Nos tempos escabrosos da ditadura, Chico Buarque estava no auge de seu talento criativo como compositor.
Para escapar do cerco da censura, assinou algumas canções com pseudônimos, entre os quais talvez o mais famoso seja Julinho da Adelaide, que figura como autor, em parceria com Leonel Paiva, de uma canção que se tornou clássica, Acorda Amor, cujo personagem, diante da aflição de acordar no meio da noite com “a dura, numa muito escura viatura” batendo no portão e logo depois “já no vão da escada, fazendo confusão”, implora à mulher que “chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão”.
Maria Aparecida Menezes despertou com os gritos do filho Alexandre que, à porta de sua casa, no bairro pobre de Cidade Ademar, em São Paulo, estava sendo espancado impiedosamente, até a morte, por delinquentes travestidos de policias militares.
A “diligência” policial foi desencadeada simplesmente porque o rapaz conduzia uma motocicleta nova, que tinha acabado de comprar com muito sacrifício e ainda não se achava emplacada, despertando as suspeitas dos solertes guardiões da ordem pública.
Maria Aparecida tentou intervir, implorar, explicar que o rapaz morava ali, era entregador de pizza, casado e tinha um filho de três anos. Foi em vão. Os bandidos fardados lhe disseram que se tratava de um “vagabundo” e, ameaçando-a, fizeram com que ela se afastasse e presenciasse o massacre, impotente e em desespero crescente.
— Eles ficaram batendo nele meia hora e depois o enforcaram na minha frente.
— O pior é que eu não podia fazer nada, nem discar para o 190 e chamar a polícia para me acudir, porque era a polícia que estava ali, matando meu filho.
Quem sabe se ela, a exemplo do personagem da canção de Chico Buarque, chamasse o ladrão, não teria de enterrar o corpo do filho no Dia das Mães.
Os tempos mudaram, mas nem tanto.
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