O conde Afonso Celso publicou no ano de 1900 um livro denominado Por que Me Ufano do Meu País, que consta ter sido traduzido em doze línguas e vendido muito.
A obra é uma coletânea de máximas acacianas ou simplesmente ridículas (a maioria delas), que pretendem demonstrar a superioridade do Brasil em relação aos demais países, tais como:
• “O Brasileiro, em última análise, passa os dias mais felizes do que o alemão, o francês, o inglês, dias mais serenos, mais risonhos, mais esperançosos.”
• “Feridas e amputações cicatrizam mais depressa do que nos hospitais do Velho Mundo.”
• “Em alguns pés, em Mato Grosso, as laranjas, já muito doces, quando murcham nos galhos reamadurecem dulcíssimas. Verdadeira ressurreição.”
• “Quase todos os homens políticos brasileiros legam à miséria as suas famílias. Qual o que já se locupletasse à custa do benefício público?”
Deixemos o pobre conde descansar em paz, com seu patriótico e ingênuo ufanismo, sem esquecer, porém, das tragédias provocadas pelos “ismos” exacerbados, entre os quais os patriotismos ou nacionalismos cegos e intolerantes. Não sem razão já se disse que, muitas vezes, o patriotismo é o último refúgio dos canalhas (o que não é o caso do conde, diga-se).
Eu por mim não me ufano nem desdenho do Brasil. Creio que devemos reconhecer o que temos de bom e também de ruim, como todos os demais povos e países, o que não deixa de ser acaciano. Infelizmente os nossos defeitos têm suplantado em muito nossas qualidades.
Mas se há uma coisa de que nós brasileiros podemos nos orgulhar é a extraordinária riqueza da nossa música popular, a sua exuberância rítmica, a profusão de gêneros, o grande talento de nossos compositores e músicos.
Entre tantos, o mineiro de Ubá, mas carioquíssimo da gema, Ary Evangelista Barroso é uma das figuras mais legendárias, cuja obra musical não fica atrás das dos maiores compositores norte-americanos, como Cole Porter e os irmãos Gershwin.
Além de excelente compositor e pianista, Ary Barroso foi locutor esportivo (que não escondia a sua paixão pelo Flamengo, e quando este estava sendo atacado perigosamente pelo outro time não hesitava berrar em pleno ar: — Eu não quero nem ver!), humorista e animador de programas de rádio, como o famoso Calouros em Desfile, em que, além de exigir que os candidatos cantassem somente música brasileira e anunciassem o nome dos compositores, gongava e escrachava sem piedade os desafinados, mas sabia reconhecer e ajudava os talentosos, tendo revelado inúmeros cantores, entre os quais Ângela Maria e Lúcio Alves.
A propósito, o não menos notável José Vasconcelos, no show em que se consagrou, Eu sou o espetáculo, gravado depois em LP, fazia uma imitação impagável de Ary às voltas com um calouro, Seu Chiado, a quem Ary pergunta:
— O senhor é Chiado por parte de pai ou de mãe?
E depois de receber a resposta de que o sobrenome era paterno, acrescenta:
— E quando o seu pai chiava a sua mãe não reclamava?
Para desespero de Ary, Seu Chiado se propõe a cantar um “sambinha”, e depois de tomar outro esculacho do apresentador por debochar do samba, usando o diminutivo, revela que o tal “sambinha” é nada mais nada menos do que Aquarela do Brasil.
Quando o calouro é gongado, não apenas por desafinar, mas por dizer “vou cantar-te nos meus velsos”, Ary se regozija e não resiste:
— Pode parar Seu Chiado. O senhor vai cantar nos seus “velsos”, porque nos meus versos não vai cantar não!
Embora seja de altíssima qualidade, e uma das mais belas do nosso cancioneiro, tendo consagrado Ary Barroso em todo o mundo, Aquarela do Brasil sempre foi criticada por alguns ranzinzas, que apontam defeito ou pouca inspiração em versos como “Meu Brasil brasileiro”, “esse coqueiro que dá coco”, o que deixava Ary furioso.
Por que estou me lembrando agora do grande Ary Barroso?
Por causa da interpretação arrepiante de Aquarela do Brasil por um coral que acabo de ver no You Tube, e pode ser acessada clicando aqui.
Vá ver a apresentação do coral e leia depois o post scriptum nas Pílulas.