Nas Pílulas, um desrespeito às mulheres brasileiras.
Nas Pílulas, um desrespeito às mulheres brasileiras.
Quem se lembra do General João Baptista Figueiredo, o último ditador do regime militar instaurado em 1964?
Aquele que não se lembrar não precisa ter dor de consciência, porque estará atendendo ao pedido feito por ele de que o esquecessem. Mas ditaduras e ditadores não devem ser esquecidos, para que não sejam repetidos.
Era um ferrabrás, que ameaçava prender e arrebentar e dizia um monte de asneiras (apesar de sinceras) — o que, aliás, parece ser uma prerrogativa presidencial —, como a de que preferia o cheiro do cavalo ao cheiro do povo e, respondendo a um menino que lhe perguntou o que faria se fosse seu pai que ganhava salário mínimo:
— Daria um tiro no cuca.
Justiça lhe seja feita, porém: quando morreu, em 1999, enfrentava dificuldades financeiras, o que demonstra a sua honestidade pessoal, dever básico de qualquer agente público, mas que no Brasil se trata de uma grande e rara qualidade.
Pois o General Figueiredo, provindo de uma família de ilustres militares, tinha um irmão escritor, um bom escritor (toda família tem uma ovelha negra).
Guilherme Figueiredo escreveu um livro muito divertido, Tratado Geral dos Chatos (“Cada indivíduo tem o chato que merece. É impossível chatear um chato. Dois chatos da mesma espécie não se chateiam.”), além de várias peças inspiradas na temática mitológica, com abordagem cômica.
A respeito de sua produção, o crítico Décio de Almeida Prado assinala: “Guilherme Figueiredo é um escritor literário. Em teatro isso quer dizer, em geral, um autor que prefere a palavra à ação, a poesia à realidade. Guilherme Figueiredo é literário neste sentido: sente-se bem na maneira como falam as suas criaturas, que a linguagem delas é a linguagem da arte, não a da vida. Do autor, mais do que das personagens, é o espírito, a tendência para a ênfase, a procura do brilho verbal. […] Ninguém é o escritor que quer (ou que os outros querem), mas o escritor que pode ser, o escritor que traz dentro de si mesmo”.
Uma de suas peças mais festejadas e premiadas, Um deus dormiu lá em casa, marcou a estreia profissional do inesquecível Paulo Autran, que sem jamais ter frequentado uma escola de Teatro ganhou logo de cara o prêmio de melhor ator. Foi encenada pela primeira vez em 1949, com direção de Silveira Sampaio e Tônia Carreira à frente do elenco com Autran, que decidiu então deixar de vez a advocacia e se dedicar à sua verdadeira vocação.
Mas por que nesta manhã de sábado estou eu a recordar de uma época em que nem sequer tinha nascido?
Ah, já sei!
É que ontem um anjo dormiu aqui em casa.
Pois é, prá que tanta luta, tanta força bruta para ganhar a vida enquanto de fato estamos a perdê-la, tanta correria, tanta pressa de chegar (onde?), sem tempo de simplesmente ver essa límpida lua a rebrilhar mansamente num céu de tanta estrela?
Ocorreu-me isso ontem, quando por volta das 21 horas retornava excepcionalmente mais cedo da faculdade, onde o período de provas e exames finais já começou.
Deparei com a lua e o céu magnífico ainda no estacionamento, o que me fez dirigir calma e vagarosamente até em casa. Não precisava, mas cheguei a parar num posto no caminho para completar o tanque, só para prolongar um pouco o percurso e o curso dos meus pensamentos.
No estado de espírito em que me achava, como se o universo conspirasse (juro que é pura verdade), assim que deixei o posto começou a tocar no rádio do carro uma das canções de que mais gosto, mas há muito, muito tempo mesmo não ouvia, e que expressava com grande antecipação a louca vida e o mundo doido em que nos consumimos.
Trata-se de uma composição de Sidney Miller, que anda meio ou totalmente esquecido, compositor inspiradíssimo, da década de 60, que morreu muito moço, com apenas 35 anos, mas deixou uma obra sólida e comovente, com várias canções antológicas.
Em 1965 gravou sua primeira música, “Queixa”, feita em parceria com Zé Kéti e Paulo Tiago, classificada em quarto lugar no I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior de São Paulo, defendida pelo grande Ciro Monteiro. Em 1967 com a canção “A estrada e o violeiro”, que interpretou em dueto com Nara Leão, conquistou o premio de melhor letra do III Festival de Música Popular Brasileira promovido pela TV Record. Naquele mesmo ano, juntamente com Théo de Barros, Caetano Veloso e Gilberto Gil, compôs a trilha sonora para a peça Arena conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri.
