Com a licença de Vinicius de Moraes, os muito paulistas que me perdoem, mas o Rio é fundamental.
Quanto o poetinha escreveu a sua famosa Receita de Mulher louvando a beleza feminina, desagradou muita gente, especialmente as muito feias. A sua letra-poema para a lindíssima canção de Carlinhos Lyra, Minha Namorada, também foi muito atacada pelas ativistas míopes e frustradas, que não se conformavam que a amada fosse chamada de “exatamente essa coisinha, essa coisa toda minha”, além da proposta de submissão que lhe fazia o poeta, tachado então de porco chauvinista.
Vinicius deu boas risadas, e continuou a dizer o poema, a cantar a canção e a conquistar as mulheres. Já não muito jovem (na idade, porque no espírito nunca deixou de ser moço), quando indagado como ou quem gostaria de ser se fosse possível começar tudo de novo, não hesitava em responder:
— Olha, queria ser eu mesmo. Mas com um pintinho um pouco maior…
No meu caso, nem preciso me desculpar com São Paulo, uma vez que sou paulistano do Bexiga, gosto da minha paulicéia desvairada e dela sinto falta quando demoro a revisitá-la.
Mas o Rio de Janeiro está em outro patamar, para mim só comparável a Paris. Cada qual com seus encantos.
Consegui dar uma fugida para o Rio nesse último fim de semana prolongado. Viajei em companhia da Bell, que precisava estar lá na sexta-feira para participar de uma reunião em que fecharia o contrato (como fechou) do seu novo trabalho. Saímos de Ribeirão na quinta, às 6h30 e por volta das 8h já estávamos no hotel Everest Rio, na Rua Prudente de Moraes, a um quarteirão da praia de Ipanema, entre os Postos 9 e 10. Localização privilegiada.
No sentido contrário, também a um quarteirão, a Rua Visconde de Pirajá e a Praça Nossa Senhora da Paz. Prosseguindo sempre em frente, talvez a umas oito quadras, a Lagoa.
Seguindo à direita pela Rua Prudente de Moraes, a uns 4 quarteirões, o bar Garota de Ipanema, na esquina com a atual Rua Vinicius de Moraes, antiga Rua Montenegro. Creio que o próprio Vinicius não ia gostar nem um pouco dessa mudança de nome, nem da alteração da denominação do bar, que se chamava simplesmente Veloso na época em que ele e Tom começaram a compor a famosa canção.
Na quinta (feriado) e na sexta os dias estavam lindos e ensolarados, porém ventava e estava um tanto frio para os padrões cariocas, e embora o calçadão estivesse cheio, quase ninguém se aventurava a entrar no mar. Tirante nós, paulistas deslumbrados, que aboletados nas cadeiras de praia nos deliciamos com caipirinhas, cervejas, papos mil e algumas entradas no mar, cuja água não estava tão fria quanto se supunha.
No final da tarde de quinta, um happy hour no Garota de Ipanema, enquanto fazíamos hora para jantar na Capricciosa. (quem sabe o Chico estivesse por lá?, augurava o otimismo da Bell). Quase defronte da Capricciosa há uma pequena loja, denominada Toca do Vinicius, uma espécie de sebo de discos, livros, fotos e outras peças importantes da história da MPB, especialmente dos tempos da Bossa Nova. O casal proprietário é apaixonado pela época e pelo que faz, quase como hobby, sobre o quê conversamos quase uma hora, trocando informações e relembrando de grandes histórias. A Bell acabou comprando um antigo LP do Paulinho da Viola, em ótimo estado.
Na sexta, a Bell passou o dia na redação do jornal, enquanto este folgado caminhava pelo calçadão e curtia mais um pouco da praia até umas 15h. Depois de um bom banho e um pequeno cochilo, passeei-me pela Visconde de Pirajá, até a Livraria da Travessa, também a umas cinco quadras do hotel. Lá pelas 21h a Bell me telefonou dizendo que estava à minha espera na porta do jornal, na Rua Riachuelo. Fui encontrá-la e estendemos a noitada pelos novos bares da velha Lapa. Acabamos no imenso Rio Scenarium, misto de bar, restaurante, antiquário e casa de espetáculos que se esparrama por vários andares e salões, onde houve uma apresentação do grupo Farofa Carioca, do qual Seu Jorge foi crooner. O grupo é bom e muito animado, mas me agradou mais um trio de levada jazzística que o antecedeu.
Sábado, como previsto pela meteorologia, amanheceu nublado e chuvoso, mas foi o nosso grande e inesquecível dia. Impedidos de usufruir a praia, decidimos ir à Feijoada da Portela, onde se anunciava a presença do Paulinho da Viola. Sempre fui portelense, e houve uma época em que me interessava muito pelas Escolas de Samba. Com a transformação do carnaval em um espetáculo hollywoodiano, para turistas, alijando as comunidades e o samba no pé, acabei me distanciando e desinteressando.
Mesmo assim, estar pela primeira vez na quadra da Portela, e num dia especial de homenagem à sua Velha Guarda, foi uma das maiores emoções que já senti na vida. Tudo perfeito: a música, a feijoada deliciosa, as muitas caipirinhas, ver e ouvir o grande Noca da Portela cantando lindos sambas antigos, o ambiente familiar, amigo e acolhedor. Saímos lá pelas 21h e o Paulinho da Viola ainda não tinha dado as caras, mas como disse o Adoniran para o Arnesto, num tem portância. Valeu muito, mesmo assim.
O ponto alto foi uma espécie de desafio entre o Noca da Portela e um integrante da Mangueira (cujo nome não descobri), ambos cantando sambas que louvavam as duas Escolas, mas invertendo os papéis, ou seja, Noca saudava a Mangueira e o mangueirense, a Portela. Lindo demais.
Ainda tivemos a boa sorte, tanto na ida, quanto na volta, de ser conduzidos por um motorista de táxi indicado por jornalistas cariocas colegas da Bell, portelense e fluminense fanático, ex-vigilante e instrutor de tiro, que nos levou em absoluta segurança, cobrou pouco e ainda nos foi apresentando os subúrbios da zona Norte do Rio, pelos quais passamos, Penha, Cascadura e a própria Madureira, onde fica a Portela.
Regressamos domingo à tarde com a alma lavada nas águas salgadas de Ipanema e o coração ainda no embalo do samba da Portela, já clamando por uma nova estada no Rio.
Foto Reportagem (fotos de Bell Gama)
Sozinho e destemido diante do mar que me quebrou
Apresentando e reverenciando a Portela
Tom Gama em pose de Tom Jobim
O Samba na Portela