O nosso bom José de Alencar proclamava: “Todos cantam sua terra / Também vou cantar a minha”.
Peço licença para parodiá-lo e dizer: todos contam a queda do muro de Berlim, também vou contar a minha.
Não me entendam mal. Não levei um tombo do muro de Berlim. Trata-se de um fato curioso que presenciei — pela televisão, é claro — quando daquele acontecimento histórico.
Estava eu diante do que o saudoso Sérgio Porto cognominava de máquina de fazer doido, assistindo ao jornal noturno da Globo, que noticiava o evento épico, para muitos o marco do fim do século XX ou da própria história, quando um dos enviados especiais entrou diretamente de Berlim (não sei se ao vivo ou em matéria gravada), descrevendo euforicamente os acontecimentos que as imagens bem mostravam: uma grande folia cívica, com brindes de champanhe, abraços e beijos, muita gente sobre o muro, outros arrancando-lhe pedaços de recordação.
Em seguida, cada vez mais entusiasmado, o diligente repórter (não tenho certeza, mas creio que era o Bial) descobriu que havia alguns brasileiros por lá, e passou a entrevistá-los, colhendo-lhes as impressões e os depoimentos para a posteridade.
Entre os entrevistados, logo se destacou um casal, formado por um homem já maduro e uma moça muito bonita, bem mais jovem do que ele, que falava com fluência, a demonstrar conhecimento e cultura.
Por isso mesmo a entrevista se alongou um pouco mais do habitual no reduzido tempo da televisão, permitindo-me que identificasse o homem, que matreiramente disse se chamar Rubens.
— Mas esse cara é o Rubem Fonseca, berrei eu para aqueles que estavam próximos e me olharam desconfiados. A entrevista prosseguiu e foi encerrada sem esclarecer se eu tinha razão.
Entenda-se. Rubem Fonseca, que estava no auge do seu prestígio como escritor, sempre foi um tipo arredio, que raramente se deixa fotografar ou concede entrevistas. Pior do que ele só Dalton Trevisan, O Vampiro de Curitiba.
Mesmo assim, eu que nunca fui repórter ou jornalista, conhecia-lhe a figura. Tempos antes, havia passado alguns dias no Rio de Janeiro e numa manhã, bem cedinho, trotando pelo calçadão, tive quase certeza de que o sujeito que ia um pouco à frente era ele, que pelo menos naquela época era sabidamente adepto do então chamado Cooper.
Apertei o passo para acompanhá-lo de perto (ele ia mais rápido do que eu), até que depois de um bom tempo ele parou numa barraca para tomar água de coco. Disfarcei e parei também, mas não tive coragem de abordá-lo, pois sou incapaz de forçar intimidade ou bancar o admirador importuno.
Logo depois ele se foi e prossegui na minha (agora) caminhada pelo calçadão, sem ter comprovado que era mesmo o Rubem Fonseca, mas achando que sim.
O mesmo aconteceu quando da transmissão televisiva. Um ou dois dias depois, porém, a própria Globo confirmou que se tratava dele, e repetiu a matéria em que o seu enviado especial comeu a maior barriga e perdeu um grande furo.
Como se vê, para mim não foi propriamente uma queda, e sim uma subida de prestígio, pelo menos no meio familiar. Mas durou pouco. Logo caí do pedestal e tornei ao rés do chão, que é onde devemos estar.