Foi autor também da trilha sonora da peça Por mares nunca dantes navegados (1972), de Orlando Miranda, para a qual musicou alguns sonetos de Camões. São dele ainda, entre outras lindas canções, a muito conhecida “O Circo” (“vai, vai, começar a brincadeira, que a charanga vai tocar a noite inteira, vem, vem, vem, ver o circo de verdade, tem, tem, tem, tem, picadeiro e qualidade”), Meu violão e Pede passagem.
Depois de abandonar os cursos de Sociologia e Economia para se dedicar inteiramente à música, o seu jeito tímido e de bom menino, seus olhos tristonhos, a temática urbana e em especial o talento e cuidado na construção das letras fizeram com que fosse comparado com o então iniciante Chico Buarque.
Ao chegar em casa, corri a remexer meus velhos LPs e encontrei uma gravação de Pois é, prá quê?, interpretada pelo conjunto MPB 4, em plena forma.
Disco na vitrola, um taça de vinho na mão, e a noite adormeceu quase em paz (apesar, ou por causa, do nó na garganta).
Pois é, prá quê?
Sidney Miller
O automóvel corre, a lembrança morre
o suor escorre e molha a calçada
há verdade na rua, há verdade no povo
a mulher toda nua, mais nada de novo
a revolta latente que ninguém vê
e nem sabe se sente, pois é, prá quê?
O imposto, a conta, o bazar barato
o relógio aponta o momento exato
da morte incerta, a gravata enforca
o sapato aperta, o país exporta
e na minha porta, ninguém quer ver
uma sombra morta, pois é, pra quê?
Que rapaz é esse, que estranho canto
seu rosto é santo, seu canto é tudo
saiu do nada, da dor fingida
desceu a estrada, subiu na vida
a menina aflita ele não quer ver
a guitarra excita, pois é, pra quê?
A fome, a doença, o esporte, a gincana
a praia compensa o trabalho, a semana
o chope, o cinema, o amor que atenua
o tiro no peito, o sangue na rua
a fome a doença, não sei mais porque
que noite, que lua, meu bem, prá quê ?
O patrão sustenta o café, o almoço
o jornal comenta, um rapaz tão moço
o calor aumenta, a família cresce
o cientista inventa uma flor que parece
a razão mais segura pra ninguém saber
de outra flor que tortura, pois é prá quê?
No fim do mundo há um tesouro
quem for primeiro carrega o ouro
a vida passa no meu cigarro
quem tem mais pressa que arranje um carro
prá andar ligeiro, sem ter porque
sem ter prá onde, pois é, prá quê?
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Na crônica de Carlos Heitor Cony da última sexta-feira, “O ovo e a galinha” (Folha de S. Paulo, Ilustrada, E14, 21/5/2010), na qual discorre saborosamente como sempre sobre um livro do aiatolá Khomeini intitulado “A explicação dos problemas” (aliás, todo fanático e tirano tem a mania de deixar seu livro para a posteridade, Hitler com Mein Kampf, e o “Livro Vermelho” de Mao Tsé-Tung são dois bons exemplos disso), um decassílabo reluz de repente como uma pérola no ventre da ostra:
“carne — pasto de vermes e de espantos.”
No final, diz ele que “gostaria que me explicassem de uma vez por todas a insistência com que escrevo diariamente e ninguém toma providências”.
É por isso!
Havia mais de vinte anos que duas vezes por semana, religiosamente, ela vinha para lavar e passar a roupa da família.
A sua aparência pouco mudara ao longo do tempo. Continuava quase a mesma, uma mulata pequenina, de carnes rijas, mãos calejadas, sempre bem disposta e com um sorriso estampado no rosto. Como quase todas as mulheres trabalhadeiras, de vida dura e sofrida, a sua idade era indefinível, entre os quarenta e oitenta anos.
Talvez por isso, desde que começara a trabalhar na casa era tratada respeitosamente como Dona Filó, embora não devesse ser muito mais velha do que os patrões.
Ouvia rádio e cantava, com uma voz afinada e melodiosa, enquanto trabalhava. Gostava de conversar e demonstrava grande afeição por todos.
Agora já havia a máquina de lavar roupas, mas algumas peças, como as camisas sociais do doutor, ela fazia questão de lavar à mão, zelosamente. Depois de passadas com primor, ficavam impecáveis, como se tivessem acabado de ser compradas.
