Daqueles que estavam presentes, ninguém faltou.
Dos que faltavam, ninguém fez falta.
Assim pensava, enquanto participava da missa de corpo presente.
Missa rezada à moda antiga, em latim, com o celebrante de costas para os fiéis e de frente para o altar, como exigira o finado e fora atendido pelo vigário, com autorização do bispo, em especial deferência à saudosa e ilustre figura.
Durante o réquiem, ainda a pedido do extinto, foram entoados cantos gregorianos (ou cantus planus, como ele gostava de dizer).
De onde estava, podia ver a viúva e os filhos ao lado do caixão. Ela, quase vinte anos mais nova que o marido defunto, ainda era uma bela mulher, com seus cabelos volumosos escorrendo pelo vestido preto e justo, que lhe caía muito bem, realçando a pele alva, as formas perfeitas, os seios fartos, as pernas longas ressaltadas pelas meias também negras e o salto alto.
Não lhe faltariam pretendentes para novo marido ou para amante, se ela assim preferisse, já que estava bem amparada pelos generosos recursos deixados pelo pranteado, e não mais dependeria de homem algum.
Os filhos adolescentes, o rapazinho imberbe, com o ar apalermado de quem não entendia bem o que estava acontecendo, e a menina, com os olhos inchados e vermelhos pelo choro, mas já a desvelar a moça que sobrevinha, mantendo a postura hierática e amparando a mãe, também não passariam dificuldades até que ambos se formassem e tivessem vida própria.
Acompanhou a longa liturgia da missa solene com certo enfado e alguma impaciência.
Na homilia, o padre discorreu sobre a efemeridade da vida terrena e das pompas do mundo, além de fazer os elogios de praxe ao falecido, definindo-o como um homem da ciência e do saber, “com lógica de ferro e coração de ouro”.
Após a benção final, quando o sacerdote proclamou “Ite, missa est”, já não estava presente.
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