Havia mais de vinte anos que duas vezes por semana, religiosamente, ela vinha para lavar e passar a roupa da família.
A sua aparência pouco mudara ao longo do tempo. Continuava quase a mesma, uma mulata pequenina, de carnes rijas, mãos calejadas, sempre bem disposta e com um sorriso estampado no rosto. Como quase todas as mulheres trabalhadeiras, de vida dura e sofrida, a sua idade era indefinível, entre os quarenta e oitenta anos.
Talvez por isso, desde que começara a trabalhar na casa era tratada respeitosamente como Dona Filó, embora não devesse ser muito mais velha do que os patrões.
Ouvia rádio e cantava, com uma voz afinada e melodiosa, enquanto trabalhava. Gostava de conversar e demonstrava grande afeição por todos.
Agora já havia a máquina de lavar roupas, mas algumas peças, como as camisas sociais do doutor, ela fazia questão de lavar à mão, zelosamente. Depois de passadas com primor, ficavam impecáveis, como se tivessem acabado de ser compradas.
Ele fumava o primeiro cigarro do dia, andando pelo quintal e fruindo a manhã radiante, o mamoeiro que nascera sem ter sido plantado e já estava alto e vigoroso, com os primeiros frutos amarelejando. Os beija-flores esvoaçantes pelos canteiros de flores da mulher, o bem-te-vi pousado no muro.
Ouviu o ruído do portão dos fundos sendo aberto e logo Dona Filó surgiu, risonha e ligeira como de costume.
— Vim hoje porque na quinta-feira não pude. Nasceu o meu primeiro bisneto, filho da Maria Rosa, que eu criei desde pequenininha. O senhor precisa ver que meninão! Quase quatro quilos! E já foi logo mamando feito um bezerrinho, agarrando as tetas da mãe.
Lembrou-se vagamente da menina magrinha, de grandes olhos negros, que de vez em quando vinha com ela e passava o dia a brincar com suas filhas.
— Mas que beleza Dona Filó! Não sabia que a sua neta estava grávida, mas fico muito feliz pelo menino e por tudo ter corrido bem. Se precisar de alguma coisa é só falar.
— Muito obrigado, doutor. Sabe que assim que vi o moleque me bateu uma certeza de que ele vai vencer na vida, ser importante, quem sabe um doutor, como o senhor?
— Tomara que sim. Mas não como eu, muito melhor. E rico, o que não sou.
— Por isso estou pensando em dar a ele um nome chique, estrangeiro, que logo de cara impressione.
Ele temeu que viesse por aí mais um Michael (ou Maicon), Washington, ou até mesmo Obama. Mesmo assim perguntou:
— A senhora já escolheu o nome?
— Tem um que um gosto muito, vivo ouvindo, mas ainda não vi ninguém chamado: Laptop.
Tomou toda a cautela para não a constranger nem magoar.
— É bonito. Mas, Dona Filó, aceite um conselho amigo. Nomes estrangeiros são complicados, as pessoas pronunciam e escrevem errado, acabam atrapalhando a vida da gente. Além disso, o cartório pode recusar o registro. Ponha um nome nosso, talvez de um santo da sua devoção, Antônio, José, Pedro, Jorge, que irá proteger o menino.
Ela não pareceu muito convencida, mas disse que ia pensar e foi para a área de serviço.
Fosse qual fosse o nome, desejou do fundo do coração que na vida o menino se encaminhasse lépido ao topo do mundo.
As mães (no conto, as avós) sempre correm o risco de se enganarem ao dar o nome aos filhos. Talvez dona Filó acabe optando por Maksuel (se o cartorário aceitar). Tenho uma amiga cuja mãe desejava chamá-la Gleida, assim mesmo, como está escrito. O cartorário, muito cônscio de seus deveres, possivelmente pensando no futuro da menina, uma mineirinha loira, registrou-a com Gladys. Todos a chamamos Gladys, mas na casa da mãe e para os antigos parentes próximos ela é Gleida.
Pior ainda foi a minha decepção quando comprei meu primeiro cachorro: passei a semana inteira, pensando dia e noite, que nome dar a ele, o maior amor da minha vida. Escolhido o nome (que eu julgava difícil de encontrar, quem sabe inédito para um cachorro!), na primeira visita ao veterinário, o Dr.Paulo disse: “É o terceiro Ludy que vem aqui hoje.” Não sei se ele percebeu o meu desapontamento, mas preferi acreditar que ele disse isto apenas para me “agradar”, escolhendo um nome “da moda”. O fato é que até hoje continuo acreditando que o meu Ludy é único e que lhe dei um nome maravilhoso, inspirado no amor e esperança de um bom futuro para ele/nós.
Bem fez o doutor do conto ao aconselhar dona Filó que desse ao garoto um nome que invoque proteção; eu escolheria Pedro, mas duvido que dona Filó e a neta tenham optado por um nome tão comum. Quem sabe hoje ele é um Dr.Uiliam, devidamente graduado, ou melhor ainda, doutor Robinho, que tanta alegria nos traz.
PS: adorei o novo layout da página! Bem mais bonito!
