Observem Fernanda Young.
Tem um rosto de delicada e clássica beleza, a pele clara, o corpo esguio. Uma francesinha, uma Coco Chanel (aliás, seu cabelo tem o corte tipo Chanel).
Mas em oposição a tudo isso, pelos braços, ombros, pelas mãos, costas, pernas, e por outras partes mais íntimas do corpo se espalham tatuagens, além de piercings nos mamilos (como revelado nas fotos nuas que fez para a revista Playboy) que podem e talvez queiram mesmo chocar.
Tal contraste é revelador de um espírito inquieto, indômito, audacioso, instigante, aberto a novas experiências, que busca se projetar na própria pele.
Quando ela escreve, esse espírito se evidencia por completo:
“Estrias. Estrias esponjosas. Chamadas de cavernosas. Que se incham de sangue. Isso perfaz um pau duro, maior orgulho e glória de um homem. A honra de poder apresentar ao mundo uma ereção… eis o que os homens querem, mais do que tudo, em suas vidas. Arte, ciência, fé, amor, tudo isso é secundário diante da capacidade de preencher com sangue venal uma esponja de carne pendurada entre as pernas. De que vale, afinal, você realizar uma obra-prima, se o seu pau permanece mole? Para que desvendar os mistérios do Big Bang se, depois, aquele específico pedaço do universo continua frio e vazio como antes? Qual a importância da existência ou não de Deus, perante um pau que não consegue apontar para cima? Rebaixem um homem ao máximo, chamem sua mãe de puta suja, invadam a sua pátria estuprando as suas filhas; nada será pior do que torná-lo inapto a endurecer seu pênis. Com todas as graves doenças que assolam a humanidade, o remédio mais vendido no mundo é para evitar esta suprema humilhação. “Não, isso não”. Um homem confessará qualquer coisa, roubos, fraudes, perversões, assassinatos, mais jamais irá admitir que tem um pau flácido. Setenta gramas de carne: um hambúrguer, se for esmagado”.
Esse é o primeiro parágrafo do seu mais recente livro, O pau, e quer se goste ou não da crueza do estilo e do tema, ou até mesmo do título e da capa ousados, quem escreve assim é uma escritora (pelo menos para mim).
A história da literatura é repleta de livros tidos como malditos pelas mais variadas razões, entre os quais A Origem das Espécies, de Charles Darwin, e Notre Dame de Paris, de Victor Hugo. que figuraram do Index (Index Librorum Prohibitorum) da Santa Madre Igreja Católica, criado em 1559 e presumivelmente abolido em 1962, pelo Papa João XXIII.
Em matéria de sexo, então, a lista é enorme.
Não pretendo com isso dizer que o livro de Fernanda Young esteja à altura dos clássicos da literatura erótica, ou que ela se compare a escritoras como Hilda Hilst, Marguerite Duras, Anais Nin, para mencionar apenas algumas das vozes femininas nesse mundo em que os gritos masculinos sempre foram altissonantes. Mas ela está muito longe de ser uma Bruna Surfistinha da vida, tem o que dizer e o seu livro não pode ser simplesmente ignorado ou deixar de ser lido por mero preconceito.
A protagonista do romance, Adriana, é uma bem sucedida mulher de 38 anos de idade, designer de jóias, bonita, culta, inteligente, rica e descolada, que não obstante mantém um caso com um homem 14 anos mais novo, de corpo malhado e cérebro atrofiado, que pretende ser ator. Ao se descobrir traída pelo amante ou namorado, que não passa de um arrivista, engendra uma terrificante vingança, sobre a qual nada vou contar aqui. Acho que o livro decai um pouco na parte final, mas sem comprometer a sua boa qualidade, com trechos de grande inspiração.
Critica-se, com inteira pertinência, a excessiva erotização da sociedade atual. Erotização não me parece, contudo, o termo mais indicado. O que de fato vivemos é uma sexualismo exacerbado ou uma banalização do sexo.
O erotismo é outra coisa, muito diferente da exposição de corpos nus, com seios e bundas de silicone, tórax e bíceps hipertrofiados, abdomens de tanquinho, conquistados a qualquer custo. Mulher Melância, Mulher Jaca, Mulher Melão, Mulher Maçã, Mulher Samambaia, Popuzudas, a mulher não mais existe na sua integralidade, mas apenas por características anatômicas de conotoção sexual.
Enquanto o sexualismo, a exemplo da pornografia, é exibicionista e frontal, o erotismo é insinuante e subjetivo, tanto que o próprio vocábulo deriva do grego Eros, entidade mitológica que para a psicanálise representa as pulsões da vida, o amor, o desejo, a paixão.
Ao contrário do erotismo, o sexualismo expressa uma preocupação excessiva com o sexo, no qual concentra e restringe a vida.
Nada mais representativo desse sexualismo do que a ditadura de um pênis ereto e sempre pronto a se exibir, a parte que comanda o todo, ao passo que a mulher simboliza o erótico, na sua sensibilidade e na própria conformação do seu órgão sexual, que recolhe e agasalha no seu íntimo.
Talvez seja isso que nos queira dizer (especialmente aos homens) o livro de Fernanda Young, na senda da célebre frase de Ernesto Che Guevara: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.