Faz muito tempo. Como quase tudo hoje na minha vida.
Eu era bem pequeno, devia ter uns quatro ou cinco anos. A idade deve ser essa porque ainda não sabia ler, e aos seis, já.
Meu avô Tufy tinha uma daquelas velhas vitrolas de alta fidelidade e uma boa coleção de discos, as famosas bolachas de 78 rotações, grossas e pesadas, que se quebravam facilmente. Por isso eram guardadas zelosamente em dois ou três álbuns, cuja capa era de couro, com divisões internas de papelão para acondicionar os discos, um a um.
O gosto musical do meu avô era eclético: músicas árabes (uma de suas paixões), algumas dos compositores clássicos, e muitas do cancioneiro popular: Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Francisco Alves, Nora Ney, Marlene (que, quando moça, ele achava muito parecida com minha mãe, seu xodó), entre outros. Havia também vários discos com músicas temas de filmes de sucesso.
Os discos eram todos muito parecidos, até mesmo as etiquetas, a grande maioria da RCA Victor, com o clássico emblema do cachorrinho ouvindo um gramofone.
Não sei explicar com que manhas e artes, mas mesmo não sabendo ler conseguia identificar qualquer disco que meu avô me pedisse, tirá-lo do álbum e entregá-lo para ser posto a tocar. Meu avô, coruja como ele só (qualquer semelhança não será mera coincidência) considerava isso um verdadeiro prodígio do seu primeiro neto, prova de grande inteligência e vivacidade. Quando recebia visitas, e a vitrola era exibida com orgulho e posta para funcionar, fazia questão de lhes demonstrar a capacidade ímpar do menino, que por certo não passava de senso de observação mais aguçado, comum em todas as crianças.
Uma das músicas que me fascinavam na coleção do meu avô era o tema do filme Laura (From Laura). Na época fiquei sabendo disso exatamente por gostar muito dela e haver perguntado a respeito.
Muitos anos depois, num fim de noite e na companhia do meu avô e de meu pai, assisti pela primeira vez Laura na televisão, um clássico do cinema noir americano (o detetive durão que se apaixona pelo retrato da linda mulher morta), que se tornou um dos meus filmes cults, dirigido por Otto Preminger, e estrelado por Gene Tierney (belíssima e de um charme arrebatador), Dana Andrews, Clifton Webb e Vincent Price. Também a sonoridade do nome me agradava, e agrada ainda, a ponto de cogitar dá-lo a uma das minhas filhas.
Fico sabendo agora que o centenário de um dos autores de Laura, Johnny Mercer (a música é de David Raksin, ouça e veja aqui), nascido no dia 18 de novembro (mais um escorpiano), é celebrado nos EUA, com um documentário (Johnny Mercer, the man and his music), produzido por Clint Eastwood, e o lançamento de um livro com suas mais de 1.200 letras, escritas para melodias dos mais famosos compositores americanos, como Harold Arlen, Henry Mancini, Duke Ellington.
Johnny Mercer era reverenciado, entre vários outros, por Frank Sinatra, intérprete de muitas das suas canções, quatro das quais ganharam o Oscar, e dezenove outras foram indicadas para a premiação.
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