Depois do metrô, de dois ônibus e uma boa caminhada, chegou finalmente em casa, na periferia distante, onde o cachorro o esperava na entrada, com o rabo abanando e os chinelos na boca.
Entrou e ouviu da cozinha a voz carinhosa da mulher dizendo para tomar banho depressa, que o jantar logo seria servido. Podia sentir no ar o aroma delicioso da comida.
Subiu as escadas do pequeno sobrado até o quarto, tirou a roupa e no banheiro anexo deixou que a água quente e reconfortante lhe escorresse pelo corpo, admirado com a força da ducha naquele dia.
Ainda gozava as delícias do banho, que resolveu prolongar, quando ouviu um vozerio e o barulho de passos apressados subindo a escada.
Os três tiros desfechados à queima roupa amargaram-lhe a boca, e ao cair levou consigo a cortina do boxe, na qual buscou apoio.
Como no filme de Hitchcock, os seus olhos baços viram o sangue misturando-se com a água e a mescla líquida ser sugada pelo ralo, num ruído rouco.
Só então lhe passou pela cabeça como um flash a lembrança de que morava num apartamento, não era casado e não tinha cachorro, que agora gemia e lhe lambia o rosto, enquanto a luz pouco a pouco se apagava.