Posts from maio, 2009

O grande milongueiro

 

                        Sobrevivente da máquina de escrever, usava o computador como se fosse uma, apenas para redigir seus textos, poemas que nunca mostrava a ninguém, e os trabalhos do escritório de advocacia.

                        Pouco a pouco, com o incentivo da secretária e do filho, foi aprendendo e começou a navegar timidamente pela internet, mas apenas para ler notícias ou algum artigo de interesse, pesquisar jurisprudência.

                        Detestava tudo o mais, não entendia como alguém podia perder tempo nas salas de bate-papo, nos blogs e nas comunidades virtuais.

                        Até mesmo o celular lhe parecia uma intolerável invasão de privacidade, motivo pelo qual sempre deixava o seu desligado, só o utilizando quando viajava ou precisava fazer uma ligação urgente e não havia telefone fixo por perto.

                        Ainda por insistência da secretária e do filho acabou concordando em criar uma conta de e-mail, mas apenas para mensagens telegráficas, ou para enviar e receber material de trabalho quando estivesse fora do escritório.

                        Não abria mão de escrever cartas, colocá-las no envelope e postá-las, como antigamente. O máximo que se permitia era digitar as cartas no computador, pois que a sua letra estava a cada dia pior, e nem ele próprio algumas vezes entendia o que havia escrito. Nessas ocasiões, só a secretária era capaz de decifrar os garranchos.

                         Se os grandes escritores, como Machado de Assis, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, e tantas outras figuras importantes tivessem se valido do e-mail, não teríamos os registros epistolares, que são fontes inesgotáveis e essenciais de reconstituição da vida de cada um deles, da sua época e da própria História. O que será do futuro, sem cartas, livros e jornais, tudo engolido e substituído pela mídia virtual? A própria vida talvez se torne virtual, se é que já não se tornou.

                        Mesmo a contragosto, pelo menos uma ou duas vezes por semana abria a sua conta de e-mail, na maioria das vezes apenas para limpar a caixa de anúncios publicitários, ofertas mirabolantes e  outras chateações.

                        Num desses dias deparou com a mensagem que o fez estremecer:

 

eii querido!!! nao me cansarei de falar q esse dia foi o mais lindo e mais importante da minha vidaaaaa viuu, entaaaoo, ummm bjoo na bocaaa! te amooo! apague as fotusss depois heim! rsrs (CUIDADO COM AS FOTOS ALEM DE INTIMAS MOSTRAM O MOTEL TODO INCLUSIVE O NOME) se sua esposa pega estamos perdidos rsrs

 

                        Quem lhe teria enviado aquilo?

                        Como podiam saber o seu e-mail se não o havia divulgado, a não ser para os mais próximos? 

                        Incomodado, tratou de excluir a mensagem, sem abrir as fotos que a acompanhavam.

                        Mas, nos dias seguintes mensagens semelhantes se sucederam:

 

Estou mandando nossas fotos… agora ve se não esquece de deletar depois ok, não salve nada não viu.. beijos

 

                        Deus do céu! Será que a bebedeira na noite de despedida  daquele congresso na Bahia, em que foi parar num inferninho com alguns colegas, tinha chegado a tal ponto? Não se lembrava direito do que fizera, mas um dos companheiros lhe disse de manhã quando saíam do hotel para o aeroporto:

                        Sim senhor, hem! Quem diria que ocultasse o grande conquistador que é? E um exímio dançarino de tango…

                       Com uma ressaca terrível,  achou que tudo não passava de gozação e não deu maior importância ao comentário, que havia merecido o apoio entusiástico de vários outros que participaram da comemoração.

                        Por isso não gostava de beber. Seria ele um Dr. Jekill com um Mr. Hyde nas entranhas, um fauno insaciável, um libertino sem escrúpulos nem limites, liberado pelo álcool?

                        Se sua mulher ou  famíliares soubessem disso, estava perdido!

                        Passou duas semanas de cão, lendo e apagando as mensagens, que chegavam diariamente, às vezes três ou quatro num mesmo dia.

                        Seria uma tentativa de chantagem em curso?

                        Ao mesmo tempo, roia-se de vontade de ver as fotos anexadas. Seria ele mesmo? Como estaria? O que teria feito? Quantas mulheres haveria?

                        Um dia afinal, não mais  se contendo, clicou no link das fotos.O médico e o monstro 3

                        Então ele viu.