Ele fumava o primeiro cigarro do dia, andando pelo quintal e fruindo a manhã radiante, o mamoeiro que nascera sem ter sido plantado e já estava alto e vigoroso, com os primeiros frutos amarelejando. Os beija-flores esvoaçantes pelos canteiros de flores da mulher, o bem-te-vi pousado no muro.
Ouviu o ruído do portão dos fundos sendo aberto e logo Dona Filó surgiu, risonha e ligeira como de costume.
— Vim hoje porque na quinta-feira não pude. Nasceu o meu primeiro bisneto, filho da Maria Rosa, que eu criei desde pequenininha. O senhor precisa ver que meninão! Quase quatro quilos! E já foi logo mamando feito um bezerrinho, agarrando as tetas da mãe.
Lembrou-se vagamente da menina magrinha, de grandes olhos negros, que de vez em quando vinha com ela e passava o dia a brincar com suas filhas.
— Mas que beleza Dona Filó! Não sabia que a sua neta estava grávida, mas fico muito feliz pelo menino e por tudo ter corrido bem. Se precisar de alguma coisa é só falar.
— Muito obrigado, doutor. Sabe que assim que vi o moleque me bateu uma certeza de que ele vai vencer na vida, ser importante, quem sabe um doutor, como o senhor?
— Tomara que sim. Mas não como eu, muito melhor. E rico, o que não sou.
— Por isso estou pensando em dar a ele um nome chique, estrangeiro, que logo de cara impressione.
Ele temeu que viesse por aí mais um Michael (ou Maicon), Washington, ou até mesmo Obama. Mesmo assim perguntou:
— A senhora já escolheu o nome?
— Tem um que um gosto muito, vivo ouvindo, mas ainda não vi ninguém chamado: Laptop.
Tomou toda a cautela para não a constranger nem magoar.
— É bonito. Mas, Dona Filó, aceite um conselho amigo. Nomes estrangeiros são complicados, as pessoas pronunciam e escrevem errado, acabam atrapalhando a vida da gente. Além disso, o cartório pode recusar o registro. Ponha um nome nosso, talvez de um santo da sua devoção, Antônio, José, Pedro, Jorge, que irá proteger o menino.
Ela não pareceu muito convencida, mas disse que ia pensar e foi para a área de serviço.
Fosse qual fosse o nome, desejou do fundo do coração que na vida o menino se encaminhasse lépido ao topo do mundo.
Você é a favor ou contra a paradinha na cobrança de pênalti? O que eu penso está nas Pílulas.
http://marcelotas.blog.uol.com.br/
Num País em que todos somos técnicos de futebol, o assunto da semana foi Dunga e a sua convocação dos jogadores da seleção brasileira para a Copa do Mundo que vem aí.
Do muito que se falou e escreveu a respeito, há textos e análises brilhantes, mas para mim foi de Xico Sá a mais deliciosa crônica (aliás, tudo o que ele escreve tem inefável sabor), publicada na edição de ontem, sexta-feira, na Folha de S. Paulo (Prefiro não, esporte D3), em que especula sobre “quem seria Dunga se fosse, por acaso, um personagem da grande literatura universal”.
Aventa diversos personagens, logo descartados, como Brás Cubas, de Machado de Assis, Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, o canalha do Palhares, de Nelson Rodrigues, o Blau dos contos gauchescos de João Simões Lopes Neto, e outros mais.
Enquanto lia a crônica, pensei também em alguns personagens. A associação mais evidente, e já desgastada, é com o anãozinho homônimo da história da Branca de Neve, ingênuo, sorridente, folgazão. Mas nenhuma dessas características se aplica ao Dunga, que mais se parece com outro dos anõezinhos, o Zangado. Ocorreu-me também o protagonista de O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino, muito mais pelo título do romance do que pelo caráter de Viramundo, um símile tupiniquim de Dom Quixote, andarilho, louco, desvalido, idealista, picaresco e fanfarrão. Mas bem que o seu triste fim poderá se repetir em relação a Dunga (se não conseguir levar a seleção brasileira ao título): desiludido e amargurado, Viramundo descobre que as cartas de amor da idealizada e inalcançável amada Marília (a taça FIFA?) eram falsas; os amigos (cartolas da CBF, jogadores, diversos jornalistas e demais puxa-sacos?) eram falsos; suas crenças (sobre o futebol?) eram falsas. Percebe então que está só, irremediavelmente só, e a solidão é tudo que lhe resta.
