Posts from agosto, 2009

Preamar

 

 

Post coitum omne animal triste, nisi gallus qui cantat.

 

 

                        Parece um sonho.

                        Ela ali, deitada ao seu lado, linda e sorridente, olhando fixamente para ele, com ternura e paixão.

                        O anseio é tanto, que teme quebrar o encanto breve. Mais de uma vez recolhe o gesto esboçado para continuar a contemplá-la, esparramada no lençol de cetim, nua e lânguida.

                        Até que não mais resiste, estica o braço e toca a carne palpitante e quente, numa carícia trêmula.

                        O corpo agora é um mar que se crispa e o engolfa numa onda vertiginosa, que cresce, cresce, cresce, até se quebrar espumosa e mansamente despejá-lo na praia úmida.

                        Ao longe, os sons da casa lentamente ressoam, o ruído dos derradeiros pingos da chuva que caem do telhado na folhagem do quintal, pouco a pouco se distinguindo do relógio que lateja na sala.

                        O súbito vazio, absoluto e oco como uma lata velha, aberta dos dois lados, transpassada pelo vento.

                        Por que assim?

                        Em que baía, em que ilha, o desejo naufragado se acoitou?

                        De costas para ela, acende o cigarro e se deixa ficar, desterrado e indolente, acompanhando o bailado da fumaça no ar.

                        Lá fora o galo cantou, para o dia que nascia.