Como havia anunciado, sábado passado assisti à estreia da “contação de histórias para adultos”, bolada e realizada pelo trio Bell, Karina e Murilo.
A ideia do projeto surgiu da grande amizade dos três, aproveitando-se ainda da circunstância de que Karina e Murilo são atores e a Bell, além de escrever roteiros, tem uma boa experiência em produzir e dirigir. Uma das atividades da Karina como atriz é a de contar histórias para crianças, o que faz com exímia perícia e grande encantamento. Pensaram então: por que não fazer o mesmo, mas para adultos, montando uma apresentação com textos e músicas de autores consagrados e de novos talentos, com a temática sobre os universos feminino e masculino?
Some-se a isso a paixão dos três por novos desafios e pelo teatro e suas diversificações (como é o caso).
Trabalharam duro por alguns meses, nas horas vagas, feriados e fins de semana, selecionando textos, obtendo autorização dos respectivos autores, escolhendo o repertório musical, elaborando o roteiro. Depois vieram os ensaios (com a Karina tendo de decorar os textos palavra por palavra, vírgula por vírgula), iluminação e marcação.
Fiz questão de acompanhar tudo de longe, sem ter a menor noção do que estavam aprontando, de quais seriam os textos e as músicas, de como seria a encenação, resguardando-me para assisti-la com a mesma surpresa dos demais espectadores.
Sou um crítico rigoroso, especialmente em relação àqueles de quem mais gosto e admiro (o que é um defeito dos escorpianos, segundo me dizem).
Se não tivesse gostado, o máximo que faria era me calar, para não magoá-los.
Mas a apresentação, com os naturais tropeços de qualquer estreia (que, entretanto, passaram despercebidos, tanto que só tomei conhecimento depois, nas conversas e beberagens que se seguiram), surpreendeu-me, emocionou-me, divertiu-me, encantou-me acima de qualquer expectativa, deixando-me cheio daquele orgulho besta (mas demasiadamente humano) de ser pai e amigo dos autores (que mérito teria nisso, para me pôr orgulhoso?).
Tais reações não foram apenas minhas, mas claramente da maioria dos que assistiram à apresentação, aplaudindo várias vezes em cena aberta, dando boas gargalhadas e expressando contentamento.
Textos ótimos, maliciosos, picantes, inteligentes, divertidos, muito bem costurados. Excelente o violonista e cantor Tuco Oliveira, que se encarregou da parte musical.
E absolutamente excepcional a atuação da Karina, interagindo com o público, trocando de personagens a cada história contada, com delicioso sabor.
A esse respeito, o que me chamou a atenção foi que, na manhã de sábado, após tomar café com a Bell (que ainda não tinha visto desde a minha chegada a São Paulo, no dia anterior), acompanhei-a até ao apartamento dela e da Júlia, onde encontrei a Karina se preparando, agitada, insegura, com receio de que não se saísse bem. Parecia uma menininha precisando de colo.
Fui embora, e logo depois as duas se dirigiram ao Sesc Ipiranga, para cuidar dos preparativos junto com o Murilo e demais parceiros.
Só voltei a ver Karina quando entrou em cena, deslumbrante num vestido preto com um enorme decote nas costas e com os sapatos de salto alto, avinhados. Não bastasse o impacto da sua beleza e do seu charme, aquela menininha temerosa da manhã transmudou-se magicamente numa verdadeira diva à noite, dominando todos os espaços do cenário, andando, sentando, cruzando as pernas, seduzindo, circulando pelo público, dizendo os textos com dicção e ritmo impecáveis. Eis o milagre do teatro e de quem nasceu para atuar!
Outra doce surpresa da noite foi a presença sempre amiga e carinhosa de Gilberto Kujawski e Célia Marcondes, que já haviam ido inutilmente até o Sesc Ipiranga no sábado anterior, confundindo o dia da apresentação, mas não deixaram de comparecer novamente. Ambos me asseguraram haver gostado muito.
Parece-me que o projeto, que certamente a cada apresentação há de ficar mais afiado, com permanente renovação dos textos e adaptações para novos locais, tem absolutamente tudo para vingar.
Os talentos da Bell, da Karina e do Murilo bem merecem.