Para solucionar o impasse, Xico Sá cogita recorrer, por motivos óbvios, ao Analista de Bagé, mas é o seu fiel escudeiro, o corvo Edgar, quem afinal o acode e define com grande perspicácia e propriedade o personagem que mais reflete o atual técnico da nossa seleção: “O Dunga é aquele cara teimoso do Melville, saca?”
O cara teimoso é o escrivão Bartleby, da pequena obra prima tardia de Herman Melville, que chegou a ser traduzida por Jorge Luis Borges, o qual no prólogo faz uma interessante aproximação com a grande obra prima do mesmo Melville, o épico Moby Dick, grandioso como o famoso cachalote raivosamente caçado pelo capitão Ahab, romance “infinito” cuja narrativa “se avoluma até alcançar o tamanho do cosmo”.
Anota Borges, que tinha grande domínio da língua inglesa, que o texto de Moby Dick está estruturado num exacerbado dialeto romântico do inglês, ao passo que Bartleby, O Escrivão ― com cerca de apenas 40 páginas ― utiliza-se de um idioma tranquilo, cujo contraste com o assombro da narrativa parece antecipar a ficção kafkiana.
Contratado por um advogado como escrivão e copista de documentos (naqueles tempos não havia os prodígios da fotocópia e do escâner), depois de poucos dias em que trabalhou normalmente, Bartleby passa a responder às ordens e aos pedidos do patrão com uma mesma frase, que se tornará a sua marca: “Acho melhor não” (“I would prefer not to.”)
De recusa em recusa, Bartleby quase enlouquece o chefe, que apesar de tratá-lo com toda a consideração e ser extremamente tolerante e complacente, não vê outra alternativa senão despedi-lo, mas recebe a resposta de praxe de Bartleby, que não arreda pé do escritório, que àquela altura já se tornou sua moradia, obrigando o empregador a se mudar!
Bartleby acaba preso, apesar dos remorsos do advogado que se considera vagamente responsável pela desdita do ex-empregado, que com a frase de sempre passa a rejeitar até mesmo a comida e por fim morre.
Para Xico Sá (ou o seu corvo Edgar), Dunga também prefere não, “não escalar nem mesmo o maior jogador do mundo no momento, caso do Ganso, por supuesto”.
Exageros à parte ― ainda é cedo para eleger o jovem santista como o maior do mundo ―, não resta a menor dúvida de que Ganso é pelo menos o melhor e mais talentoso meia-armador do atual futebol brasileiro. Seus lançamentos e passes, a sua visão de jogo são comparáveis aos grandes mestres daquele setor de inteligência, como Didi, Gerson, Rivelino, Ademir da Guia. Sua personalidade e vivacidade surpreendem, como demonstrado no jogo final contra o Santo André, em que o Santos tomava sufoco com oito homens em campo, e ele evitou o equívoco do ótimo técnico Dorival Jr., recusando-se a ser substituído, pois sabia que era o único capaz de segurar a bola e esfriar o jogo. Num escanteio, como os poucos jogadores que restavam ao Santos não se aproximaram da área, deu um toquinho malandro pondo a bola em jogo e se afastou, como se esperasse outro para bater o corner, e os adversários demoraram quase um minuto para perceber o que acontecia.
Um jogador desse quilate, no atual deserto do futebol brasileiro na posição, e com a má fase da Kaká, não poderia ficar de fora da seleção, ainda que não atuasse como titular. E nem se alegue inexperiência, já que se fosse esse o caso não deveria figurar também da lista suplementar.
Dunga, que foi um jogador absolutamente medíocre e sem imaginação, acha melhor não, preferindo formar um meio campo de anões futebolistas iguais a ele, como os cabeças de bagre Gilberto Silva (decadente e incapaz de acertar um passe de três metros), Josué, Júlio Baptista, Felipe Melo (violento e intempestivo, que dia desses tomou uma lição do PVC num programa da ESPN, quando pretendeu encará-lo com os pontapés e cotoveladas — no caso verbais — que está acostumado a distribuir em campo).
E o que dizer da convocação dos não menos sofríveis e anões de futebol como Grafite (que jogou apenas 15 minutos na seleção), Kléberson (talvez para adoçar a torcida flamenguista pelo não chamamento, acertado, do lunático Adriano), Doni, Gilberto, Michel Bastos?
