Posts from janeiro, 2010

As teias do Aranha

 

 

 

                        De uma hora para outra notou que a mulher estava diferente, comportando-se de modo estranho.

                        Sussurros ao telefone, saídas repentinas, além de tratá-lo com certa frieza e ironia.

                        Resolveu prestar mais atenção e nada falar a ela.

                        Uma semana depois não tinha mais dúvidas: ela mudara, não era a mesma de antes.

                        Teria arrumado um amante?

                        Apesar dos quarenta anos recém-completados e de dois filhos, ela se mantinha em forma, o corpo tornara-se até mais voluptuoso, era inteligente e sagaz, tinha tudo para atrair um homem. Menos a ele, que se deixara tomar pela rotina do casamento e pouco reparava nela. Nem mesmo para o sexo tinha disposição e mantinham relações cada vez mais espaçadamente.

                        O quadro era perfeito para um par de chifres. Mulher ainda bonita e sensual, entediada com o marasmo da vida conjugal, que chega aos quarenta e lhe sobrevém o medo de envelhecer, manda tudo às favas e resolve desfrutar do tempo que lhe resta.

                        Coincidência ou não, começou a receber quase diariamente e-mails publicitários do Detetive Aranha, oferecendo-lhe seus serviços. O sujeito era um especialista no ofício, com uma empresa consolidada desde 1986 no ramo de investigação, com inúmeros casos solucionados, e ofertava um extenso rol de serviços: adultério, conjugal e familiar, flagrantes, com fotos e vídeos, dossiês de pessoas físicas e jurídicas, concorrência desleal, pessoas desaparecidas, infiltração de agentes (indústria e comércio), rastreamento de veículos “GPS” tempo integral, filmagens ocultas, em áudio e vídeo e muito mais!

                        Entrou no site da empresa para verificar. “Sigilo absoluto. Você pode confiar”.

                        Quando ia anotar o endereço, ainda hesitante se valia a pena investigar a mulher, deteve-se num detalhe do anúncio, no canto direito, ressaltado por uma bolota vermelha: “Flagrantes atravez de Fotos e Filmagens Provas Concretas para Justiça”.

                        Foi bem a tempo! Desistiu.

                        Quem escreve “atravez” com “z” não merece confiança. Talvez (com “z”) o Detetive Aranha devesse começar por investigar um dicionário.

                        E já não tinha certeza se queria ter certeza. O que faria? Expulsá-la de casa? O mais provável é que ele saísse, deixando a casa para as crianças e para ela, que sempre fora uma ótima mãe. Matá-la? Matar-se? Lavar com sangue a honra? Nunca tivera vocação para a tragédia, para ele a vida estava mais para o tragicômico.

                        Quem sabe ele também arrumasse uma amante?

                        Ainda em dúvida, nos dias seguintes começou a ter a sensação de que estava sendo seguido, o que a princípio reputou ser fruto da sua imaginação, em decorrência dos fatos recentes.

                        Todavia, embora tentasse afastar a ideia, sentia-se cada vez mais incomodado. Passou então a controlar pelos retrovisores do carro, pelo reflexo de vitrines ou espelhos e outros meios dissimulados, até perceber que era acompanhado por um mesmo carro verde metálico, e por um sujeito, que de vez em quando trazia enfiado na cabeça  um chapeuzinho de feltro, e o qual chegou a entrever com uma câmera nas mãos.

                        Manteve-se atento por mais algum tempo e teve a certeza de que estava mesmo sendo espionado.

                        Um dia, ao sair do restaurante em que costumava almoçar com amigos, e ver o sujeitinho parado numa banca de revistas próxima, como quem não queria nada, perdeu a paciência, avançou de surpresa sobre ele e o agarrou pelo colarinho. O tipo era franzino, ao contrário dele, alto e forte, jogador de basquete e vôlei na juventude. Não teve dificuldade em dominá-lo e deixá-lo tremendo de medo, ainda mais quando os amigos, grandalhões como ele, também se acercaram.

                        Pois se tratava do Detetive Aranha, que se vendo flagrado em vez de flagrar, admitiu que o estava investigando, contratado pela mulher, que desconfiava de que ele tivesse uma amante.

                        De volta para casa, chamou a mulher e lhe contou tudo. Há muito tempo não se falavam tão francamente, e acabaram às gargalhadas. Ela ficara fria e distante por ciúme de que ele a estivesse traindo e por lhe dar pouca atenção. As conversas ao telefone e as saídas de casa eram justamente para se encontrar com o Detetive Aranha e receber seus relatórios, que nada revelavam.                 

                        Do riso passaram a se acarinhar com ardor e desejo crescentes. Aos tropeções, arrancando-se as roupas, foram para o quarto e se amaram com há muito tempo não faziam.

                        De vez em quando, enroscados na cama, ainda se lembram do episódio (ou seria espisódio?) e admitem que afinal de contas o Detetive Aranha lhes prestou um ótimo serviço.