Acordou, como todo dia, alguns minutos antes que o despertador tocasse.
Seguiu a rotina de sempre. Escovou os dentes, banhou-se, tomou o café da manhã, enquanto assistia ao noticiário da TV, folheou o jornal, que leria com calma à noite. Tornou a escovar os dentes, antes de sair para o trabalho.
No escritório, cumpriu as tarefas matinais, sem novidade alguma.
Foi quando almoçava com os colegas, no restaurante costumeiro, que se deu conta, num repente, de que estava nu.
Não obstante, tudo corria da forma corriqueira. As conversas à mesa, o serviço dos garçons, os cumprimentos a conhecidos que entravam ou saíam.
Sentia-se absolutamente à vontade, confortável, e ninguém parecia notar a sua nudez. Nenhum traço de espanto, nenhum alvoroço.
Pediu licença e foi até ao banheiro. Mirou-se no espelho e confirmou que estava inteiramente nu. Em vez de alarmá-lo, isso o tranquilizou. Não estava delirando, imaginando coisas.
De volta à mesa, terminou calmamente a refeição.
Pagarem a despesa e caminharam, como de hábito, alguns quarteirões até o escritório.
Apesar do sol escaldante e de estar descalço, não sentia incômodo algum. Os pés deslizavam pelas calçadas e pelo asfalto como se estivem protegidos pelo calçado mais aconchegante, ou como se andasse no ar.
Ao longo da tarde nada se alterou. Atendeu clientes, passou orientações para a secretária e outros funcionários, assinou documentos, participou de uma reunião.
Chegava a se esquecer de que estava nu, mas quando se olhava ou via sua imagem refletida em vidros ou espelhos, a nudez se estampava.
Lembrou-se do conto de Fernando Sabino, em que um homem, acidentalmente, se vê nu fora de casa e sofre muitas aflições.
Ele, porém, estava em completa paz.
Voltou para casa um pouco mais tarde que o habitual, mas ainda em tempo de jantar com a família, brincar com os filhos, ajudá-los nas lições da escola.
Depois que as crianças foram dormir, ele e a mulher conversaram tranquilamente sobre as coisas do dia e os planos para as férias que se aproximavam, enquanto tomavam um vinho do Porto.
A mulher foi se deitar, e ele permaneceu mais algum tempo na sala, lendo o jornal e algumas páginas de um livro.
Quando também foi para o quarto, a mulher já havia adormecido. Deitou-se ao seu lado e logo o sono o enlevou, mansamente.
Amanhã recomeçaria.