Bom saber que você reparou e gostou. E deixou de lado o fricote de suspender seus comentários “agressivos”…
Achei que o senhor gostaria de ler. Vi no Estadão de hoje, escrito por Ugo Giorgetti, com o título “O Santos contagia até os adversários”:
“Ultimamente tenho tido o grande prazer de me reencontrar com o futebol brasileiro. Reencontrar um futebol que, desiludido, tinha deixado não só de ver, como de pensar que fosse ainda possível. Não é. Felizmente aí está o time do Santos para me redimir. O curioso é que esse time não ganha sempre. De vez em quando perde, fato que faz alguns perguntarem onde está, então, o encanto dessa equipe, se muitas vezes, apesar de tão endeusada, não consegue vencer?
Respondo que o encanto desse time vem justamente do fato de que é tão bom, joga tão bonito, que faz até o adversário jogar bem. Transforma por isso qualquer jogo numa grande partida. Palmeiras, Santo André e Grêmio, só para citar alguns dos últimos vitoriosos, ao enfrentar o Santos melhoraram. Contaminados por aquele futebol descuidado, alegre, quase risonho, esses times sisudos e pesados se transformaram milagrosamente e pelo menos em uma partida jogaram o que não costumam jogar, jogaram o que na verdade não sabem.
Mágica santista. Essa é a virtude desse time. Fazer o adversário se superar e, às vezes, por uma mágica absurda, até se igualar a ele em campo e, mesmo, vencer. É o futebol, portanto, que deve agradecimentos a essa jovem equipe. Que importam, no fundo, as vitórias? O Santos vem provando que arte, o tão falado e execrado “futebol arte”, verdadeiro palavrão para os ouvidos dos “guerreiros” de plantão, é o que mais comove os torcedores brasileiros, porque responde ao que somos no mais profundo de nós mesmos, porque respeita a forma pela qual conquistamos o mundo quando começamos a ganhar Copas e torneios.
No dia seguinte aos jogos do Santos é comum ver grupos de pessoas discutindo os lances e, principalmente, os gols. Nunca vi ninguém se reunir para falar de gols feios, produto em geral de bolas paradas que vão encontrar a cabeça de alguém na área. Depois dos jogos do Santos os gols voltaram a ser discutidos nas esquinas.
Sofisticado e simples. Esse futebol que o Santos pratica é ao mesmo tempo sofisticado e simples. Parece fácil de tão espontâneo, de tão à vontade, mas é arte, e, por isso, difícil e elaborado. Requer apenas talento e um treinador que não atrapalhe. Dorival Jr. tem tido a sabedoria suprema de não se meter muito com o que os jogadores estão fazendo. Limita-se a ser uma espécie de regente. Os jogadores de vez em quando olham para ele e recebem uma sugestão que avaliam se vão cumprir ou não dependendo do que ocorre no jogo. E saem todos felizes. Principalmente o torcedor, que se diverte como há muito não se divertia num campo de futebol.
Nada de Meninos. Só não gosto que esses jogadores continuem a ser ainda chamados de Meninos da Vila. E, pior, tratados como meninos. São homens e jogam muito. Ao tratá-los como homens não lhes devem ser perdoadas palhaçadas em campo ou fora dele, e disso sou um critico feroz. Mas jogam muito e isso é o que importa. Foi ótimo para eles não terem sido convocados para a seleção brasileira. Seriam peixes fora d”água, sem trocadilho, e certamente nem jogariam. Não estão preparados ainda para abrir mão de seus talentos, nem são, aliás, muito valorizados por quem idolatra a Europa, onde Robinho senta no banco de um time modesto, o Manchester City.
O Santos me encanta porque ao invés da garra ele oferece classe, ao invés da retranca ele oferece a fantasia, ao invés da seriedade ele oferece a irreverência e ao invés da vitória ele oferece o espetáculo.”
Muito bom, este texto alegrou minha manhã…
Já tinha lido o artigo do Ugo Giorgetti, de quem gosto muito. Aliás,compro o Estadão aos domingos apenas para ler o que ele, Veríssimo e Joãu Ubaldo escrevem. O que Ugo Georgetti diz sobre o o Santos e o futebol em geral é exatamente o que penso e já tentei expressar aqui. Comentei há algum tempo sobre um filme dele, “O Príncipe”,pouco conhecido,que vale a pena assistir.
Por isto me lembrei do senhor. Ele disse o que o senhor costuma dizer aqui sobre o Santos.
A figura da D. Filó me leva a recordar outras que passaram por minha vida e que trago na lembrança e na saudade. Quando eu era pequena, em Poços de Caldas, teve uma senhora (aquela que não tem idade definida) que meu avô Nicolau apelidou de Maria Pisa Quente porque ele a achava lerda e então brincava mandando ela pisar quente. Esta senhora ficou em casa durante muitos e muitos anos e até quando meus pais foram para SP e eu fiquei interna no colégio, ela ia buscar minhas blusas (tipo marinheiro) pra lavar e passar, fazendo questão, como minha mãe, de que eu fosse a que apresentava o uniforme mais impecavelmente
engomado e passado. Até hoje falo nela e a Pisa Quente ficou na lembrança e no amor.
A aula: como transformar uma historinha contada num final de tarde em uma deliciosa e sensível crônica. Beijo