Posts from setembro, 2009

Missa de corpo presente

 

                        Daqueles que estavam presentes, ninguém faltou.

                        Dos que faltavam, ninguém fez falta.

                        Assim pensava, enquanto participava da missa de corpo presente.

                       Missa rezada à moda antiga, em latim, com o celebrante de costas para os fiéis e de frente para o altar, como exigira o finado e fora atendido pelo vigário, com autorização do bispo, em especial deferência à saudosa e ilustre figura.

                        Durante o réquiem, ainda a pedido do extinto, foram entoados cantos gregorianos (ou cantus planus, como ele gostava de dizer).

                        De onde estava, podia ver a viúva e os filhos ao lado do caixão. Ela, quase vinte anos mais nova que o marido defunto, ainda era uma bela mulher, com seus cabelos volumosos escorrendo pelo vestido preto e justo, que lhe caía muito bem, realçando a pele alva, as formas perfeitas, os seios fartos, as pernas longas  ressaltadas pelas meias também negras e o salto alto.

                        Não lhe faltariam pretendentes para novo marido ou para amante, se ela assim preferisse, já que estava bem amparada pelos generosos recursos deixados pelo pranteado, e não mais dependeria de homem algum.

                        Os filhos adolescentes, o rapazinho imberbe, com o ar apalermado de quem não entendia bem o que estava acontecendo, e a menina, com os olhos inchados e vermelhos pelo choro, mas já  a desvelar a  moça que sobrevinha, mantendo a postura hierática e amparando a mãe,  também não passariam dificuldades até que ambos se formassem e tivessem vida própria.

                        Acompanhou a longa liturgia da missa solene com certo enfado e alguma impaciência.

                        Na homilia, o padre discorreu sobre a efemeridade da vida terrena e das pompas do mundo, além de fazer os elogios de praxe ao falecido, definindo-o como um homem da ciência e do saber, “com lógica de ferro e coração de ouro”.

                        Após a benção final, quando o sacerdote proclamou “Ite, missa est”,  já não estava presente.

 

 

 

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