Posts from maio, 2010

Um deus dormiu lá em casa

 

 

 

                        Quem se lembra do General João Baptista Figueiredo, o último ditador do regime militar instaurado em 1964?

                        Aquele que não se lembrar não precisa ter dor de consciência, porque estará atendendo ao pedido feito por ele de que o esquecessem. Mas ditaduras e ditadores não devem ser esquecidos, para que não sejam repetidos.

                        Era um ferrabrás, que  ameaçava prender e arrebentar e dizia um monte de asneiras (apesar de sinceras) — o que, aliás, parece ser uma prerrogativa presidencial —, como a de que preferia o cheiro do cavalo ao cheiro do povo e, respondendo a um menino que lhe perguntou o que faria se fosse seu pai que ganhava salário mínimo:

                        — Daria um tiro no cuca.

                        Justiça lhe seja feita, porém: quando morreu, em 1999, enfrentava dificuldades financeiras, o que demonstra a sua honestidade pessoal, dever básico de qualquer agente público, mas que no Brasil se trata de uma grande e rara qualidade.

                        Pois o General Figueiredo, provindo de uma família de ilustres militares, tinha um irmão escritor, um bom escritor  (toda família tem uma ovelha negra).

                       

 

Guilherme Figueiredo escreveu um livro muito divertido, Tratado Geral dos Chatos (“Cada indivíduo tem o chato que merece. É impossível chatear um chato. Dois chatos da mesma espécie não se chateiam.”), além de várias peças inspiradas na temática mitológica, com abordagem cômica.

 

                        A respeito de sua produção, o crítico Décio de Almeida Prado assinala: “Guilherme Figueiredo é um escritor literário. Em teatro isso quer dizer, em geral, um autor que prefere a palavra à ação, a poesia à realidade. Guilherme Figueiredo é literário neste sentido: sente-se bem na maneira como falam as suas criaturas, que a linguagem delas é a linguagem da arte, não a da vida. Do autor, mais do que das personagens, é o espírito, a tendência para a ênfase, a procura do brilho verbal. […] Ninguém é o escritor que quer (ou que os outros querem), mas o escritor que pode ser, o escritor que traz dentro de si mesmo”.

                        Uma de suas peças mais festejadas e premiadas, Um deus dormiu lá em casa, marcou a estreia profissional do inesquecível Paulo Autran, que sem jamais ter frequentado uma escola de Teatro ganhou logo de cara o prêmio de melhor ator. Foi encenada pela primeira vez em 1949, com direção de Silveira Sampaio e Tônia Carreira à frente do elenco com Autran, que decidiu então deixar de vez a advocacia e se dedicar à sua verdadeira vocação.

                        Mas por que nesta manhã de sábado estou eu a recordar de uma época em que nem sequer tinha nascido?

                        Ah, já sei!

                        É que ontem um anjo dormiu aqui em casa.