Saudade do meu vô Tufy
Acho que hoje não é o meu dia de sorte. De manhã na escola, o professor Ivo, de Português, sorteou uns temas para redação. Eu fiquei por último e o que me sobrou foi este: “A estrela aquece”. Agora de tarde, enquanto a turma joga futebol no campinho, estou aqui sem saber o que escrever. Acho que não vou fazer a redação e ficar sem nota.
Qual o sentido desse título, “A estrela aquece”?
Meu pai que vive com o nariz enfiado nos livros, mas não gosta de me ajudar a fazer os deveres da escola, me disse para usar a cabeça, e que tem um livro de um tal de Marques Rebelo chamado “A estrela sobe”. E daí? Por sinal, estrela não sobe, ela já está lá em cima. O que sobe mesmo é pipa, papagaio, balão e avião. E de Marques ou Marquês, o único que eu conheço mesmo é o Marquês de Rabicó, do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Procurei no dicionário e vi que, embora tenha um monte de outros significados, ou sentidos figurados, como diz o professor, estrela é aquilo mesmo que se vê no céu todas as noites, quando não está chovendo. Ou seja, estrela brilha, pisca, ilumina, mas aquecer…?
Espera aí! Se ela brilha é porque tem luz e calor. O sol não é uma estrela? E o sol esquenta pra valer. Será que é isso? Se for, a minha redação vai ficar muito besta.
O professor diz que, para fazer uma boa redação, devemos usar a imaginação, ser criativo, inventar, a partir de coisas que aconteceram com a gente.
Pensando nisso, lembrei de um carro importado que meu avô comprou (naquele tempo não havia carro nacional) e tinha uma baita estrela, cromada e muito linda, na frente do capô.
O carro também era muito legal, com bancos de couro, direção de madrepérola, rádio, buzina que tocava uma musiquinha e um motor que roncava macio e gostoso.
Só tinha um problema: o raio do motor esquentava e começava a soltar fumaça bem debaixo da estrela, que, muito mais do que aquecer, ardia e até queimava a mão se a gente encostava nela.
O meu avô ficava muito chateado com isso, ameaçava devolver o carro ao sujeito que tinha lhe vendido, ia de oficina em oficina, sem conseguir resolver o enguiço.
Era só andar uma distância ou pouco maior e lá vinha a fumaceira, a estrela embaçava e quase derretia de tanto aquecer. Era preciso abrir o capô, soltar com cuidado a tampa do radiador, colocar água e esperar o motor esfriar.
Até que um dia meu avô resolveu ir a uma cidade grande, um pouco longe, onde tinha uma oficina da marca do carro. Eu fui com ele e a viagem de ida foi um custo. Tinha de parar a toda hora, para esfriar o motor e a estrela. Mas valeu a pena. Os mecânicos descobriram um probleminha à toa no radiador e consertaram no mesmo dia.
Enquanto isso, meu avô e eu passeamos pela cidade, tomamos sorvete, comemos pipoca e até assistimos a um filme do Tarzan na matinê.
Na volta, com o carro tinindo, meu avô todo contente desligou o rádio, contou umas histórias de assombração, que ele jurava ter acontecido com ele e me de deixavam arrepiado, cantarolou umas músicas e uns tangos engraçados, e eu quase me rachei de tanto rir.
Depois disso, o carro ficou muitos anos ainda com meu avô, que sempre me levava para passear com ele. De vez em quando, me sentava no seu colo e me deixava comandar a direção, dizendo-me que eu seria um motorista melhor do que ele.
O motor nunca mais esquentou e a estrela do capô, lá na frente, nunca mais aqueceu. Ficava sempre reluzente e fria, como parecem ser as estrelas lá no céu, vistas daqui de baixo.