“O resto é silêncio!” (Willian Shakespeare, últimas palavras de Hamlet)
Muitíssimo interessante — e terrificante — a entrevista feita pela jornalista Daniela Arrais, na edição da última segunda-feira (pág. A-18) da Folha de S. Paulo com Viktor Mayer-Schöenberger, austríaco, autor do livro Delete ─ The Virtue of Forgetting in de Digital Age (Delete ─ A Virtude do Esquecer na Era Digital).
Afirma ele, com inteira razão, que “Pelo esquecimento, a nossa mente se alinha com o nosso passado, com nossas preferências do presente, tornando mais fácil a sobrevivência e a vida mais suportável. Esquecer nos ajuda a evoluir, a crescer a seguir em frente — para aprender novas coisas.” “O Google não vai nos deixar fazer isso. Se nós procurarmos o nome de alguém no Google e descobrimos uma citação de que ele estava dirigindo embriagado há dez anos, o quão relevante é isso para o presente dessa pessoa?”
E relata no seu livro “o caso de uma mulher norte-americana de quase 30 anos que havia ficado alguns anos na prisão por algo que tinha feito aos 18 anos. Depois de sua libertação, ela se mudou para uma nova cidade, começou uma nova vida. Encontrou um marido, um emprego, seus filhos cresceram em uma família normal. Até que um colega “deu um Google” no nome dela e, por acaso, deu de cara com um site que colocava fichas policiais com foto de todos os prisioneiros do Estado nas últimas duas décadas. De repente, a vida dela desmoronou”.
É de fato assustador o que representa e poderá acarretar esse consciente coletivo permanente e inesgotável. Essa massa de dados e informações sem fim, que nos traga para o seu ventre sempre faminto, queiramos ou não. Lá permanecerão inolvidáveis nossos êxitos (poucos) e fracassos (tantos), o rastro do que fomos e já não somos, impossibilitando, talvez, o que seríamos.
Não fosse o assunto instigante por si mesmo, pela sua significância e atualidade, eis que estou lendo (mais um dos laços invisíveis?) o recém-lançado livro de Enrique Vila-Matas, Doutor Pasavento, cujo tema é justamente o desaparecimento do sujeito, o escrever para se ausentar:
“Minha primeira lembrança, relacionada com a imagem de minha aparição no mundo, já está ligada, portanto, a uma ideia de despedida e desaparição. Talvez tenha sido essa a causa de eu sempre ter dito a mim mesmo que quem quiser ir além deverá desaparecer. De uma coisa acredito estar certo: me parece que foi precisamente meu desejo por dar um passo além o que me levou a dedicar à escrita, fazendo com que a minha aparição como escritor fosse acompanhada de uma forte vontade de dissimulação e desaparecimento no texto. Comecei, então, a escrever só para mim mesmo, sem ânimo de publicar (tal como estou fazendo agora) e sabendo perfeitamente que a literatura, como o nascimento para a vida, continha em si mesma sua própria essência, que não era outra senão o desaparecimento. No entanto, mais tarde, publiquei um livro, e isso arruinou o enfoque radical de meus começos. Eu havia me iniciado no mundo das letras considerando que escrever era um desapossar-se sem fim, um morrer sem detenção possível. Publicar complicou tudo. Me converteu pouco a pouco num escritor relativamente conhecido em meu país e isso me pôs em contato com o horror da glória literária. “Se uma pessoa busca o sucesso, só tem dois caminhos, ou o consegue ou não o consegue, e ambos são igualmente ignominiosos”, disse Imre Kértesz”.
Estou ainda no começo do livro, mas até agora me agrada muito, embora não concorde inteiramente com a ideia de que o desaparecimento seja a essência e o fado do escritor e da própria literatura. Mas é sempre estimulante defrontar com concepções e pensamentos diversos dos nossos.
De todo modo é cedo para formular um juízo, pois não sei para aonde se encaminhará o romance. Talvez volte ao assunto depois de terminar a leitura.