Desembarquei no aeroporto Santos Dumont por volta das 8h30min, depois de um voo tranquilo e agradável no novo jatinho da Passaredo.
Depois daqueles quinze ou vinte minutos intermináveis, aguardando a bagagem na esteira, em que sempre me dá a sensação de que a minha mala não virá, saímos para o saguão para tomar um táxi rumo ao hotel, na R. Maria Quitéria, em Ipanema, onde me prepararia para meu confronto ou reencontro com o mar mal humorado.
Foi então que vi um sujeito, entre vários outros que aguardavam os passageiros ilustres ou apenas esperados, com uma plaqueta com meu nome.
Deveria ser mera coincidência, imaginei logo, algum xará de sobrenome. Quem haveria de me esperar?
Quando me afastava, sem fazer contato, o homem alto e forte, me abordou:
– O senhor não é o Dr. Gama, de Ribeirão Preto?
Diante da minha cara de espanto, esclareceu:
– Sou o detetive Welber, trabalho como Delegado Espinosa, lá na 12 DP em Copacabana. Já almoçamos juntos, os três, lembra-se?
– Claro que sim! Desculpe-me, jamais poderia imaginar que alguém, principalmente você, me aguardasse. O que houve? Como está o Espinosa?
– Ele está bem. Passou maus bocados com aquele grave ferimento que sofreu no último caso em que trabalhou. Quase morreu. Ainda está de licença, mas a cada dia melhor. Foi ele quem me pediu para esperá-lo e lhe dizer que ele gostaria de ter uma conversa com o senhor. Se quiser, posso levá-lo na viatura ao apartamento dele no bairro Peixoto, e depois para o seu hotel.
Estava louco para chegar logo ao hotel e tomar um bom banho, mas a curiosidade e a velha amizade com Espinosa foram mais fortes.
Coloquei Delucena e Júlia num táxi para o hotel e fui com Welber até o bairro Peixoto, entranhado em Copacabana, rever o velho e bom Espinosa e descobrir o que se passava.
Espinosa e eu nos conhecemos na época da faculdade de Direito e logo nos tornamos grandes camaradas. Ele também é fanático por livros e lê tanto ou mais do que eu. Carioca, depois de formado e de trabalhar durante um ano como advogado assistente de um grande escritório de advocacia em São Paulo, decidiu regressar para o Rio e prestar concurso para a Polícia Civil, sua vocação. Casou-se, mas se separou alguns anos mais tarde. Hoje a ex-mulher mora nos EUA com o filho, que costuma vir passar as férias com o pai e já deve estar moço.
Nunca perdemos o contato, e sempre que venho ao Rio nos encontramos para almoçar ou jantar e principalmente para percorrer livrarias e sebos, que ele conhece como ninguém. Seu sonho é se aposentar daqui a alguns anos e se tornar livreiro ou dono de um sebo.
Deve ter mais de três mil livros no seu apartamento, cuidadosamente acomodados ao longo de duas paredes, formando uma curiosa estante só de livros, em que estes próprios fazem as vezes de prateleiras, arrumados na vertical e na horizontal, sucessivamente. Não é lá muito fácil apanhar um livro sem pôr em risco a estrutura da estante virtual, mas Espinosa sabe como fazê-lo.
Achei-o um pouco mais magro e abatido, porém em franca recuperação, bem disposto e ativo.
Depois dos abraços e amabilidades de costume, não resisti:
– Espinhosa, meu velho, me explique logo como soube que chegaria hoje e por que me mandou esperar no aeroporto?
– Tirocínio policial, gracejou ele. Você não me avisou, mas tenho acompanhado o seu blog, Estrela Binária, onde soube que vinha passar férias aqui no Rio e chegaria hoje. Descobrir o voo e o horário foi muito fácil… Aliás, prosseguiu, li também sobre o seu patétito tombo e a fratura do punho nas férias anteriores. Eu ainda estava de cama, em recuperação, e passava o dia lendo e navegando na internet. Foi assim que descobri seu blog. Você já está OK, não é verdade?
Exibi-lhe a cicatriz cirúrgica no punho e ele, para me gozar e humilhar, levantou a camisa e me mostrou a dele, no peito, enorme e assustadora.
A conversa se alongou e, depois que Welber tinha sido dispensado para retornar ao trabalho, decidimos almoçar na Trattoria próxima, que Espinosa costumava frequentar há muitos anos.
Só então, durante a refeição regada com um ótimo vinho de Piemonte, Espinosa me revelou o que estava acontecendo.
Mesmo de licença médica, havia sido procurado pela mulher de um dentista que desaparecera de forma repentina e misteriosa, como num passe de mágica, depois de sair do consultório em Copacabana, no horário habitual, e se dirigir para casa, a umas poucas quadras pela Avenida Atlântica, no Leme, onde a sua linda mulher o aguardava para irem jantar com amigos.
O dentista era um homem metódico, educado e respeitoso, de vida pacata, sem amantes ou inimingos conhecidos.
O mais estranho é que o seu carro foi encontrado perfeitamente estacionado na vaga da garagem do prédio residencial, com a chave no contato.
Duas delegacias especializadas, Homicídios e Sequestros, estavam investigando o caso em marcha lenta, mas após vários meses no estaleiro Espinosa estava intrigado e havia concordado em atuar extraoficialmente como uma espécie de consultor da mulher do desaparecido, que estava aflitíssima.
O seu ponto de partida era um desaparecimento voluntário, de alguém que se enfairou com o tédio da vidinha modorrenta, mas não descartava outras hipóteses.
– Sem nenhum compromisso, enquanto você curte suas férias adiadas, podemos ficar em contato e trocarmos ideias sobre as investigações. Sei que você gosta disso, e talvez possa lhe render uma boa história para o seu blog ou até mesmo para o livro que você vive prometendo escrever. O que você acha?
Como poderia não topar?
(continua)