programa de aperfeiçoamento pessoal e profissional que agrega inúmeras técnicas a fim de auxiliar o participante a identificar seus limites, compreender seus medos e desbloqueá-los.”
Como se verifica dos textos transcritos literalmente, o zelo pela língua portuguesa não faz parte das preocupações desses formadores de líderes.
Informa, ainda, o último que o principal consultor, responsável pela coordenação e realização do treinamento, entre outros diversos títulos e variadas aptidões, é “Formado em Mecânica pela FATEC-SP, Psicoterapeuta com formação em Técnicas de Expansão de Consciência pelo ITK ─ Instituto Tadashi Kadomoto, e Psicoterapia Integrativa de Memória e Consciência pelo IPEC. Profundos conhecimentos em AT ─ Análise Transacional, PNL ─ Programação Neurolingüistica, Terapia Regressional e Renascimento, Biodança, e Bioenergética. Pesquisa e desenvolve programas, cursos, workshops e treinamentos na área comportamental, técnica e motivacional.”
Ufa!!! É demais para mim…
Até porque não pretendo, nem jamais pretendi ser líder de nada ou de ninguém. Dou-me por plenamente satisfeito se conseguir liderar a mim mesmo.
Talvez o grande mal da humanidade tenha sido o excesso de líderes providenciais, como Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Salazar, Vargas, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro, Perón, Kolmeini e muitos outros mais (coloco no mesmo balaio de gatos, ou no mesmo caldeirão de enxofre, todos os tipos de tiranos e déspotas, esclarecidos (?) ou não, de qualquer seita ou ideologia)
O Brasil não precisa se preocupar, pois tem hoje um notável líder, eleito democraticamente, aprovado pela esmagadora maioria da população, reconhecido e admirado em todo o mundo. Ele é “o cara”.
Mas é bom não esquecer que foram os grandes líderes corporativos e financeiros que lançaram a economia global na gravíssima crise que enfrentamos, de consequências ainda imprevisíveis, embora alguns deles já anunciem que o pior passou e o sol voltará a brilhar.
Talvez esses líderes tenham se forjado nos treinamentos e workshops tão em voga, como os acima anunciados, e lendo livros de auto-ajuda, que ajudam a enriquecer seus autores ou magos.
Outro dia, pela televisão, assisti a um de tais treinamentos em que os aprendizes deslizavam por uma corda tirolesa e quando colocavam o pé no chão tinham se transmudado num passe de mágica em líderes excelsos, como Moisés ao descer do Monte Sinai com as Tábuas da Lei.
Outra medida muito eficaz na construção de grandes líderes são as palestras motivacionais proferidas por técnicos de futebol, de caráter duvidoso, ou de voleibol, que à beira da quadra ficam à beira de um ataque de nervos, como as mulheres de Almodóvar.
Diante de tudo isso me dá uma vontade danada de dizer, como a diva Greta Garbo, I want to be alone, ou até mesmo repetir as palavras daquele último grande líder da ditadura militar que se instalou em 1964 no Brasil: Quero que me esqueçam…