Vamos para a Copa do Mundo com um time muito parecido com o de 1994, liderado(?) em campo pelo próprio Dunga e no banco por Parreira (um Dunga com demão de verniz). Ganhamos (graças à arte e irreverência do baixinho Romário, levado à última hora), mas quase ninguém se lembra com saudade e carinho daquele time, ao contrário do escrete mágico de 1982 formado por Telê Santana, que perdeu mas nunca será esquecido.
Dunga e seus anões podem ser trabalhadores, esforçados, suarem a camisa, como os anõezinhos do conto de fadas, que se davam duro na mina. Mas quem nasceu para anão jamais será o príncipe encantado.
Com toda a franqueza, se for para jogar e vencer do jeito daquela “seleção” de 1994, que Dunga não se cansa de citar como referência, tal como Bartleby, acho melhor não.
Nos tempos escabrosos da ditadura, Chico Buarque estava no auge de seu talento criativo como compositor.
Para escapar do cerco da censura, assinou algumas canções com pseudônimos, entre os quais talvez o mais famoso seja Julinho da Adelaide, que figura como autor, em parceria com Leonel Paiva, de uma canção que se tornou clássica, Acorda Amor, cujo personagem, diante da aflição de acordar no meio da noite com “a dura, numa muito escura viatura” batendo no portão e logo depois “já no vão da escada, fazendo confusão”, implora à mulher que “chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão”.
Maria Aparecida Menezes despertou com os gritos do filho Alexandre que, à porta de sua casa, no bairro pobre de Cidade Ademar, em São Paulo, estava sendo espancado impiedosamente, até a morte, por delinquentes travestidos de policias militares.
A “diligência” policial foi desencadeada simplesmente porque o rapaz conduzia uma motocicleta nova, que tinha acabado de comprar com muito sacrifício e ainda não se achava emplacada, despertando as suspeitas dos solertes guardiões da ordem pública.
Maria Aparecida tentou intervir, implorar, explicar que o rapaz morava ali, era entregador de pizza, casado e tinha um filho de três anos. Foi em vão. Os bandidos fardados lhe disseram que se tratava de um “vagabundo” e, ameaçando-a, fizeram com que ela se afastasse e presenciasse o massacre, impotente e em desespero crescente.
— Eles ficaram batendo nele meia hora e depois o enforcaram na minha frente.
— O pior é que eu não podia fazer nada, nem discar para o 190 e chamar a polícia para me acudir, porque era a polícia que estava ali, matando meu filho.
Quem sabe se ela, a exemplo do personagem da canção de Chico Buarque, chamasse o ladrão, não teria de enterrar o corpo do filho no Dia das Mães.
Os tempos mudaram, mas nem tanto.
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Ontem Carolina passou o seu primeiro Dia das Mães como tal.
Ninguém que a conhece tinha dúvidas sobre a ótima mãe que seria, mas mesmo assim todos que vêm acompanhando de perto os dois primeiros e mais difíceis meses da sua maternidade estão admirados com a sua surpreendente destreza para todas as tarefas, a tranquilidade e segurança com que enfrenta os habituais contratempos que tanto afligem os marinheiros de primeira viagem. Graças a isso, além do amor, carinho e da devoção incomensuráveis pela filha, Manuela é uma bebê encantadora, calma, que quase não chora e muito sociável. Não estranha ninguém e já começa a distribuir sorrisos para todos que a cercam. Adora que cantem para ela ou conversem com ela e, como dizia o italiano, parlare, non parla, ma presta un attentione…
Ontem era Dia das Mães, mas quem ganhou o maior presente fomos nós. Depois de passar pela revisão dos mil quilômetros e tomar as primeiras vacinas, Manuela foi liberada pelo Dr. Dabori para vir pela primeira vez ao ninho dos avós corujas.
A sua chegada triunfal foi saudada com pétalas de rosas que iam sendo espalhadas pelo caminho que percorria nos braços da mãe, ambas sob a custódia do papai Marcel, até entrar em casa.
Seguiram-se brindes com champanhe enquanto se aguardava o almoço, cuja pièce de resistance foi uma delicioso pernil assado, que se harmonizou muito bem com um ótimo Chianti Clássico, da Villa VignaMaggio, recomendado pelo Rockmann. Depois, as sobremesas e um bom vinho do Porto, vintage.
Quando lhe bateu o sono, Manuela dormiu na cama do casal avoengo, cuidadosamente cercada de travesseiros por todos os lados.
Espero que ela tenha sonhado nossos sonhos, como nós sonhamos e sonharemos os dela.
Nas Pílulas, o fim do sonho corintiano.